São Paulo, Sexta-feira, 16 de Julho de 1999



TURISMO ESPACIAL, A NOVA FRONTEIRA


Volta do homem à Lua é defendida por empresários e pesquisadores; problema comum é a falta de verbas

MARCELO FERRONI
da Reportagem Local

O ser humano só deverá voltar à Lua com a ajuda de empresas privadas e, em vez de carregar instrumentos científicos, deverá levar uma máquina fotográfica automática para depois mostrar sua viagem a amigos.
Apesar de o satélite da Terra ainda ter muito a ser explorado, é mais fácil a existência de uma base lunar com fins turísticos do que científicos, devido ao alto custo do projeto _da ordem de centenas de bilhões de dólares.
“Uma base na Lua seria inacreditavelmente cara”, disse à Folha David Williams, do Centro Espacial Goddard, da Nasa. “Não acho que será feita, a não ser que tenha utilidade comercial, de forma que empresas estejam dispostas a investir num projeto como esse.”
Se depender da Nasa o ser humano não volta à Lua tão cedo. A agência espacial norte-americana tem o seu orçamento muito reduzido em relação às verbas usadas no programa Apollo e, além disso, tem outras prioridades, como o estudo de Marte.
A reconquista da Lua, no entanto, é estimulada por dezenas de empresas e associações formadas nos EUA para promover os vôos espaciais comerciais. Mas, se a Nasa não tem verbas para voltar à Lua, esses grupos não têm capital nem para colocar uma nave em órbita por conta própria.
Há projetos de foguetes reutilizáveis, naves tripuladas e bases na Lua. Em 1º de março deste ano, por exemplo, a empresa Rotary Rocket, da Califórnia, apresentou o protótipo de seu foguete particular reutilizável, o Roton.
O aparelho, desenvolvido para lançar satélites de comunicação, deverá ser operado por dois tripulantes. De formato cônico, a nave tem 19 m de altura e 6,7 m de diâmetro na base.
O que chama a atenção no foguete é a enorme hélice que se desprende durante a reentrada na atmosfera, para amortecer a descida à Terra, como um helicóptero. O primeiro teste com o Roton deverá ocorrer em 2000.
Outras empresas são mais ousadas. A Zegrahm Space Voyages está aceitando reservas para vôos programados para o segundo semestre de 2002. A passagem custa US$ 98 mil e o vôo deverá levar os passageiros a 100 km de altitude. Só o que falta é a nave.
Na área de conquista da Lua, há o projeto Artemis, que pretende instalar uma base permanente no satélite da Terra.
Em seu site na Internet (www.asi.org), membros do projeto afirmam que os primeiros vôos serão destinados a “exploradores audazes, no tipo de viagem destinada a pessoas que gostam de safáris, escalar montanhas e explorar cavernas. No fim, a indústria do turismo lunar deverá crescer e criar viagens de luxo”.
Um dos entusiastas da criação de uma base lunar comercial é Alan Binder, do Instituto de Pesquisa Lunar, da Nasa. Binder foi o pesquisador-chefe da missão da sonda Lunar Prospector que, no ano passado, mapeou o satélite.
“Espero iniciar a construção de uma base lunar em 10 ou 12 anos”, disse. “Uma base abrirá caminho para a exploração extensiva da Lua e permitirá a construção de telescópios longe da interferência da órbita da Terra, além de iniciar a primeira colônia extraterrestre.”
De 15 a 16 deste mês, Binder realizou, no Texas, um encontro sobre a criação de uma base lunar comercial. Entre os palestrantes estavam três ex-astronautas das missões Apollo: Buzz Aldrin, John Young e o único cientista na Lua, Harrison Schmitt.

