São Paulo, Sexta-feira, 16 de Julho de 1999



TV exibiu ‘desolação magnífica’

Televisão mostrou o evento ao vivo
a 500 milhões de pessoas


NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

A chegada do homem à Lua pode ser um pseudo-acontecimento, como parece ter virado consenso, mas para a sociedade do espetáculo ela foi muito real.
A transmissão ao vivo atingiu um vago meio bilhão de pessoas, no número recorde que se divulgou então, deixando de fora alguns países socialistas mais refratários aos EUA _como a China, que se negou até a noticiar. Num mundo
Equipe da Nasa comemora o pouso na Lua; revistas e anúncios sobre o tema
em que a realidade começava a ser absorvida pelo espetáculo, foi uma das primeiras transmissões globalizadas de TV.
Para a indústria do espetáculo, o que houve de mais concreto na viagem foi a câmera. O jornal americano “Christian Science Monitor’’ escreveu na época que, para a humanidade, “tão espantoso (quanto o homem na Lua) foi ver o que acontecia a 400 mil quilômetros, enquanto acontecia’’.
Até 20 de julho de 69, a cobertura de TV era um produto basicamente de estúdio, com poucas imagens externas. Imagens que ainda eram filmadas e custavam a ser reveladas. As raras transmissões ao vivo exigiam planejamento muito adiantado e o deslocamento de câmeras de 180 quilos.
Com a nova câmera, ou melhor, com a miniaturização eletrônica que iniciou, abriu-se caminho para o atual império da transmissão ao vivo. Transmissão que se dá de qualquer lugar, a qualquer momento _e cujo marco foi a Guerra do Golfo, na CNN. Para chegar a tanto, foi preciso também que, com o tempo, crescesse o recurso aos satélites, outro componente da indústria do entretenimento tirado da corrida espacial.
Mas o que teve impacto mais imediato foi a câmera SEC Vidicon, que transmitiu os primeiros passos de Neil Armstrong, os saltos de canguru de “Buzz” Aldrin e, é claro, a fixação da bandeira e a conversa com o presidente.
Ela pesava três quilos, o que, comparado aos 180 das câmeras da época, evidencia o salto. Foi criada pela Westinghouse, que desenvolvia sensores visuais para as forças americanas. Das primeiras pesquisas à transmissão da Lua, foram sete anos. O criador da câmera, Stan Lebar, da divisão aeroespacial da empresa, ganharia meses depois o prêmio Emmy.
A Westinghouse aos poucos saiu da indústria de armamentos e se concentrou no entretenimento, a ponto de comprar quatro anos atrás a CBS, a rede de TV que marcou a cobertura da chegada do homem à Lua.
Quem deu voz àquela cobertura foi Walter Cronkite, lendário locutor da CBS. Em seu livro de memórias, ele relata que perdeu a voz como uma criança quando o módulo
atingiu a Lua.
Ele prevê: “De todos os feitos da humanidade no século 20, aquele acontecimento que vai dominar os livros de história pelo próximo meio milênio será a nossa saída da Terra
e chegada à Lua’’.
Não é distante do que disse Richard Nixon, na época: “Esta foi a semana mais grandiosa na história do mundo desde a criação’’. Nem da frase feita do século, de Neil Armstrong ao pisar na Lua.
Os superlativos se tornaram patéticos não só pelo abandono do programa logo depois, mas porque desde o chamamento feito por John Kennedy, em 1961, estava claro tratar-se de missão de propaganda. A descrição de Buzz Aldrin para o que viu é exata: “Desolação magnífica’’. Não foi nada, mas foi um espetáculo.

Veja as imagens da chegada à Lua


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