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DEPOIMENTO
Enfim uma grande verdade
JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local
A mesa era redonda e imensa. Cerca de 20 redatores recebiam de seus editores,
instalados em mesas na retaguarda, as tiras de papel saídas dos teletipos
das agências internacionais.
Não havia tempo para consolidar com a máquina de escrever,
num texto mais caprichado, as muitas informações que chegavam
ao mesmo tempo.
Era possível apenas canetar (corrigir com a caneta),
escrever um título rápido e descer para a gráfica a
nova reportagem, que estaria entre as muitas programadas para o caderno
especial que estava sendo preparado.
A redação da Folha, um jornal naqueles tempos menor
e menos importante do que é hoje, fervilhava em um grande mutirão
interno para noticiar a chegada do homem à Lua.
Pairava no ar, por entre a densa fumaça de cigarro (ainda não
era politicamente incorreto trabalhar fumando), a impressão de que
a notícia da alunissagem da Apollo 11 fora produzida bem mais para
consumo da mídia do que para contabilizar um novo e histórico
passo tecnológico.
Caberia à mídia constatar, por fim, um avanço definitivo
dos norte-americanos numa corrida espacial que não passava, então,
de uma vertente notória da Guerra Fria entre os Estados Unidos e
a União Soviética. Os soviéticos do Sputnik e de Gagarin
haviam ficado para trás.
É bem verdade que os jornalistas só não tinham dúvidas
de que o homem havia chegado à Lua porque as imagens transmitidas
ao vivo pela televisão o comprovavam em branco e preto (a televisão
em cores só chegaria cinco anos depois).
Não se tratava de um novo truque, como aquele pelo qual os Estados
Unidos diariamente inflavam o número de guerrilheiros abatidos na
Guerra do Vietnã, ao mesmo tempo que deflacionavam as baixas sofridas
por suas próprias tropas.
Num período de tantas mentiras, era bom finalmente lidar com uma
verdade espetacular.
A chegada do homem à Lua também satisfez a sede de sonhos
que os brasileiros sentiam naqueles tempos bicudos. O regime militar (1964-1985)
atravessava seu período mais impiedoso. A guerrilha de esquerda ainda
alimentava, na época, o projeto de chegar ao poder pela violência.
Nessa espécie de guerra civil não declarada entre o governo
militar e a guerrilha, o homem na Lua tornou-se uma pausa para festejar
a existência de ao menos um pequeno consenso. Partidários e
adversários da ditadura brasileira poderiam enfim concordar com alguma
coisa. O homem acabava de efetuar algo importante.
ÀS PRESSAS
Eu estava na época com 19 anos. Era estudante da USP (Universidade
de São Paulo) e já trabalhava em um jornal _o Diário
de S.Paulo. Estava há algum tempo na fila dos que queriam ingressar
na Folha. Deveria fazer um teste. Mas não deu tempo.
Precisavam de gente para fechar o caderno especial sobre a Lua. Fui chamado
por Cláudio Abramo, na época o diretor de Redação
do jornal. Era o mais velho e o mais excitado entre todos nós. Gostava
de um bom desafio profissional. E sabia vencê-los.
Quanto a mim, principiante ainda cru, fui entregue a um dos chefes, André
Calais, que se limitava a colocar um olho mais atento no meu material. Como
não havia nenhuma bobagem das grossas, meus textos desciam para a
linotipia e entravam no processo de impressão.
A Folha fez bonito. Não tinha a criatividade gráfica
em que o Jornal da Tarde se mostrava imbatível naqueles
tempos. Outro concorrente, a Veja, uma revista de lançamento
recente, conseguia qualidade de texto e ângulos de abordagem invejáveis.
Mas o nosso caderno foi um bom produto para o leitor. Estava lindo, bem
editado. Foi produzido pelo secretário do jornal, Alexandre Gambirazio.
Conseguimos por fim fechar a edição. Mas algo de meio mágico
ocorreu naquela noite. Pouca gente saiu do jornal. Com mais calma, queríamos
trocar idéias sobre a notícia em que cada um de nós
ajudou a produzir.
E ainda: a jornada só estaria efetivamente concluída quando
recebêssemos da oficina os primeiros exemplares impressos do jornal.
O cidadão comum se convenceu da alunissagem da Apollo 11 quando a
televisão mostrou as imagens. Mas nós, da Folha, éramos
na época bem mais desconfiados. Só acreditamos, mesmo, quando
o caderno especial sobre a Lua nos chegou às mãos.
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