São Paulo, Sexta-feira, 16 de Julho de 1999



Programa russo deve virar sucata


País que já liderou corrida espacial hoje não dispõe de verbas para manter a Mir em operação

JOSÉ ARBEX
especial para a Folha

Você pagaria US$ 1 milhão pelo protótipo do foguete que levou Yuri Gagarin ao espaço, lançado em 23 de março de 1961? Ou US$ 15 mil pelos registros do famoso vôo de Gagarin, assinados por ele? Ou US$ 60 mil pelo uniforme usado durante o primeiro passeio do homem pelo espaço, fora da nave?
Parece, mas não é ficção. Esses e muitos outros apetrechos foram leiloados pela Sotheby’s, em Nova York, em 16 de março de 1996. O objetivo era angariar fundos para financiar projetos de pesquisa ameaçados pela falta de verbas.
Nada poderia simbolizar melhor o melancólico fim de um dos mais brilhantes capítulos da história da ciência. Provavelmente, o ponto final desse capítulo ocorrerá no início do ano 2000, quando a estação espacial Mir, de 130 toneladas, será carbonizada ao reentrar na atmosfera terrestre, após ficar 13 anos em órbita: Moscou afirma não dispor dos US$ 250 milhões anuais para mantê-la.

Instituto Smith sonian/Reprodução
Integrantes do projeto Vostok (Popovich, Gagarin, Valentina, Bykovsky, Nikolayev e Titov) são apresentados ao público, em foto de 1960

A falência do programa espacial russo não resulta de falta de capacidade tecnológica (os cientistas russos estão entre os mais avançados do mundo), da crise econômica que avassala a Rússia pós-soviética. Uma tentativa de salvar o programa foi transformá-lo em uma agência semelhante à Nasa. Ao mesmo tempo, o governo privatizou seu complexo espacial em 29 de abril de 1994, com a criação da Corporação

Energia de Foguetes Espaciais, que se tornou a principal fornecedora da nova agência espacial russa.
Em junho de 1994, a Energia fechou contrato de US$ 2 bilhões para construir plataformas marítimas de lançamento de foguetes, em joint venture com os grupos Yujnoye (Ucrânia), Boeing (EUA) e Kvaerner (Noruega). Em fevereiro de 96, montou outra joint com o grupo russo Gasprom, para operar satélites. Em abril de 97, o grupo emprestou US$ 100 milhões do Banco Mundial.
Mas tudo isso é muito pouco. A Rússia nem sequer está conseguindo manter os compromissos que assumiu em 1998 para a construção de uma Estação Espacial Internacional (ISS), com a acoplagem dos módulos Zaria (Alvorada) e Unity (Unidade). Também participam do projeto 11 países da Europa, o Japão, o Canadá e, eventualmente, o Brasil. O custo da ISS é de US$ 60 bilhões. A Rússia, que deveria ser o segundo maior investidor, destinou a ele apenas US$ 50 milhões em 1999.
A falência do programa russo adquire proporções ainda mais espantosas quando se recorda que ele já foi o mais desenvolvido do planeta.

Em 4 de outubro de 1957, quando os russos lançaram seu primeiro satélite, o Sputnik (Satélite), eles causaram pânico nos Estados Unidos.
Nos 92 dias em que ficou em órbita, o pequeno artefato soviético _uma esfera de alumínio de 80 cm de diâmetro_ adquiriu uma proporção mítica. Nos 92 dias que ficou em órbita, os “bips” emitidos pelo aparelho soavam como uma ameaça fatal ao Ocidente.
Curiosamente, os dirigentes soviéticos inicialmente não deram muita importância ao Sputnik. Nikita Khrushev conta que, ao ser informado do êxito do lançamento, limitou-se a enviar seus cumprimentos a Sergei Korolev, “engenheiro-chefe” do programa espacial, e foi dormir. O “Pravda”, órgão oficial do PC, somente dedicou alguns parágrafos ao feito na parte inferior da primeira página. Só no dia seguinte, ao verificar o “barulho” causado no Ocidente, a cúpula soviética entendeu a importância do evento. O “Pravda” então estampou a manchete “Nação soviética cria o primeiro satélite artificial da Terra”.

12.abr.61/Associated Press


Khrushev convocou Korolev ao Kremlin e ordenou que preparasse “algo ainda maior” para festejar o 40º aniversário da Revolução de 1917. Só que isso aconteceria em 7 de novembro, o que dava a Korolev um escasso mês para realizar a proeza. O incrível é que ele conseguiu.

3.nov.57/Associated Press
A cachorrinha Laika

Em 3 de novembro, os soviéticos lançaram o Sputnik 2, com a cachorrinha Laika.
O novo e talvez maior “susto” viria em 12 abril de 1961, quando a União Soviética lançou o Vostok (Leste), a primeira nave pilotada por um ser humano, Yuri Gagarin, 26. Ele viajou durante 90 minutos em órbita em torno da Terra, a uma altura média de 320 km.
O feito foi anunciado em tom triunfal. Sua famosa frase _“a Terra é azul”_ soava como um grito de vitória comunista.

12.abr.61/Associated Press
No alto, Gagarin antes de sua viagem ao espaço, no
Vostok 1

Em Moscou, a população delirava.
Os EUA reagiram com força. Em 25 de maio de 1961, o presidente John Kennedy prometeu que em menos de uma década um astronauta americano pisaria no solo da Lua. Uma série de circunstâncias contribuiu para que os Estados Unidos ganhassem a dianteira da corrida nos anos 60. A principal delas, certamente, foi a morte de Korolev, em 1966.
Em 20 de julho de 1969, quando o astronauta Neil Armstrong, da Apollo 11, pisou na Lua, os soviéticos atribuíram pouca importância ao evento. Alegaram que seu programa lunar estava “mais avançado” que o americano, já que, em 31 de janeiro de 1966, o veículo Luna 9 já havia pousado na Lua. Para efeito de propaganda, diziam que, enquanto os “capitalistas” arriscavam vidas humanas desnecessariamente, o seu programa lunar era feito com robôs. Mas Korolev queria enviar missões tripuladas à Lua. Apenas não teve tempo para isso.
Após o triunfo americano, a corrida espacial perdeu ímpeto. Custava muito caro e produzia poucos resultados visíveis. Seu fim definitivo aconteceu com o início da “Perestroika”, em 1985. O diálogo entre as superpotências abriu a estação Mir, lançada em 1986, à cooperação internacional.


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