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Cinema

'A Mulher na Janela', na Netflix, renasce ao ir do suspense para o terror

Quanto mais o filme com Amy Adams busca ser profundo, mais se mostra superficial

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A Mulher na Janela

  • Onde Disponível na Netflix
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Amy Adams, Gary Oldman, Julianne Moore
  • Produção EUA, 2021
  • Direção Joe Wright

Certas virtudes de “A Mulher na Janela” estão bem de acordo com sua premissa –Anna Fox é uma mulher com graves problemas psicológicos, que não consegue sair da própria casa.

O departamento de arte a situou num cenário razoavelmente lúgubre, uma grande casa de Manhattan com vários andares e cômodos espaçosos. Enfim, um lugar perfeitamente capaz de abrigar tamanha solidão.

A doença se faz acompanhar de certo desleixo pessoal, de maneira que Anna anda por sua casa arrastando um penhoar que chega até o chão ou quase isso. Inútil dizer que ela toma medicamentos psiquiátricos e bebe à vontade.

Isso facilita a vida do diretor Joe Wright, que pode associar o desequilíbrio da personagem a certa instabilidade que instaura pela câmera —planos enviesados, por exemplo. E aproveita a ocasião para uma bela abertura, em que parte da representação de cenários para em seguida entrar no cenário mesmo do filme. Uma espécie de homenagem ao artifício.

É verdade que Joe Wright encontra meios de complicar sua vida ao colar seu filme ostensivamente em “Janela Indiscreta”. Não é uma boa decisão trazer para perto de si uma sombra tão poderosa.

As comparações serão inevitáveis e, nesse terreno, “A Mulher na Janela” tende a ser esmagada não só pelo filme de Hitchcock, como pelos filmes daquele que sabe colar em Hitchcock e sair ileso –Brian De Palma.

É verdade também que Anna Fox não facilita sua vida. Sem ter muito o que fazer, passa a observar a vida da família que acaba de se mudar para a casa bem em frente à sua. Okay, admitamos que isso produz belas imagens, à maneira de Edward Hopper. Bom isso, também. Mas também perigoso. Se Anna não sai de casa, o perigo virá até ela.

Em resumo, serão bem grandes os desafios pelos quais terá de passar Anna Fox em vista de sua curiosidade pela vida dos estranhos vizinhos, que parecem não se entender muito bem, brigam entre si e cada vez mais apavoram a apavorável Anna, que nem por isso deixa de cuidar da vida alheia.

Passamos então pela inevitável fase do abre e fecha das trancas, claro. É uma mulher sozinha e vulnerável, numa casa que parece cada vez maior. Inutilmente maior.

Ou seja, se os vizinhos são estranhos, Anna também é. E aqui começam os dilemas do filme, que a partir de horas tantas envereda pelo caminho mais fácil, ou seja –será que as coisas que Anna Fox vê são reais ou produto de sua imaginação?

Ligações se seguem para a polícia que só a descreditam, a dúvida sobre se está alucinando ou não, o que é ou deixa de ser real naquilo que vê, a infinidade de explicações que se precisa encontrar para que a trama simplesmente não desabe, o simples desinteresse que começa a despertar o destino da heroína.

E, quando a chegamos ao ponto em que já bocejamos na poltrona apenas à espera de uma solução seja ela qual for, eis que “A Mulher na Janela” renasce, primeiro ao transitar do suspense para o terror psicológico, depois por causa de uma sequência final que, sem ser uma obra-prima, aproveita bem certos traços desequilibrados das personagens, a arquitetura do local (que inclui, claro, uma escadaria à la “Um Corpo que Cai”), algumas lutas entre forças desiguais e um desfecho meio convencional, mas que nos deixa aliviados. Sinal de que funcionou.

Enfim, um filme que quanto mais busca o profundo mais se mostra superficial.

Quanto mais busca (ou finge buscar) o suspense psicológico “sério”, mais acaba por ser agradável. Joe Wright já era assim no drama histórico (“O Destino de uma Nação”, de 2017) em que o momento decisivo da guerra servia de fachada para o brilho de um Churchill com jeito de vovô esperto, uma briga sem fim entre o desejo de buscar uma verdade e a necessidade de ser agradável. O lado agradável é o que, novamente, se impõe.

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