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  14 de fevereiro de 2001
  Mistura Fina
  
  

FHC entra em ritmo de campanha. Melhor prestar atenção

Com o lançamento do programa ampliado de bolsa-escola em Águas Lindas (GO), Fernando Henrique Cardoso deu a largada para a campanha eleitoral de 2002. Ele continuará a fazer tudo para evitar que o candidato governista defina-se este ano. Sabe, contudo, que pelo andamento da política brasileira, ou começa a agir de imediato no que diz respeito aos programas sociais ou será tarde demais. O anúncio de uma verba dez vezes maior do que a atual para famílias de baixíssima renda não é casual.

Já escrevi aqui que, nos últimos oito anos, aprendi a admirar o senso de ritmo de Fernando Henrique. Nada a ver com o conteúdo das políticas adotadas, do qual, na maior parte das vezes, discordo.

Apenas reconheço que, mesmo considerada a boa dose de sorte (fortuna, nos termos de Maquiavel) que sempre teve, FH demonstrou em pelo menos duas oportunidades -as campanhas eleitorais para presidente de que participou-- uma percepção fina da hora em que os dados deviam ser lançados.

Lembro-me de que no segundo semestre de 1993 encontrei um colega a quem muito respeito pelo profundo conhecimento que tem de literatura. Discutimos o cenário político e chegamos ao diagnóstico comum segundo o qual Fernando Henrique perdera o trem da história. O então ministro da Fazenda simplesmente não fazia nada. O país estava irritado com a inflação, com a inércia do governo Itamar nessa área. Em conseqüência, as pesquisas davam 40% de intenção de voto para Lula.

Fernando Henrique parecia desperdiçar aquela que seria a chance de ouro para uma carreira construída aos saltos e golpes do acaso. Elegeu-se suplente de senador em 1978 e só obteve a vaga definitiva porque o titular, Franco Montoro, não quis abrir mão de 13 meses de governo e candidatar-se em 1986. Sem bases eleitorais próprias, cogitava-se que o ex-professor da USP encerraria a participação política em 1994 ou seria candidato a um posto menor, de deputado federal.

Foi salvo de aderir ao governo Collor na última hora, porque Mário Covas bateu o pé. Com o impeachment de Collor, Itamar assume e o convida, primeiro para ser ministro das Relações Exteriores, depois para comandar a economia, o segundo cargo mais poderoso da República, logo abaixo do presidente, que o sociólogo e cientista político assume em maio de 1993.

Com tudo isso na mão, FHC simplesmente deixava o tempo passar. Ao final da conversa, para rematar a idéia a que havíamos chegado, o meu amigo citou Guimarães Rosa. Não consigo me lembrar das palavras exatas ou do trecho (sempre que o encontro esqueço de pedir a referência), mas, se não me engano é do "Grande Sertão: Veredas". A certa altura, o escritor menciona uma raposa que perde a hora de saltar. Pula no momento errado. Pensei comigo: é isso, Fernando Henrique perdeu a hora de saltar.

Os meses passaram e o diagnóstico daquela tarde parecia certeiro. A inflação galopava, o povo estava contra as autoridades, Lula subia, o PT preparava-se para governar. O reinado de FHC parecia apenas um interregno neutro entre a vitória apertada de Collor no histórico segundo turno de 1989 e o troco de Lula que viria em outubro de 1994.

De repente, Fernando Henrique saltou. Mas foi um salto leve, discreto. No final de fevereiro de 1994, faz Itamar assinar a medida provisória que criava a URV. Ninguém botou muita fé. O novo plano econômico não tinha a fulguração e os repiques dos anteriores. Nada de congelamento nem de confisco. Apenas um conjunto estranho de medidas de conversão que não pareciam dar em nada.

O tempo continuou a passar, Lula a liderar as pesquisas, o plano a não entusiasmar muito. Fernando Henrique não conseguia passar dos 20%. No dia 15 de junho, o cientista político Francisco Weffort, então um dos comandantes da campanha de Lula, faz uma conferência na Fiesp. Nela, afirma: "Nesse quadro indefinido é possível fazer algumas hipóteses, algumas previsões suficientemente seguras. Uma delas: Luiz Inácio Lula da Silva chega ao segundo turno".

Quando em 30 de junho, depois de quatro meses de preparação, por fim é introduzida a nova moeda, os preços param de subir e a candidatura de Fernando Henrique desencalha. Faltavam três meses para a eleição. O necessário para inverter a tendência anterior e ainda ganhar no primeiro turno com 44% do total de votos.

A perplexidade foi tamanha que o PT levou cerca de dois anos para se recuperar.

Agora, mesmo que obrigado a enfrentar a pressão dos pré-candidatos do bloco governista, FHC entra em ação mais de um ano e meio antes do pleito. Por quê? Porque sabe que o Congresso ainda terá que aprovar, entre abril e maio, uma lei que regulamente o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, de onde deve sair o R$ 1,7 bilhão a ser destinado a famílias pobres.

Até o dinheiro chegar às mãos dos que dele necessitam -com todos os trâmites necessários de cadastramento e agora distribuição de cartões magnéticos com impressão digital do aluno- com sorte já estaremos no final do ano. Efetivo, mesmo, só vai ser no ano que vem. E aí, sim, estará na hora de definir o candidato. É nesse momento que Fernando Henrique quer estar com o cacife alto, para ser o grande eleitor.

O auxílio é pequeno. No máximo 45 reais por família por mês. Outras iniciativas devem vir por aí. É só esperar.

Livro da semana
Ainda às voltas com as conseqüências da vitória de Ariel Sharon em Israel, andei à procura de informações sobre o Oriente Médio. Ganhei do jornalista Mateus Soares de Azevedo o livro "Mística islâmica", que ele publicou pela Vozes (www.vozes.com.br) no final do ano passado. Em poucas páginas (141), Mateus aporta, em linguagem clara e organizada, algumas noções fundamentais sobre a religião fundada por Maomé ou melhor, Mohamed.

Trecho
"Segundo relatos da época, Maomé amava a solidão, a prece, o jejum e a pobreza; esta última não deve ser confundida com a miséria, mas sim com um mínimo -e não com um máximo- de conforto, e também com o contentamento com a própria condição".

Verso da semana
Para não sair do assunto anterior, aí vão os versos que recebi, para esta coluna, do jornalista Fábio Peixoto:

"And the German killed the Jews and the Jews killed the Arabs and the Arabs killed the hostages and that is the news"

Roger Waters, em Perfect Sense (part one), do disco Amused to Death (1992).

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