A CORRIDA AO ESPAÇO
Os projetos espaciais costumam atrair pessoas famosas, que apóiam ou mesmo financiam as idéias. Aldrin, segundo homem a pisar na Lua, tem a sua própria fundação de viagens espaciais, a ShareSpace.
O escritor Arthur C. Clarke, autor de “2001 - Uma Odisséia no Espaço”, já declarou estar interessado em uma iniciativa da rede Hilton de patrocinar um projeto de construção de um hotel orbital, chamado Space Islands.
A Rotary Rocket tem como membro o escritor de best sellers norte-americano Tom Clancy, autor de livros como “A Caçada ao Outubro Vermelho”.
A busca das empresas pelo espaço tem um estímulo de US$ 10 milhões. É o chamado Prêmio X, patrocinado por uma fundação norte-americana que leva o mesmo nome. O prêmio será dado à primeira equipe particular que colocar em órbita uma nave capaz de transportar três pessoas em dois vôos consecutivos em no máximo duas semanas, a 100 km de altitude. Até agora, 15 candidatos já se registraram.
O crescimento da indústria do turismo espacial já foi tema de uma pesquisa da Nasa. Divulgado em março de 1998, o estudo indica que “aventuras espaciais privadas e de alto custo deverão ser possíveis em pouco tempo”.
O estudo diz também que, em algumas décadas, o turismo espacial pode movimentar de US$ 10 bilhões a US$ 20 bilhões anualmente. Entre cerca de 1.500 famílias entrevistadas, mais de um terço disse estar interessada em tirar férias em um ônibus espacial, e 7,5% delas afirmaram que estariam dispostas a pagar até US$ 100 mil por pessoa para a viagem.
Segundo o documento, um vôo de ônibus espacial custa cerca de US$ 400 milhões. Para que o turismo espacial seja economicamente viável, os vôos deveriam custar no máximo um centésimo disso.

CIÊNCIA NA LUA
A Lua, no entanto, não tem sua importância somente no turismo. Pesquisadores entrevistados pela Folha afirmaram que a presença do homem na Lua é fundamental para a obtenção de novos dados sobre a evolução do satélite. Todos concordaram que a instalação de uma base seria bem recebida.
“Não há substituto para o trabalho geológico de campo”, disse Richard Elphic, do Laboratório Nacional de Los Alamos.
“A única forma inteligente de fazer isso é com astronautas, ou pelo menos com um explorador robótico equipado com sensores que permitam ao operador identificar rochas e tipos de solos e manipular esses objetos.”
Para Binder, “se quisermos entender a Lua e os outros planetas, o homem precisa ir até lá para fazer o trabalho.” Williams, da Nasa, concorda. “As sondas não chegam nem perto do trabalho de humanos, mas também seu custo não chega nem perto do de missões tripuladas.”
A discussão sobre uma base lunar para fins científicos já foi abordada em conferências internacionais, realizadas em 1994, na Suíça, e em 1996, no Japão.
Mas os encontros não definiram nenhum cronograma específico para a reconquista da Lua. Na Suíça, por exemplo, foi firmada a declaração Beatenberg, que estabelecia quatro fases para a construção de uma base lunar, mas nenhum prazo foi estabelecido.
Outra discussão em pauta é o Tratado Lunar, proposto pela ONU em 1979 e em vigor desde julho de 1984. O documento estipula as formas de exploração da Lua, indica que ela não poderá ser apropriada indevidamente e que as instalações no satélite não poderão impedir o caminho da exploração de outros países.
O tratado, no entanto, não tem apoio de nações com programas espaciais bem desenvolvidos, como EUA, Rússia e Japão.
As últimas duas sondas enviadas pela Nasa à Lua _a Clementine, em 94, e a Lunar Prospector, em 98_ indicaram que seus pólos podem conter água congelada.
A presença de gelo poderia reduzir o custo de uma estação. A Nasa deverá realizar mais testes para comprovar essa hipótese.
No dia 31 deste mês, a sonda Lunar Prospector deverá se chocar propositalmente contra o pólo sul da Lua, nessa que será a sua última experiência científica.
Os pesquisadores observarão a colisão por meio de telescópios em Terra e em órbita. Se a experiência for bem-sucedida, o impacto deverá expelir vapor de água em uma quantidade suficiente para que seja detectado.
Senão, como diz Binder, “um veículo-robô deverá ser enviado à Lua para verificar se o que encontramos é água ou não”.

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