Descrição de chapéu Erasmo Carlos

Erasmo Carlos apareceu como terremoto e emancipou a música

Roqueiro chacoalhou o star system e abraçou a transformação

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Jotabê Medeiros

repórter e escritor

Erasmo Carlos foi o nosso Chuck Berry. Como Chuck, ele apareceu do nada em uma época ainda vazia de paradigmas éticos e estéticos, um Velho Oeste selvagem, para apresentar à música jovem urbana brasileira seu primeiro repertório autoral, mestiço, coloquial, torto e emancipativo ao mesmo tempo. Antes de Erasmo, não havia nada —ele mesmo só ganhou terreno após as versões de "Splish Splash" (1963) e "O Calhambeque" (1964).

Roqueiro de batismo, Erasmo significou um upgrade em relação a todo o star system anterior, que era pudico e moralista. Na primeira metade dos anos 1960, além de se abrir para a crônica mundana do cotidiano jovem "transviado", em canções como "Broto do Jacaré", "Os Sete Cabeludos", "Eu Sou Fã do Monoquíni" e "A Garota do Baile", também abrigou com curiosa generosidade a inovação formal e tecnológica. É bem conhecida a história de como Erasmo recrutou um amigo de infância na Tijuca, Lafayette, que tocava piano, para experimentar sonoridades com um intocado órgão Hammond B3.

Logo a seguir, o boss Roberto Carlos ouviria a gravação de Erasmo e ficaria siderado, convidando Lafayette para repetir a dose em "Quero que Vá Tudo pro Inferno" —canção-manifesto de todo inconformado sentimental a partir de 1965. A música do período, a partir dali, passou a abrigar com constância aquele órgão sismográfico.

Adolescente que amava em público o rock gringo, herói que também "tinha uma vontade féla-da-puta de ser americano" (como disse Caetano de Raul Seixas), Erasmo na verdade admirava secretamente o papa da bossa, João Gilberto. Esse caldeirão de druida pop em que Erasmo mergulhou a si mesmo acabou tingindo sua rebeldia de uma ternura íntima, familiar, que o ajudou a construir pontes. Ele montou um grupo de transição carinhoso entre extremos, de "Eu Sou Terrível", "Sua Estupidez" e "Todos Estão Surdos" a "Eu Te Darei o Céu" e "As Canções que Você Fez pra Mim".

Em cerca de 700 composições com seu parceiro siamês, a ordem das assinaturas deixa clara a hierarquia estabelecida: "Música de Roberto Carlos e Erasmo Carlos". Não foram poucas as vezes em que nos vimos torcendo para que Erasmo rompesse o tal invisível "cativeiro", como definiu o produtor André Midani. Erasmo Carlos é o lado dionisíaco da parceria, Roberto Carlos é o lado cartesiano. Sem a conexão sanguínea de Erasmo Carlos, estaria fechada a janela de Roberto com a vida real, a angústia real.

Apesar de sua imensa versatilidade, de seu esforço para abraçar as mudanças comportamentais, sexuais (como na canção "Close'', de 1984), musicais, políticas e sociais, Erasmo não experimentou de verdade o sucesso discográfico. Mas seus discos mais celebrados pela crítica, como "Erasmo Carlos e os Tremendões" (1970) e "Carlos, Erasmo" (1971), são hoje amplamente reconhecidos pelo visionarismo e a capacidade de espraiar influência para muito adiante do seu tempo.

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