Saiba como surgiram os blocos de Carnaval em São Paulo, que passam de 600

Pesquisador conta história dos grupos e dá dicas a quem vai desfilar pela primeira vez

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São Paulo

Não é de hoje que São Paulo tem um monte de gente fantasiada e maquiada circulando feliz pelas ruas no mês de fevereiro. A cidade tem registros de blocos de Carnaval desde a primeira metade do século 20, por volta de 1915. Um dos que surgiram nessa época se chamava Camisas Verdes —hoje, ele é conhecido como Camisa Verde e Branco, e virou uma das mais famosas escolas de samba paulistas.

Quem conta essa história é o professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisador de Carnaval Guilherme Varella, também integrante de dois blocos em São Paulo: o Saia de Chita e o Sainha de Chita, feito para as crianças que gostam de Carnaval.

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Bloco Sainha de Chita no Carnaval 2023 - Aline Braga/Divulgação

Ele sabe tudo de folia. Sabe, por exemplo, que a festa que a gente conhece hoje é originada de uma folia muito antiga, de origem portuguesa e espanhola. Era século 18 ainda quando as pessoas saíam às ruas e se divertiam jogando frutas, farinha e líquidos umas nas outras (às vezes acontecia de alguém jogar xixi, eca).

Ao longo do tempo, essa tradição (sem o xixi, ainda bem) foi ganhando elementos, especialmente a música e as fantasias. Daí, lá naqueles 1900 e alguns anos, aparecem os blocos no Rio de Janeiro e depois em São Paulo.

"Os blocos saíam em muitos lugares das cidades. Eram feitos por famílias que estavam ali brincando, não tinha muita regra. Acontece que tudo que sai na rua espontaneamente começa a dar trabalho na cidade. E, então, o poder público começou a tentar criar regramentos para os blocos", conta Guilherme.

"Ficou definido que eles tinham ruas específicas para sair e um tempo para não fazer algazarra até tarde. E nisso começa a surgir o desfile das escolas de samba. Muitos blocos tiveram que ceder e virar escolas, e outros se mantiveram como blocos."

São Paulo hoje tem mais de 600 blocos de Carnaval cadastrados. Até chegar a isso foi um longo caminho. Depois que nascem as escolas de samba, por exemplo, e os sambódromos (no Rio foi na década de 1980, e em São Paulo foi na década de 1990), os blocos ficam, como diz Guilherme, "marginalizados".

"Parecia que eram poucos, mas é que muitos estavam saindo meio escondidinho, fugindo da polícia e da prefeitura, que reprimiam sua existência", lembra o pesquisador.

Daí, em São Paulo, Guilherme conta que tudo mudou de verdade por volta de 2013, quando surge um documento chamado "Manifesto Carnavalista". Nesse papel, ele diz, havia uma reivindicação interessante: o "direito à folia".

"Ou seja, os blocos falaram que o queriam fazer na rua era o exercício de um direito, o direito à liberdade de expressão através do Carnaval", explica. E, nesse mesmo ano, a prefeitura de São Paulo começou a elaborar uma política pública para organizar a festa na cidade.

Nessa organização entram vários itens como o trajeto que cada bloco percorre, a disponibilização de banheiros químicos para os foliões, fechamento de ruas para carros não passarem enquanto o bloco desfila, ambulâncias para quem se sente mal e limpeza das ruas antes e depois do bloco.

Quando o tal "Manifesto Carnavalista" foi entregue ao então prefeito Fernando Haddad, em em 2013, havia cerca de 50 blocos em São Paulo. Quando começa o apoio da prefeitura, esse número sobe para cerca de 200. Em 2020, eram mais de 800.

"O Carnaval de São Paulo passou a ser um dos maiores do Brasil. A alcunha [apelido] histórica de 'túmulo do samba', dita pelo [poeta e músico] Vinicius de Moraes, começou a ser derrubada na prática pelo crescimento dos blocos", ensina Guilherme.

Ele gosta de destacar que em cada cidade os blocos estão ligados aos gêneros tradicionais daquele lugar. Em Recife, por exemplo, os blocos nascem com a expressão cultural do maracatu; em Olinda, do frevo; no Rio de Janeiro, do samba.

Em São Paulo, por sua vez, o Carnaval é muito diverso, diz Guilherme. "Tem ao mesmo tempo blocos que tocam marchinha e os que tocam música queer [com temática do universo LGBTQIA+]. Tem os de samba tradicional e outros de heavy metal. Uns de coisas mais antigas, e blocos de música eletrônica", exemplifica.

E, no meio disso tudo, sempre estiveram as crianças, brincando. Antes, em menor número, afinal não era tudo tão organizado quanto agora e as famílias se preocupavam com a segurança delas —hoje, no entanto, há muitos blocos só para gente pequena se divertir junto dos responsáveis.

"É um momento em que os adultos se permitem deixar de ser muito sérios, aproveitam para usar roupas que não usam habitualmente. É uma festa que as crianças sabem aproveitar até mais que os adultos", acredita Guilherme.

Para quem nunca foi a um bloco e ficou curioso, ele relata qual é o clima. "A primeira coisa a fazer é acordar animado, tomar um bom café da manhã e colocar uma fantasia. Escolha uma roupa que combine coisas diferentes", diz.

"Quando você chegar no bloco, vai ver pessoas fantasiadas de toda forma possível, muito felizes, ocupando a rua de uma forma que a gente não ocupa no dia a dia, tocando música. Você então pode brincar e pular, tocar um instrumento, cantar junto, correr", sugere.

"Basicamente, você pode fazer tudo que quiser, desde que seja alegre e respeitoso com todo mundo. Isso é Carnaval."

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