Jô Soares foi artista gigante

Curioso e de espírito livre, multiartista fez de tudo e ensinou o Brasil a gostar de talk shows

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Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

Millôr Fernandes, na série "Retratos 3 x 4 de amigos 6 x 9", conseguiu uma das melhores sínteses de Jô Soares: "Eclético total, o que mais gosta é tudo". Ainda nesse texto, reproduzido na abertura da "autobiografia desautorizada" de Jô, Millôr observa: "E tem razão quando diz que a televisão de 21 polegadas não dá toda a dimensão de seu talento".

Num comentário ao pé da página do livro, publicado em 2017, Jô atualiza o elogio do amigo, confirmando a fama de exibido assumido: "Acho que até mesmo as televisões de 85 polegadas são insuficientes para mostrar todo o meu talento".

Se alguém ainda não tem a dimensão da perda de Jô Soares, morto em agosto, aos 84 anos, um resumo feito pelo próprio, nas páginas finais do segundo volume de "O Livro de Jô", ajuda a visualizar:

"Foram 60 anos de vida profissional, 28 anos de entrevistas, 14.426 conversas, cerca de 1.300 dias de programas de humor na TV, 300 personagens, 43 anos fazendo one-man shows, dirigi 24 peças de teatro e atuei em 11, foram dez filmes como ator e um como diretor, oito exposições como pintor, um show como músico e cantor, 15 programas de televisão como redator, nove livros, contando com este".

Entre os últimos trabalhos, os dois volumes da autobiografia, escritos com Matinas Suzuki Jr., ajudam a refrescar a memória sobre o papel fundamental de Jô na história da televisão brasileira e, não menos importante, a conhecê-lo melhor.

Recomendo a quem não leu. As memórias carinhosas da mãe e do pai, Mercedes e Orlando, e a ligação com o filho Rafael, que era autista, mostram um Jô que raramente apareceu em público.

Mais conhecido é o Jô gaiato e maroto, que dava trotes no amigo Ronald Golias, para quem escreveu esquetes da "Família Trapo". Ou o Jô audacioso, que peitou o chefão Boni na Globo e se mudou para o SBT, a convite de Silvio Santos. Ou ainda o Jô engraçadíssimo, que nos fez rir tantas vezes como comediante e apresentador de talk show.

Na prática, Jô ensinou o brasileiro a conhecer e gostar de talk show, um gênero de programa fundado na mistura de conversa com entretenimento, pelo qual sempre foi fascinado. Nunca houve por aqui um apresentador de talk show tão bom quanto o Gordo.

Lendo "O Livro de Jô", entende-se que as suas qualidades são fruto da curiosidade pelo novo, da observação sem prejulgamentos e da liberdade de espírito que cultivou ao longo da vida. São características que permitiram que se arriscasse, sem medo e com sucesso, em tantos campos artísticos diferentes, das artes plásticas à literatura policial.

Jô foi um artista gigante.

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