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Cinema

'Venom' é prova que Hollywood se rendeu ao anti-herói escrachado

Franquia sobre o vilão do Homem-Aranha faz releitura burlesca do gênero de super-heróis, assim como 'Deadpool' e 'Loki'

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Cláudia Fusco

Jornalista, é mestre em estudos de ficção científica pela Universidade de Liverpool

Desde o lançamento do primeiro longa, há três anos, a franquia "Venom" se estabeleceu entre os fãs de super-heróis como um respiro em relação às narrativas formulaicas do chamado Universo Cinematográfico Marvel, o MCU. O protagonista-título do filme não se leva a sério, despreza a moral e ri das convenções comuns em filmes de heróis —e esse é seu trunfo. Trunfo esse que, de acordo com a crítica americana, se repete na sequência que chega aos cinemas agora, "Venom - Tempo de Carnificina".

Heróis ambíguos têm aparecido com cada vez mais frequência nas adaptações de quadrinhos por grandes estúdios de cinema e televisão. Do filme "Deadpool", de 2016, à série "Loki", deste ano, é cada vez mais fácil encontrar protagonistas anti-heróis com motivações escusas, comportamentos questionáveis e senso de humor escrachado, que prometem mexer com as normas estabelecidas em filmes de super-heróis.

Transgredir a norma é o motor do cinema. Em 1979, o pesquisador de cinema John W. Cawelti propôs quatro pilares do que ele chama de "transformação genérica". De acordo com Cawelti, quando um formato se estabelece no cinema —como o filme de faroeste, por exemplo, ou as próprias narrativas de super-heróis—, é questão de tempo até que o mercado exija mudanças. Essa transformação costuma acontecer de quatro formas –por meio da interpretação burlesca do gênero, da nostalgia, da negação do mito e da reafirmação do mito.

"Venom" é um exemplo do burlesco, cujos "elementos de uma fórmula ou estilo são situados em contextos tão incongruentes ou exagerados que o resultado é a risada". A relação entre Eddie Brock e seu simbionte alienígena é desconcertante e divertida, já que ambos são capazes de negociar e trabalhar em conjunto; é uma proposta que subverte, por exemplo, histórias sobre duplos ao estilo "O Médico e o Monstro", que inspirou a criação de Hulk, uma máquina de destruição selvagem, e Bruce Banner, sua contraparte humana, tímida e gentil.

Cawelti também sugere que o gênero cinematográfico seja subvertido por meio da nostalgia, que homenageia alguns dos elementos mais marcantes do gênero. Um bom exemplo disso é o longa "Homem Aranha no Aranhaverso", que revela diversas versões do personagem como forma de tornar essa figura ainda mais relevante e amada.

Já a negação do mito, segundo Cawelti, questiona os fundamentos e as convicções pré-estabelecidas do gênero. "The Boys", série do Amazon Prime de 2019, e "Watchmen", lançado nos cinemas dez anos antes, fazem esse papel no universo dos heróis, levantando perguntas sobre a moralidade dos personagens e o que fariam se tivessem grandes poderes.

Por fim, a afirmação do mito subverte elementos conhecidos como forma de manter o gênero vivo. Em "Os Incríveis 2", de 2018, a narrativa heroica se mistura com a vida familiar dos "supers". Para o Senhor Incrível, monstros são fichinha perto do terror que é trocar as fraldas do bebê Zezé ou lidar com os dramas adolescentes de sua filha Violet. Ao modernizar o debate sobre papéis de gênero dentro do espaço familiar, "Os Incríveis 2" reforça a mitologia dos super-heróis, mostrando que ainda são relevantes e podem refletir sobre temas contemporâneos.

Ainda que a transformação genérica de Cawelti possa ser encontrada em várias adaptações de narrativas de super-heróis, ela foi pensada, originalmente, para debater obras e movimentos do cinema. A indústria bilionária de super-heróis, que envolve merchandising, produtos licenciados e narrativas multiplataformas, é movida por mais engrenagens do que só a resposta artística. É uma briga entre gigantes como Marvel e DC, que disputam a atenção do seu público a partir de fórmulas, personagens amados e promessas de frescor narrativo.

A Marvel parece disposta a comprometer algumas certezas dentro do gênero para manter essas promessas. Em "What If?...", uma antologia de histórias alternativas sobre os personagens mais famosos do MCU lançado neste ano pelo Disney+, nada é o que parece. Heróis consagrados no cinema são retratados como frágeis, mimados ou egoístas, e alguns deles revelam camadas monstruosas. Mais do que um diálogo artístico, há também uma urgência em se manter relevante após mais de uma década de narrativas formulaicas.

O nome "Venom" faz parte de uma linha narrativa, testada e aprovada pela Marvel, de desobediência controlada. Como diz o título, é tempo de carnificina —uma busca feroz por relevância em um momento de crise do cinema.

VENOM - TEMPO DE CARNIFICINA

  • Quando Estreia nesta quinta (7)
  • Onde Nos cinemas
  • Elenco Tom Hardy, Woody Harrelson, Michelle Williams
  • Produção EUA, 2021
  • Direção Andy Serkis
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