São Paulo, Sexta-feira, 16 de Julho de 1999



DEPOIMENTO

Enfim uma grande verdade


JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local

A mesa era redonda e imensa. Cerca de 20 redatores recebiam de seus editores, instalados em mesas na retaguarda, as tiras de papel saídas dos teletipos das agências internacionais.
Não havia tempo para consolidar com a máquina de escrever, num texto mais caprichado, as muitas informações que chegavam ao mesmo tempo.
Era possível apenas “canetar” (corrigir com a caneta), escrever um título rápido e descer para a gráfica a nova reportagem, que estaria entre as muitas programadas para o caderno especial que estava sendo preparado.
A redação da Folha, um jornal naqueles tempos menor e menos importante do que é hoje, fervilhava em um grande mutirão interno para noticiar a chegada do homem à Lua.
Pairava no ar, por entre a densa fumaça de cigarro (ainda não era politicamente incorreto trabalhar fumando), a impressão de que a notícia da alunissagem da Apollo 11 fora produzida bem mais para consumo da mídia do que para contabilizar um novo e histórico passo tecnológico.
Caberia à mídia constatar, por fim, um avanço definitivo dos norte-americanos numa corrida espacial que não passava, então, de uma vertente notória da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética. Os soviéticos do Sputnik e de Gagarin haviam ficado para trás.
É bem verdade que os jornalistas só não tinham dúvidas de que o homem havia chegado à Lua porque as imagens transmitidas ao vivo pela televisão o comprovavam em branco e preto (a televisão em cores só chegaria cinco anos depois).
Não se tratava de um novo truque, como aquele pelo qual os Estados Unidos diariamente inflavam o número de guerrilheiros abatidos na Guerra do Vietnã, ao mesmo tempo que deflacionavam as baixas sofridas por suas próprias tropas.
Num período de tantas mentiras, era bom finalmente lidar com uma verdade espetacular.
A chegada do homem à Lua também satisfez a sede de sonhos que os brasileiros sentiam naqueles tempos bicudos. O regime militar (1964-1985) atravessava seu período mais impiedoso. A guerrilha de esquerda ainda alimentava, na época, o projeto de chegar ao poder pela violência.
Nessa espécie de guerra civil não declarada entre o governo militar e a guerrilha, o homem na Lua tornou-se uma pausa para festejar a existência de ao menos um pequeno consenso. Partidários e adversários da ditadura brasileira poderiam enfim concordar com alguma coisa. O homem acabava de efetuar algo importante.

ÀS PRESSAS

Eu estava na época com 19 anos. Era estudante da USP (Universidade de São Paulo) e já trabalhava em um jornal _o “Diário de S.Paulo”. Estava há algum tempo na fila dos que queriam ingressar na Folha. Deveria fazer um teste. Mas não deu tempo.
Precisavam de gente para fechar o caderno especial sobre a Lua. Fui chamado por Cláudio Abramo, na época o diretor de Redação do jornal. Era o mais velho e o mais excitado entre todos nós. Gostava de um bom desafio profissional. E sabia vencê-los.
Quanto a mim, principiante ainda cru, fui entregue a um dos chefes, André Calais, que se limitava a colocar um olho mais atento no meu material. Como não havia nenhuma bobagem das grossas, meus textos desciam para a linotipia e entravam no processo de impressão.
A Folha fez bonito. Não tinha a criatividade gráfica em que o “Jornal da Tarde” se mostrava imbatível naqueles tempos. Outro concorrente, a “Veja”, uma revista de lançamento recente, conseguia qualidade de texto e ângulos de abordagem invejáveis.
Mas o nosso caderno foi um bom produto para o leitor. Estava lindo, bem editado. Foi produzido pelo secretário do jornal, Alexandre Gambirazio.
Conseguimos por fim fechar a edição. Mas algo de meio mágico ocorreu naquela noite. Pouca gente saiu do jornal. Com mais calma, queríamos trocar idéias sobre a notícia em que cada um de nós ajudou a produzir.
E ainda: a jornada só estaria efetivamente concluída quando recebêssemos da oficina os primeiros exemplares impressos do jornal. O cidadão comum se convenceu da alunissagem da Apollo 11 quando a televisão mostrou as imagens. Mas nós, da Folha, éramos na época bem mais desconfiados. Só acreditamos, mesmo, quando o caderno especial sobre a Lua nos chegou às mãos.

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