Descrição de chapéu
Livros quadrinhos

Alberto Breccia adapta mestres como Borges e Quiroga na HQ 'Versões'

Livro ousa ao reinventar clássicos latino-americanos e triunfa com sacadas narrativas que não se submetem à literatura

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Versões

  • Quando Em pré-venda; lançamento em 10 de fevereiro
  • Preço R$ 79,90 (80 págs.)
  • Autoria Alberto Breccia, Carlos Trillo e Juan Sasturain
  • Editora Veneta
  • Tradução Marcelo Barbão

O mercado de quadrinhos nacional está mais variado do que nunca, ainda que alguns autores fundamentais de outros países tenham suas obras resumidas por aqui a um par de publicações.

Não é o caso do argentino Alberto Breccia, um dos gênios que mais teve livros publicados nos últimos anos por diversas editoras —desde "Mort Cinder", em 2018, pela editora Figura, nove só pela Comix Zone ("O Eternauta 1969", o hilário "Drácula, Dracul, Vlad? Bah...!"), além do sublime "Lovecraft-Poe", pela Quadrinhos na Cia.

"Versões", que chega em 10 de fevereiro, é uma bela adição a esse catálogo, sobretudo por mostrar mais adaptações literárias do ilustrador a partir dos roteiros de Carlos Trillo e Juan Sasturain.

Página da HQ 'Versões', com arte de Alberto Breccia e roteiros de Carlos Trillo e Juan Sasturain
Página da HQ 'Versões', com arte de Alberto Breccia e roteiros de Carlos Trillo e Juan Sasturain - Divulgação

Se a ambição de "Lovecraft-Poe" era grande —com versões em quadrinhos de "O Gato Preto", "O Chamado de Cthulhu", "A Máscara da Morte Rubra" e outros clássicos do terror—, aqui nos deparamos com contos de Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez, Juan Rulfo, Alejo Carpentier, Juan Carlos Onetti e Horacio Quiroga.

O time deve assustar os puristas da arte literária, como o próprio Onetti, que teria detestado a versão de seu texto "As Gêmeas", como aponta o posfácio da professora Laura Janina Hosiasson.

Afinal, Sasturain e Breccia promoveram diversas mudanças na estrutura desse conto sobre uma jovem prostituta e o homem que a matou. O que era sugestão no texto do uruguaio assume tintas violentas e concretas nas pinceladas cinzentas, que impõem um tom grotesco e fantasmagórico.

A trama com idas e vindas no tempo traz personagens que parecem não pertencer ao mesmo mundo —o que define o destino "piedoso" da moça—, assim como o conto de Onetti não pode existir como HQ senão de forma sufocada. Como em qualquer adaptação, é preciso encarar o resultado com olhos virgens para entender que o sucesso da nova obra depende da morte da sua fonte.

Chama a atenção sobretudo "A Galinha Degolada", versão mais controversa da coletânea. Como trabalho isolado, é notável o uso de quadros repetidos e da cor vermelha —em uma HQ, de resto, toda em preto e branco— para explicar a letargia de quatro irmãos com, aparentemente, algum tipo de deficiência mental que matam a irmã mais nova, mimada pelos pais.

Em poucas páginas, apenas com diálogos e narrações curtas, a história explica a morte como um processo automático, com a frieza dos serial killers, e dispensa a carga psicológica (também sintética) do conto de Quiroga, especialmente ao retratar os pais. O trunfo narrativo acaba se sobrepondo na HQ, abrindo brecha para uma leitura incompleta dessa joia da literatura.

Para mérito de comparação, a versão de "O Coração Delator", em "Lovecraft-Poe", usa recursos semelhantes (a frieza e a repetição) e se sai melhor na hora de deglutir o material original. Não custa lembrar que o uruguaio Quiroga era obcecado por Poe.

A relação entre palavra e imagem é outra em "Lembra-se", de Juan Rulfo, no qual Sasturain recorre mais ao texto original. A história do livro "Chão em Chamas" é um diálogo no qual apenas um dos interlocutores relembra a história trágica de Urbano Gómez.

A aridez do texto do mexicano, que mantém só o "osso" de suas narrativas, combina bem com a arte em preto e branco cheia de distorções. A voz do narrador vai se confundindo aos poucos com o flashback, que por vezes prescinde do texto para se dedicar à ação.

Os rostos e membros inchados da arte de Breccia —que muda a cada versão— arrepiam ao traduzir o agnosticismo de Rulfo para os quadrinhos. O final arrepia como o do "Gato Preto" de Poe.

Impressiona ainda "O Fim", conto de Borges derivado do clássico "Martín Fierro" com clima de faroeste nos pampas, e que Breccia narra qual um cinemascope, alternando entre vastas paisagens em quadros horizontais e closes.

Já "A Prodigiosa Tarde de Baltazar", de García Márquez, sabe lidar com os silêncios para contar a história de um carpinteiro pobre que produz uma gaiola enorme para o filho de um ricaço. Seu gesto é piedoso, mas ele mente para o povoado, dizendo que faturou com sua obra. "É preciso fazer coisas aos ricos antes que morram", brada o protagonista. A narrativa cresce com os desenhos que imitam xilogravuras, dando um tom de arte popular e artesanal.

Mas é em "Semelhante à Noite", adaptando o cubano Alejo Carpentier, que Breccia dá sua porrada mais alegórica e política. É uma faceta que sempre eleva suas HQs, como quando, em "Drácula", o vampirão acha que vai aterrorizar Buenos Aires, mas sai correndo ao se deparar com os horrores da ditadura e do capitalismo.

A história acompanha a mentalidade guerreira de um homem que, a cada momento, é representado em outra época —vamos desde a Guerra de Troia, passando pelas grandes navegações até a Segunda Guerra Mundial.

É a adaptação mais verborrágica das seis, mas sabe aproveitar o que é fundamental nas HQs —a virada de página, as transformações espaciais e temporais que podem existir dentro de um quadro ou de um quadro para outro (vide "Aqui", de Richard McGuire). É um épico em oito páginas, o suficiente para mostrar a corrupção da guerra ao longo da humanidade.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.