Descrição de chapéu Obituário Milton Gonçaves (1933 - 2022)

Milton Gonçalves foi profeta das artes

Baluarte da cultura e guerreiro do audiovisual, ator e diretor soube se filiar às melhores trincheiras

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Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor da biografia 'Cruz e Sousa: Dante Negro do Brasil' e do romance 'O Crime do Rio Vermelho', entre outros. Membro da Academia Carioca de Letras.

Milton Gonçalves foi baluarte da cultura brasileira, defensor, como artista, de dignidade e respeito a uma profissão tão amada como vilipendiada por anos e anos. Foi um profeta do teatro, do cinema e da televisão brasileira. Soube, como guerreiro, filiar-se nas melhores trincheiras, tendo a arte também como ponta de lança no combate ao racismo e injustiças sociais.

Um dos primeiros grandes atores negros da televisão brasileira, Milton se tornou referência, ao lado de Grande Otelo e Ruth de Souza. Sua trajetória como artista se confunde com o desenvolvimento do audiovisual brasileiro.

Mineiro de Monte Santo de Minas, onde nasceu em 1933, cedo migrou para a cidade de São Paulo. Nos palcos, onde estreou aos 24 anos, juntou talento, coragem e determinação para desbravar, seguir em frente, tornando-se respeitado ator, diretor, dramaturgo, produtor e, especialmente, referência para jovens talentos artísticos como ele, surgidos de camadas sociais oriunda do povo pobre e preto, a exemplo de Lázaro Ramos.

Durante sua carreira na televisão, iniciada na antiga TV Tupi, Gonçalves lutou por ser negro e de família humilde. Quando chegou a São Paulo, bem menino, trabalhou como aprendiz de sapateiro, alfaiate e gráfico. Iniciou a vida artística na peça "Ratos e Homens", de John Steinbeck, do grupo Arena.

A paixão pelo teatro e pela televisão, onde estreou em "O Vigilante Rodoviário", o levou para o Rio de Janeiro, onde logo entraria para o elenco da TV Globo, no mesmo ano do nascimento da emissora, 1965. Chegou a recordar esse dia: "Não tinha inaugurado nada ainda. Os três estúdios, aquele auditório, pareciam para mim os estúdios da Universal. O primeiro salário foi de 500 cruzeiros. E eu fiquei feliz".

Na Globo, Milton realizou de tudo. Entre novelas e séries, foram cerca de 70 produções, não só como ator, mas também como diretor e produtor.

Entre os destaques da carreira, as novelas "O Bem-Amado", de 1973, em que interpretou o popular Zelão das Asas, "Roque Santeiro", de 1985, e o remake de "Sinhá Moça", da qual já tinha feito a montagem original, vivendo o Pai José. Cabe lembrar que o ator esteve na versão censurada pela ditadura de "Roque Santeiro", de Dias Gomes, na década de 1970.

Como diretor, Milton Gonçalves trabalhou nos maiores sucessos da televisão brasileira, como "Irmãos Coragem" e "Selva de Pedra". Dirigiu "Escrava Isaura", de 1976, uma das novelas mais vistas no mundo.
Como Jinguê, irmão de Macunaíma, vivido por Grande Otelo, Milton estreou no cinema nacional. Entre seus últimos trabalhos estiveram a novela "O Tempo Não Para", e a série "Carcereiros".

Embora estivesse entre os maiores artistas brasileiros, Milton sofreu na pele a discriminação racial. No entanto, seu posicionamento político o ajudou a enfrentar essa resistente barreira dentro e fora da televisão.

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