Oscar 2022 quer agradar ao público, mas ameaça sufocar cinema pensado como arte

Sucesso de franquias como 'Homem-Aranha' pode seduzir premiação a trilhar caminho oferecido por filmes da Marvel

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Kyle Buchanan
The New York Times

Depois que a cerimônia do Oscar no ano passado premiou filmes pequenos e desafiadores, e fracassou em termos de audiência, pode apostar que este ano a Academia, responsável pelo prêmio, está ansiosa para indicar filmes sobre os quais o público possa se entusiasmar. Na verdade, a safra de possíveis indicados para premiações este ano inclui diversos filmes do tipo que costumava agradar bastante ao público no passado.

Só há um problema –o público continua a ser teimosamente hipotético.

Estatueta do Oscar no teatro Dolby, em Hollywood, na Califórnia - Mark Ralston/AFP

"Belfast" basta como exemplo. O drama familiar dirigido por Kenneth Brannagh é considerado como candidato ao Oscar de melhor filme, mas não se deu bem nas bilheterias, faturando modestos US$ 7 milhões nos cinemas dos Estados Unidos. Para levar o Oscar de melhor filme, normalmente é preciso um desempenho muito melhor. Entre os ganhadores recentes, apenas "Nomadland", o premiado do ano passado, faturou menos, e foi lançado em um momento no qual as vacinas eram escassas e as salas de cinema mal tinham recomeçado a funcionar.

"King Richard: Criando Campeãs" não se saiu muito melhor. Embora tenha sido lançado simultaneamente nos cinemas e na HBO Max, a expectativa ainda era a de que um drama inspirador estrelado por Will Smith no papel do pai das lendas do tênis Venus e Serena Williams tivesse resultado muito melhor nas bilheterias. Mas em lugar disso o filme faturou apenas US$ 14,7 milhões nas salas de cinema da América do Norte, o faturamento mais baixo de um filme de Smith em décadas.

E há o caso de "O Último Duelo", de Ridley Scott, que provavelmente teria sido o grande sucesso da temporada em uma era passada do Oscar. O drama medieval trazia grandes astros —entre os quais Matt Damon, Adam Driver e Ben Affleck—, temas ponderáveis e uma qualidade de produção elevada. Agora que está disponível "on demand", não passa um dia sem que alguém em minha lista de contatos do Twitter o descubra e anuncie "ei, na verdade o filme é muito bom". A surpresa talvez se deva a "O Último Duelo" ter fracassado estrondosamente nos cinemas ao ser lançado em outubro, com bilheterias de apenas US$ 10,8 milhões nos Estados Unidos.

É verdade que muitos desses candidatos ao Oscar são dirigidos a espectadores mais velhos e que está se provando mais difícil atrair essa audiência de volta aos cinemas em meio à pandemia prolongada. Um filme menor, como "Belfast", costumava estrear em apenas algumas cidades e conquistava aos poucos o público, se expandindo para mais salas a cada semana com o avanço da divulgação boca a boca. Agora, os distribuidores de filmes estão tão cautelosos diante da ausência das audiências mais velhas que muitos filmes especializados já estreiam em centenas de salas, com a expectativa de que atraiam grande público desde o lançamento.

Mas o desempenho nada impressionante desses filmes não pode ser atribuído apenas à ausência das audiências mais velhas. Nas últimas semanas, "Homem Aranha: Sem Volta para Casa" faturou espantosos US$ 621 milhões nas bilheterias dos Estados Unidos, um total que seria simplesmente impossível atingir se todas as faixas etárias não tivessem comparecido em grande número aos cinemas. Se os adultos mais velhos estão dispostos a ir ao cinema para assistir a um filme do Homem-Aranha, fica mais difícil defender o argumento de que não existe o que os tire de casa.

Cena do filme 'Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa' - Divulgação

Mas a maré alta da Marvel não desencalhou todos os barcos. Em lugar disso, metade dos títulos continuam atolados. Será que as audiências estão mesmo vacilando tanto para ver os filmes mais aclamados do ano? Ou será que esses filmes simplesmente não conseguiram provar que são dignos de atenção?

