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FHC entra em ritmo de campanha. Melhor prestar atenção
Com o lançamento do programa ampliado de bolsa-escola
em Águas Lindas (GO), Fernando Henrique Cardoso deu a
largada para a campanha eleitoral de 2002. Ele
continuará a fazer tudo para evitar que o candidato
governista defina-se este ano. Sabe, contudo, que pelo
andamento da política brasileira, ou começa a agir de
imediato no que diz respeito aos programas sociais ou
será tarde demais. O anúncio de uma verba dez vezes
maior do que a atual para famílias de baixíssima renda
não é casual.
Já escrevi aqui que, nos últimos oito anos, aprendi a
admirar o senso de ritmo de Fernando Henrique. Nada a
ver com o conteúdo das políticas adotadas, do qual, na
maior parte das vezes, discordo.
Apenas reconheço que, mesmo considerada a boa dose de
sorte (fortuna, nos termos de Maquiavel) que sempre
teve, FH demonstrou em pelo menos duas oportunidades
-as campanhas eleitorais para presidente de que
participou-- uma percepção fina da hora em que os
dados deviam ser lançados.
Lembro-me de que no segundo semestre de 1993 encontrei
um colega a quem muito respeito pelo profundo
conhecimento que tem de literatura. Discutimos o
cenário político e chegamos ao diagnóstico comum
segundo o qual Fernando Henrique perdera o trem da
história. O então ministro da Fazenda simplesmente não
fazia nada. O país estava irritado com a inflação, com
a inércia do governo Itamar nessa área. Em
conseqüência, as pesquisas davam 40% de intenção de
voto para Lula.
Fernando Henrique parecia desperdiçar aquela que seria
a chance de ouro para uma carreira construída aos
saltos e golpes do acaso. Elegeu-se suplente de
senador em 1978 e só obteve a vaga definitiva porque o
titular, Franco Montoro, não quis abrir mão de 13
meses de governo e candidatar-se em 1986. Sem bases
eleitorais próprias, cogitava-se que o ex-professor da
USP encerraria a participação política em 1994 ou
seria candidato a um posto menor, de deputado federal.
Foi salvo de aderir ao governo Collor na última hora,
porque Mário Covas bateu o pé. Com o impeachment de
Collor, Itamar assume e o convida, primeiro para ser
ministro das Relações Exteriores, depois para comandar
a economia, o segundo cargo mais poderoso da
República, logo abaixo do presidente, que o sociólogo
e cientista político assume em maio de 1993.
Com tudo isso na mão, FHC simplesmente deixava o tempo
passar.
Ao final da conversa, para rematar a idéia a que
havíamos chegado, o meu amigo citou Guimarães Rosa.
Não consigo me lembrar das palavras exatas ou do
trecho (sempre que o encontro esqueço de pedir a
referência), mas, se não me engano é do "Grande
Sertão: Veredas". A certa altura, o escritor menciona
uma raposa que perde a hora de saltar. Pula no momento
errado. Pensei comigo: é isso, Fernando Henrique
perdeu a hora de saltar.
Os meses passaram e o diagnóstico daquela tarde
parecia certeiro. A inflação galopava, o povo estava
contra as autoridades, Lula subia, o PT preparava-se
para governar. O reinado de FHC parecia apenas um
interregno neutro entre a vitória apertada de Collor
no histórico segundo turno de 1989 e o troco de Lula
que viria em outubro de 1994.
De repente, Fernando Henrique saltou. Mas foi um salto
leve, discreto. No final de fevereiro de 1994, faz
Itamar assinar a medida provisória que criava a URV.
Ninguém botou muita fé. O novo plano econômico não
tinha a fulguração e os repiques dos anteriores. Nada
de congelamento nem de confisco. Apenas um conjunto
estranho de medidas de conversão que não pareciam dar
em nada.
O tempo continuou a passar, Lula a liderar as
pesquisas, o plano a não entusiasmar muito. Fernando
Henrique não conseguia passar dos 20%. No dia 15 de
junho, o cientista político Francisco Weffort, então
um dos comandantes da campanha de Lula, faz uma
conferência na Fiesp. Nela, afirma: "Nesse quadro
indefinido é possível fazer algumas hipóteses, algumas
previsões suficientemente seguras. Uma delas: Luiz
Inácio Lula da Silva chega ao segundo turno".
Quando em 30 de junho, depois de quatro meses de
preparação, por fim é introduzida a nova moeda, os
preços param de subir e a candidatura de Fernando
Henrique desencalha. Faltavam três meses para a
eleição. O necessário para inverter a tendência
anterior e ainda ganhar no primeiro turno com 44% do
total de votos.
A perplexidade foi tamanha que o PT levou cerca de
dois anos para se recuperar.
Agora, mesmo que obrigado a enfrentar a pressão dos
pré-candidatos do bloco governista, FHC entra em ação
mais de um ano e meio antes do pleito. Por quê? Porque
sabe que o Congresso ainda terá que aprovar, entre
abril e maio, uma lei que regulamente o Fundo de
Combate e Erradicação da Pobreza, de onde deve sair o
R$ 1,7 bilhão a ser destinado a famílias pobres.
Até o dinheiro chegar às mãos dos que dele necessitam
-com todos os trâmites necessários de cadastramento e
agora distribuição de cartões magnéticos com impressão
digital do aluno- com sorte já estaremos no final do
ano. Efetivo, mesmo, só vai ser no ano que vem. E aí,
sim, estará na hora de definir o candidato. É nesse
momento que Fernando Henrique quer estar com o cacife
alto, para ser o grande eleitor.
O auxílio é pequeno. No máximo 45 reais por família
por mês. Outras iniciativas devem vir por aí. É só
esperar.
Livro da semana
Ainda às voltas com as conseqüências da vitória de
Ariel Sharon em Israel, andei à procura de informações
sobre o Oriente Médio. Ganhei do jornalista Mateus
Soares de Azevedo o livro "Mística islâmica", que ele
publicou pela Vozes (www.vozes.com.br) no final do ano
passado. Em poucas páginas (141), Mateus aporta, em
linguagem clara e organizada, algumas noções
fundamentais sobre a religião fundada por Maomé ou
melhor, Mohamed.
Trecho
"Segundo relatos da época, Maomé amava a solidão, a
prece, o jejum e a pobreza; esta última não deve ser
confundida com a miséria, mas sim com um mínimo -e não
com um máximo- de conforto, e também com o
contentamento com a própria condição".
Verso da semana
Para não sair do assunto anterior, aí vão os versos
que recebi, para esta coluna, do jornalista Fábio
Peixoto:
"And the German killed the Jews
and the Jews killed the Arabs
and the Arabs killed the hostages
and that is the news"
Roger Waters, em Perfect Sense (part one), do disco
Amused to Death (1992).
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06/02/2001 - É o eleitorado irracional?
02/02/2001 - Por um Parlamento republicano
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