São Paulo, Sexta-feira, 16 de Julho de 1999



Os produtos que vieram da Lua
Nasa
No carro aberto, Aldrin, Collins e Armstrong desfilam em Nova York, em 13 de agosto de 1969, na maior parada da história da cidade


Apollo rendeu US$ 28 bilhões em inovações, como
teflon, filtros de água, germicidas e supercolas

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

A dúvida mais frequente do cidadão comum sobre a conveniência de se terem gastado US$ 128 bilhões para colocar 12 homens na Lua é: qual a utilidade disso? Os críticos do projeto Apollo chegam a dizer que ele nem mesmo resolveu de maneira conclusiva a questão científica mais óbvia que a presença humana no satélite natural da Terra poderia desvendar: qual a origem da Lua?
Essas mesmas pessoas, no entanto, com certeza, se beneficiam, no seu cotidiano, de inúmeras aplicações tecnológicas que tiveram início no projeto Apollo.
Nasa
David Scott, da missão Apollo 15, faz experimentos científicos na superfície lunar

A frigideira e todos os produtos feitos à base de teflon, tintas anticorrosivas aplicadas à maioria das estruturas metálicas atuais, lentes de óculos mais resistentes, germicidas, filtros de água e ar usados por médicos e dentistas, supercolas à base de silicone são alguns dos subprodutos da ida à Lua.
Pode-se argumentar que, mesmo sem a corrida espacial, a ciência teria inventado esses artigos e eles teriam chegado ao consumo público.
Pode ser. Mas a necessidade que a Nasa tinha deles foi que os viabilizou tão depressa.
É impossível quantificar em unidade monetária o que representam esses produtos. Mas um estudo do Chapman Research Group tentou fazer uma estimativa aproximada, dez anos atrás.
Segundo ele, mesmo não levando em conta casos que seriam difíceis de explicar para o público leigo e produtos que, apesar de originados pela Apollo, foram muito modificados em seguida, pelo menos US$ 28 bilhões (em valores de 1999) e 352 mil empregos foram gerados por artefatos criados por causa da ida à Lua.
Isso não conta o que não pode ser mensurado, como métodos de administração e vidas salvas.
Nasa
Harrison Schimitt, da Apollo 17, único cientista que foi à Lua, junto ao jipe lunar



Uma das áreas que o programa desenvolveu mais foi a de resistência ao fogo, por causa da tragédia que marcou o seu início (a primeira tripulação de uma Apollo morreu carbonizada, num teste da nave em Terra). Por isso, bombeiros, pilotos de corrida, operários que trabalham em ambientes inflamáveis usam hoje, em todo o mundo, roupas de fibra de náilon criadas para os astronautas.
As mochilas feitas para lhes dar condições de sustentar a vida quando estivessem fora das astronaves foram responsáveis por inúmeras tecnologias antibacterianas que se disseminaram.
A medicina foi outro campo que progrediu muito e rápido por causa do projeto espacial lunar.
Quase toda a tecnologia de telemedicina foi desenvolvida a partir da necessidade de manter estrito controle sobre as condições do corpo dos astronautas distantes milhares de quilômetros.
Além disso, técnicas de digitalização de imagem, agora utilizadas em tomografias e outros exames que “escaneiam” o corpo humano, começaram com a Apollo.
A necessidade de diminuir peso a todo custo numa espaçonave, mantendo condições de segurança e resistência, levou à criação de diversos tipos de espuma, hoje utilizados em muitos produtos.
O tamanho dos aparelhos era outra prioridade fundamental para equipar astronaves. Por isso, incentivou-se muito a microminiaturização de circuitos eletrônicos a serem utilizados na nave.
Diversos aparelhos portáteis, de câmeras de televisão a monitores de desempenho cardíaco, se tornaram possíveis, ainda por causa da urgência de aproveitar ao máximo o espaço das astronaves.
A indústria aeronáutica, é claro, está entre as principais beneficiárias da corrida espacial. Inúmeras técnicas de segurança e navegabilidade de vôo foram criadas ou aperfeiçoadas para a Apollo e depois empregadas na aviação.
Fontes de energia, como oxigênio líquido e hidrogênio líquido, já eram conhecidas na década de 50, mas não dispunham de mercado. A Nasa, por causa do programa Apollo, se tornou um usuário intensivo desses produtos, o que permitiu às indústrias se ampliarem, reduzir custos e oferecê-los a outros clientes.
Atualmente, esses produtos, chamados criogênicos, dispõem de um mercado de bilhões de dólares, e a Nasa não está mais entre seus grandes compradores.
A energia solar experimentou grande impulso devido à necessidade que havia de se valer dela para alimentar instrumentos das astronaves do projeto Apollo.
Técnicas de análise de fadiga de material, em particular de metais, também foram desenvolvidas para garantir a segurança de vôo das naves Apollo e agora têm uso generalizado na indústria mundial.
Braços e mãos robóticas, martelos mecânicos, sistemas de conservação de energia, conversores de voltagem, que hoje têm aplicação em indústrias, escritórios e casas, cresceram com a Apollo.
Sistemas de alarme (alguns dos quais soaram em falso no momento mais crítico, o da alunissagem da Apollo 11) tiveram grande progresso devido à corrida à Lua.
Para ajudar a achar astronaves no mar, foi criado um silvo submarino, que afinal não foi aproveitado pela Nasa, mas que hoje é usado para seguir cardumes e localizar correntes marítimas.
Contabilizar o faturamento que todos os artigos gerados a partir do projeto Apollo, ou a economia que eles proporcionaram na produção de outros ao longo desses 30 anos, é impossível. É até inviável localizar todos eles. O grupo Chapman só identificou 441.
Além disso, para ter uma noção absoluta dos benefícios materiais que a ida à Lua proporcionou seria preciso acrescentar os lucros de empresas que surgiram por causa desses produtos ou se beneficiaram muito com eles.
Desde as mais óbvias, como Boeing, General Electric, Chrysler, Bendix, que foram alguns dos principais fornecedores da Nasa nos anos 60, até microempresas criadas por ex-funcionários do programa espacial.

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