Descrição de chapéu Moda

Indústria tenta se ajustar às cobranças da patrulha virtual

Mundinho de aparências da moda colapsa com o fim da exigência do ter e o começo do seja você mesmo

Colagem de Alex Kidd para a retrospectiva de artes plásticas da Ilustrada

Colagem de Alex Kidd

São Paulo

O "mundinho" de aparências da moda começou a ruir. Essa indústria que tem como propósito fazer pessoas assumirem versões maquiadas de si mesmas viu em 2018 seu próprio pancake borrar em escândalos, micos e capas de bom-mocismo tiradas à força pela audiência que ajudou a construir na realidade filtrada do Instagram.

A patrulha virtual não perdoou deslizes como o da peça publicitária da Dolce & Gabbana na China que reproduzia uma chinesa tentando comer massa italiana com pauzinhos.

Também não perdoou a queima de roupas do encalhe da Burberry, a jaqueta "tô nem aí" de Melania Trump e quaisquer velhos hábitos da moda que subiram à superfície na tela do smartphone.

Apropriação cultural, trabalho escravo, plágio, sustentabilidade e até proselitismo político viraram uma grande dor de cabeça para departamentos de marketing acostumados a mascarar deficiências da máquina fashion com dezenas de tendências para a estação.

Temas que até pouco tempo atrás eram só chamas temporárias na paisagem onírica que uma marca lançava a cada seis meses, agora são lenha no incêndio de comentários ácidos que limam vendas, destroem histórias da carochinha e colocam em xeque os projetos de expansão das grifes.

É como se o feitiço do post pago da blogueira superestrela tivesse virado contra o feiticeiro, como se a sociedade —e os clientes— cobrassem com a mesma moeda a conta da hiperexposição virtual.

A fórmula do "tem que ter", já é possível afirmar, caiu em provável desuso eterno, dando lugar à noção de "seja você mesmo", enlouquecedora para as marcas por ter obrigado equipes de estilo a tatear a essência da etiqueta —em resumo, a verdade que muitas delas não têm para oferecer.

Não parece coincidência, então, que as semanas de moda estejam em processo de renovação, abrindo espaço para marcas que de alguma forma dialoguem e respondam aos novos quereres dessa massa consumidora, que, mesmo dúbia em seus discursos de mudança, chegou à loja com poder de compra, clique e grito.

 

PRINCIPAIS EMBATES

Doce guerra

Após ter de cancelar, neste mês, um desfile na China por causa de supostos comentários racistas de Stefano Gabbana, a Dolce & Gabbana pediu desculpas aos chineses. A etiqueta, porém, segue firme na liderança de vendas

Queimada sustentável

O jornal britânico The Times noticiou, em julho, um tipo de prática comum na moda que confronta o discurso sustentável vendido pela indústria. A Burberry queimou, ao longo de cinco anos, quase R$ 395 milhões em roupas encalhadas

 

Plágio original

Uma das coleções mais criticadas dos últimos anos partiu de um dos midas da moda, Hedi Slimane. Em sua estreia na grife Celine, copiou roupas que ele mesmo havia apresentado na época em que desenhava para a Saint Laurent 

Nudez coberta

"Free the nipple", ou, liberte os mamilos, foi o truque mais visto neste ano nas passarelas internacionais e nacionais —a onda é tão forte que, no Minas Trend, em Belo Horizonte, teve marca cobrindo os mamilos só para deixar parte dos seios à mostra

Modelos pedem a liberação dos mamilos durante desfile de Jean-Paul Gaultier em Paris, em julho - Alain Jocard/AFP

Não me importo, e você?

Um casaco Zara da primeira-dama americana Melania Trump, no qual se lia 'eu realmente não me importo, você sim?', usado horas antes de uma visita a imigrantes presos na fronteira americana, causou furor nas redes

 

FATOS E FOFOCAS

Novo xadrez
Pioneiro do “streetwear”, o italiano Riccardo Tisci estreou em setembro na passarela da Burberry e, sozinho, recolocou a semana de Londres no circuito internacional de desfiles. Ao mesclar classicismo com a reconhecida veia urbana o designer produziu uma das melhores (se não a melhor) coleções do ano. O bege, para ele, é o novo preto.

Última tesoura
E no ano em que Tisci sepultou sua trajetória na Givenchy ao estrear na Burberry, morreu o próprio estilista francês Hubert de Givenchy, aos 91. Última tesoura dos anos dourados da moda francesa, foi contemporâneo a Yves Saint Laurent e criou o tubinho preto de Audrey Hepburn em “Bonequinha de Luxo” (1961). Seu maior legado porém, foi simplificar a silhueta feminina na segunda metade do século 20.

Independência ou morte
As críticas de que as passarelas brasileiras andavam comerciais demais surtiram efeito na última temporada paulistana. A São Paulo Fashion Week finalmente abriu espaço maior para designers independentes e a Casa de Criadores consolidou uma seleção invejável nomes independentes, como Vicente Perrota, Isaac Silva e Rafael Caetano.

Barbie Fascista’
O mundinho não saiu imune à turbulência das eleições presidenciais. Blogueiras como Lalá Rudge e Nati Vozza foram jogadas na fogueira virtual ao anunciar apoio explícito ao presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). A gritaria resultou num gelo de marcas, comentários furiosos e até um perfil humorístico no Instagram, o “Barbie Fascista”.

B.O.
A moda de 2018 também foi caso de polícia. Fiscais do Sated baixaram na porta do desfile da grife À LA Garçonne, em agosto, no Masp, após denúncias de falta de pagamento a modelos da apresentação. O Ministério Público, por sua vez, autuou a grife Amíssima quando flagrou, em Sã Paulo, trabalhadores costurando roupas da marca em situação análoga à escravidão.

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