Descrição de chapéu Todo mundo lê junto

Criança sem acesso à imaginação está fadada a uma vida chata, diz Sofia Nestrovski

Escritora lança 'A História Invisível', livro para crianças e adultos sobre jornada rumo ao amadurecimento

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Ilustração de Danilo Zamboni para 'A História Invisível' Divulgação

São Paulo

Quando a gente cresce, passa a ter a chance de fazer muitas coisas novas e divertidas. Mas, junto dessa autorização, a nova fase da vida vem também com obrigações e algumas chatices —e, por causa delas, muitas vezes os adultos acabam se esquecendo de manter vivas e ativas as crianças que um dia foram, com suas alegrias e também suas tristezas.

A escritora Sofia Nestrovski, que estuda literatura há muitos anos, acaba de escrever um livro para o qual conta que precisou procurar dentro dela mesma a menina que um dia foi. "A História Invisível" conta a jornada de Bisnaguinha —ou Sofia para os menos íntimos—, uma garota que sonha com uma existência diferente.

Livro traz cartaz de Danilo Zamboni encartado - Divulgação

O livro, com ilustrações de Danilo Zamboni, tem lançamento neste sábado (27), em São Paulo. Leia a seguir a entrevista com a autora.

A Sofia do livro gostaria de ser invisível. Você também pensava nisso quando era pequena?

Nesta história, ficar invisível não é desaparecer. É passar pro lado das coisas que são invisíveis: os pensamentos de um cachorro, por exemplo, ou as conversas que podem existir entre as pedras. Então não é que a personagem suma, é que ela passa a enxergar essas coisas e passa a ser vista por elas também.

No começo do livro, a personagem é uma criança. E ela sai em peregrinação pelo mundo invisível tendo como guia a curiosidade e o desejo. À medida que caminha, passa a ver cada vez melhor essas coisas que estão escondidas no mundo, e assim ela vai se tornando uma pessoa mais completa e mais complexa.

Quando você começa a ter olhos para o invisível, e permite que o invisível cresça dentro de você também, você começa a amadurecer.

Você também fingia que fugia de casa nas suas brincadeiras?

Eu fugia até o quintal e o quintal era o infinito. A sensação era de viver uma grande aventura. Ou, se estivesse chovendo ou eu estivesse de castigo e não pudesse sair de casa, fugia para dentro do meu quarto, e aquilo também era uma escapatória: sem adultos por perto, eu podia escapar para dentro de um mundo que era só meu, e passear longamente por lá.

E, quando você fugia, mesmo que fosse de mentirinha, o que te fazia querer voltar (e voltar) para casa?

Mas eu nunca voltei!

Livro fala sobre jornada no 'mundo invisível' - Divulgação

No livro, a Sofia tenta se livrar do tédio. Os adultos dizem que as crianças não sabem lidar muito bem com o tédio, e que também por isso usam telas demais, para viver entretidas. Você acha que sentir tédio é importante?

Todo dia eu luto contra o tédio. Porque o tédio faz o mundo parecer desinteressante, sem nenhuma graça. O uso de telas e o entretenimento constante aumentam o tédio, fazem a vida ficar chata. Para sair do tédio, é preciso ter imaginação, e isso muitas vezes exige atravessar alguns desertos mentais, nos quais parece que nada está acontecendo. Não tem atalho. A imaginação detesta a pressa.

Acho que uma criança que não tiver acesso à própria imaginação está fadada a viver uma vida bem chata.

Mas não quero ser moralista. As crianças —e os adultos também— podem encontrar interesse verdadeiro em muitos lugares. Lembro de ficar encantada com comerciais de TV quando eu era criança, e acho que isso também criou em mim um gosto pela beleza. E o que a gente considera bonito é capaz de afugentar o tédio.

Sofia conversa com peixe, pássaros, sapo... No fundo, no fundo, essas criaturas são mesmo animais ou você queria que elas representassem outras coisas?

O livro é escrito pela perspectiva de uma criança e, para escrevê-lo, quis me lembrar de como eram algumas das sensações específicas da infância. Não me lembro de ser criança e olhar para um animal e aceitar que ele fosse só um animal. Qualquer peixinho-dourado nadando num aquário era um enigma.

Sofia Nestrovski lança livro 'A História Invisível' - Divulgação

Então sim e não: os animais dos livros são animais, de fato, e são algo mais que isso. O que eles representam é imenso. Podem assumir tantos papéis quanto eu ou você.

O que você acha quando dizem que seu novo livro lembra a história da Alice?

Algo que eu gosto muito no "Alice no País das Maravilhas" é que a personagem principal é extremamente bem-comportada. O mundo todo em volta dela fica de ponta-cabeça, mas ela se preocupa com questões de etiqueta e gramática. Acho que [o autor] Lewis Carrol entendeu algo de muito importante sobre as crianças aí: as crianças se irritam com um mundo sem sentido.

Alice gostaria de poder corrigir o mundo dela, mas ela tem ferramentas muito pouco úteis nas mãos. Muitas crianças se sentem assim.

Busquei inspiração em autores que captam essa sensação de ser criança e olhar em volta para um mundo que não parece estar correto ou fazer sentido: "Por Que a Criança Cozinha na Polenta?", da romena Aglaja Veteranyi, "Como me Tornei Freira", de César Aira, e "No Degrau de Ouro", de Tatiana Tolstaya. E assisti a um bom tanto de "Bob Esponja".

Você acha que seu livro pode ser lido por crianças?

Com certeza. Quis recuperar a sensação de ler livros na infância, quando parecia que a gente podia entrar dentro deles e desaparecer em meio às palavras —de novo, mais uma maneira de se tornar invisível. Mas não escrevi apenas pensando nas crianças, porque não quis voltar completamente a esse estado, e sim olhar para ele de longe, e só um pouco nostálgica.

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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