Descrição de chapéu Obituário Fernando Campana (1961 - 2022)

Morre Fernando Campana, designer que fez móveis a partir de peças inusitadas

Galeria confirmou morte do artista paulista, que manteve parceria de décadas com o irmão Humberto

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São Paulo

Morreu nesta quarta, dia 16, em São Paulo, o designer Fernando Campana. A informação foi divulgada pela galeria Luciana Brito, que não informou a causa da morte do artista paulista, de 61 anos.

Metade da dupla formada com o irmão Humberto, ele se notabilizou nas últimas três décadas pelo desenho de móveis feitos sobretudo a partir de materiais inusitados, como poltronas estofadas com ursinhos de pelúcia. Mas suas obras também se espraiaram pelas áreas de projetos de interiores, arquitetura, paisagismo, cenografia, arte e moda.

O designer Fernando Campana em almoço de abertura de exposição em 2017
O designer Fernando Campana em almoço de abertura de exposição em 2017 - Marcus Leoni/Folhapress

Formado em arquitetura, Fernando era o mais novo dos irmãos, ambos criados em Brotas, no interior de São Paulo. Humberto, por sua vez, era formado em direito. Os dois já assinaram projetos para empresas como Alessi, Baccarat, Edra, Fendi, H. Stern, Lacoste, Louis Vuitton, Melissa.

Os Campana se firmaram como potência no design nacional na contracorrente da cartilha construtivista, corbusieriana que imperava nos trópicos desde sempre, apadrinhada por Oscar Niemeyer.

A ousadia no uso dos materiais, a incorporação sem medo da cultura pop, do kitsch, do alegórico carnavalesco, sempre esteve à frente dos projetos. Mas a base tinha uma ligação profunda com a ambivalência malandra do nosso design, um pé na limpeza escandinava, nas curvas reluzentes do suíço Max Bill, e outro na quadra fervida da escola de samba.

O design dos Campana, que fazia frente sem medo, e muito mais eficaz, aos excessos de um Philippe Starck, é exagerado como o barroquismo do Brasil exige e permite. É calcado na banalidade do ursinho de pelúcia chinês da 25 de Março e ao mesmo tempo na inventividade das rendeiras caiçaras, dos trabalhadores do couro nordestino.

Há uma irreverência na obra dos irmãos designers, que enfim cruzava o limiar do desenho industrial para entrar na seara da arte contemporânea, haja vista a exposição mais recente dos irmãos agora em cartaz na galeria Luciana Brito, em São Paulo, que mistura elementos da arte pop, com acenos claros à excelência da gambiarra brasileira.

O ready-made, mesmo que travestido e incorporado à trama da arte sem dó há décadas, tinha lugar de destaque na poética da dupla. O poder de fogo dos irmãos Campana sempre teve como querosene uma antena afiadíssima para o zeitgeist, da estética edulcorada da favela no mundo pop ao design das pautas identitárias calcadas no mais rentável e visível do mobiliário viralizável.

"O Brasil não é um país cartesiano, é cheio de misturas", disse Fernando Campana, sobre como o país inspira o trabalho dos dois, em entrevista à Folha, dois anos atrás.

Na época, em março de 2020, os irmãos estavam em cartaz com uma exposição no MAM carioca que reunia 80 peças criadas pela dupla ao longo de 35 anos de carreira, entre poltronas, sofás, tapetes, lustres e móveis. "É atraente sobretudo para crianças, vai ser um problema para a segurança do museu", brincou Fernando Campana à época.

"Hoje não existem mais fronteiras entre as artes, a pessoa pode ser performática mesmo sendo jardineiro. Nós trabalhamos com figurino, cenografia, paisagismo, arquitetura, esculturas", disse ele na mesma ocasião.

Em 2009 os irmãos fundaram o Instituto Campana, que busca resgatar técnicas artesanais, trabalhar com inclusão social e preservar a obra da dupla. Há na mostra uma poltrona feita com ursinhos de couro confeccionados por mulheres ligadas a homens que estão no sistema carcerário no interior de São Paulo ou um tapete com bonecos de tecido costurados por mulheres do interior da Paraíba.

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