Crianças deixam celular de lado e dão chance para os livros

'Não adianta os pais falarem para os filhos que eles têm que ler mais se eles próprios não leem', acredita dona de livraria em São Paulo

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Estantes da Livraria da Tarde, em Pinheiros Zanone Fraissat/Folhapress

São Paulo

Há 45 anos, foi lançada no Brasil uma coleção de livros chamada "Para Gostar de Ler". O ano era 1977, e a editora Ática queria popularizar entre as crianças um tipo de literatura chamado "crônica". As crônicas são textos de tamanho curto a médio, que falam de coisas do dia a dia, e que têm uma linguagem fácil de entender.

A "Para Gostar de Ler" foi um enorme sucesso. De cara, vendeu 100 mil exemplares, e a Ática correu para distribuir uma nova edição, essa com mais 150 mil livros. Muitos adultos que hoje em dia têm filhos emprestam para as crianças alguns livros da coleção que puderam guardar em casa por todo esse tempo.

Além de trazer crônicas de grandes autores brasileiros e ilustrações originais muito legais, a "Para Gostar de Ler" tinha um nome excelente —nada resume tão bem a ideia de uma coleção que tenta conquistar novos leitores.

Porque é importante dizer aqui uma verdade: não é todo mundo que nasce apaixonado pelos livros. A grande maioria dos seres humanos, aliás, precisa aprender a amar todas as coisas e pessoas conforme vai se desenvolvendo, e com a leitura não seria diferente. E, se na sua casa é raro encontrar alguém lendo, é pouco provável que você ache os livros algo legal para caramba.

"Ainda que, numa mesma família, as pessoas possam ser bem diferentes umas das outras, é natural que a gente imite nossos pais e irmãos ou irmãs. E, se todo mundo for leitor ou leitora na nossa casa, muito provavelmente haverá estantes acessíveis com livros, momentos em que a televisão está desligada, conversas sobre livros durante as refeições", acha Isabel Lopes Coelho, escritora e especialista em literatura infantojuvenil.

Isabel acredita que os livros são importantes na vida de adultos e de crianças por uma série de motivos: eles ajudam a desenvolver o cérebro, deixam a gente mais inteligente, mais esperto, mais curioso, melhoram a nossa memória, nos tornam pessoas mais conscientes, mais gentis com as pessoas...

Mas, como já dissemos, é preciso aprender a gostar de ler —e, em um mundo cheio de outras coisas divertidas para se fazer, é preciso também aprender a escolher a leitura diante de opções tão tentadoras quanto o celular, o videogame e o computador.

Clarice tem 13 anos e estuda à tarde em um colégio de São Paulo. Assim que volta das aulas, faz lição, janta e toma banho. No intervalo de tempo que sobra até a hora de dormir, ela conta que gosta de pegar um livro para ler.

E, sim, ela também fica com vontade de mexer no celular, e deixar o livro para outra hora —quem nunca? Mas Clarice explica que, além da força de vontade, ela também usa uma estratégia excelente: deixa o celular meio longe, ligado na tomada.

Clarice, 13 anos, em casa com seu livro favorito, 'O Menino no Espelho' - Zanone Fraissat/Folhapress

"Normalmente nessas horas meu celular tá carregando. Ele até dorme dentro do quarto comigo, porque ele também é meu alarme, mas deixo carregando enquanto tô lendo", conta Clarice, que diz ter poucas redes sociais, só mesmo para conversar com os amigos.

"Tem gente que só não gosta de ler porque tem preguiça, e pra quem tem preguiça recomendo ler quadrinhos. É menos texto, mais imagem. Pra quem gostava de ler, mas deixou de gostar, acho que é normal parar de gostar por um tempo. Ou talvez você só esteja muito ocupado. Eu, por exemplo, tava lendo muito mais nas férias, daí voltaram as aulas e isso ocupou boa parte do meu tempo."

Ela conta que ganha muitos livros que foram do irmão, ou em datas comemorativas, como seu aniversário e no Natal. "Raramente vou na livraria comprar", completa. Clarice acabou de ler "O Mundo de Sofia", um livro de 1991 escrito por Jostein Gaarder. Foi a avó dela quem recomendou a leitura.

A mãe de Clarice também lê bastante e sugere títulos para que a filha leia também. Uma das sugestões acabou virando o livro favorito de Clarice: "O Menino no Espelho", de Fernando Sabino. "Ela me encheu o saco pra ler esse, mas valeu muito a pena", lembra.

Otto tem 7 anos e mora em Belo Horizonte. Ele conta que, sim, algumas vezes sente vontade de deixar os livros de lado e ficar no tablet —ele ainda não tem um celular. "Mas quando não posso mais ficar vendo vídeo, eu leio livros. Os vídeos têm muita criatividade, mas não fazem muito bem pra vista", diz.

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Otto, 8 anos, em sua casa, com seus livros - Arquivo Pessoal

Se Otto lê todos os dias? "Ai, essa pergunta até doeu um pouquinho, porque eu não leio todo dia, não. Leio de noite, quando vou dormir, com minha mãe", responde.

Ele gosta muito de ir a livrarias, e lamenta que, por causa da pandemia, tenha ficado longe delas. "Eu gosto porque é um lugar bem quieto, ninguém grita. Pra escolher um livro novo, geralmente eu primeiro vejo a capa e depois eu abro pra ver o que tem, e até leio um pouquinho."

Otto recomenda que todas as crianças leiam, para "ajudar no desenvolvimento". Para ele, ler é tão legal quanto ficar nos dispositivos eletrônicos.

Por falar em livraria, Monica Carvalho é dona de uma, em São Paulo. Na sua Livraria da Tarde, aberta em dezembro de 2019, em Pinheiros, há um espaço especial para crianças —onde adultos também são aceitos.

Tapete imita grama e estantes são baixinhas no espaço voltado às crianças na Livraria da Tarde - Zanone Fraissat/Folhapress

"É como um jardim. A gente colocou um gramado, e muitas crianças chegam e tiram os sapatos para se jogar ali. As estantes são mais baixinhas, para todo mundo alcançar. Pintamos o teto de azul, para dar ideia de um espaço aberto, para passar a sensação de que se está num lugar gostoso onde todos são respeitados", descreve Monica.

Ela sugere que, na casa de quem não tem o hábito da leitura, as famílias comecem a criá-lo em conjunto. "Recomendo que a gente faça aquele momento em que vai todo mundo deixar o celular no silencioso, vamos desligar a TV e ler. Coisa de 30 minutos por dia, depois que a gente jantou, antes de ver as notícias e os desenhos."

"Porque não adianta os pais falarem para os filhos que eles têm que ler mais se eles próprios não leem, certo? Esse pode ser um momento de compartilhar um pouco da leitura, e depois todo mundo conta um para o outro o que leu."

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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