Creio que essa última questão tenha atrapalhado "Amor, Sublime Amor", que tinha muito em seu favor ao estrear em dezembro. Dirigido por Steven Spielberg, o filme recebeu críticas altamente positivas e é uma adaptação de um dos mais famosos musicais de teatro de todos os tempos. Ainda que o plano original fosse o de lançar "Amor, Sublime Amor" na temporada de festas de 2020, os executivos da Disney adiaram a estreia desse filme empolgante por um ano, na expectativa de que tivessem em mãos um sucesso duradouro.

Não foi o que aconteceu. "Amor, Sublime Amor" faturou apenas US$ 10,5 milhões no final de semana de estreia e encontrou dificuldades para atingir a marca dos US$ 30 milhões em seu primeiro mês em cartaz. Para um filme dirigido pelo mais confiável dos fabricantes de grandes sucessos de Hollywood, é um resultado desastroso. Seria necessário recuar a "Império do Sol", de 1987, para encontrar um filme de Spielberg com desempenho tão ruim nas bilheterias, e "Império do Sol" não teve um custo superior a US$ 100 milhões, ao contrário de "Amor, Sublime Amor".

A culpa vem sendo atribuída aos suspeitos habituais –à disparada da pandemia no final do ano, à ausência dos cinéfilos mais velhos–, mas atribuo o fracasso diretamente a uma campanha de marketing que desperdiçou oportunidades cruciais.

Os cartazes desse musical romântico eram estranhamente sombrios, e os trailers e comercias de TV pareciam relutar em destacar a participação de Spielberg, o grande nome do filme. Os trailers deveriam ter enfatizado os trabalhos emblemáticos do diretor, como "E.T. – o Extraterrestre" e "Caçadores da Arca Perdida", posicionando "Amor, Sublime Amor" como parte de uma linhagem cinematográfica impressionante. A mensagem óbvia seria "aqueles filmes foram eventos pelos quais valia a pena sair de casa, e o novo filme será a mesma coisa".

E essa talvez venha a se provar a lição mais importante da atual temporada de premiações. Se você não conseguir fazer com que seu filme pareça um grande evento, as pessoas simplesmente escolherão não ir. Fica claro que o único filme que conseguiu essa façanha nas últimas semanas foi "Homem-Aranha: Sem Volta para Casa", e, porque seus resultados impressionantes de bilheteria apequenam tudo mais que foi lançado nos cinemas, os poderosos envolvidos com essa produção da Marvel e da Sony já começaram a defender o argumento de que a obra merece indicação ao Oscar de melhor filme.

Será que Peter Parker tem alguma chance? Não tenho certeza. Os votantes do Oscar já demonstraram que estão dispostos a indicar filmes de grande sucesso ao prêmio, mas preferem trabalhos de artesanato esmerado e alcance mais amplo, capazes de competir em diversas categorias.

Pense em "Pantera Negra", que conquistou troféus no Oscar pela trilha sonora, pelo design de produção e pelo figurino, ou "Mad Max: Estrada da Fúria", que venceu em praticamente todas as categorias técnicas para as quais foi indicado. Neste ano, "Duna" será um candidato importante em todas essas categorias, o que reforçará sua candidatura ao prêmio de melhor filme, mas "Homem-Aranha: Sem Volta para Casa", na verdade, é mais um feito narrativo e de boa administração de calendário do que uma façanha artística notável.

Ainda assim, não há como negar o imenso sucesso de bilheteria do filme. Se os dramas adultos continuarem a ter desempenhos medíocres de público à medida que a pandemia se estende para seu terceiro ano, pode ser que desapareçam de vez dos cinemas, e a experiência de assistir a um filme na telona se torne simplesmente uma forma de ver filmes da Marvel.

Parte da missão do Oscar é evitar que isso aconteça. O prêmio gera interesse por filmes menores e mais artísticos que desesperadamente precisam dele. Mas, se os filmes que não são franquias se provarem incapazes de atrair pessoas às salas de exibição sem ajuda, o cinema estará diante de um problema mais grave do que só mais uma cerimônia de entrega do Oscar com índices péssimos de audiência.

Tradução de Paulo Migliacci​

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