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Livros

Novo livro de crônicas revela as várias versões de Vinicius de Moraes

Coletânea de textos para a imprensa destaca talento do artista para o gênero, além de criatividade para encontrar assuntos

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Crônicas Inéditas

  • Preço R$ 154,90 (416 págs.); R$ 49,90 (ebook)
  • Autor Vinicius de Moraes
  • Editora Companhia das Letras
  • Organização Eucanaã Ferraz, Eduardo Coelho

Numa crônica famosa, Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, descobriu que Vinicius de Moraes era, pelo menos, dois. Pois Sérgio o deixara bebendo chope no bar Calipso, em Ipanema, e depois de subir a serra e ter a certeza de que nenhum carro o ultrapassara, encontrou Vinicius já confortavelmente instalado numa confeitaria de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro.

"Está claro que pode haver mais de dois", considerava, surpreso, o amigo. "Duvido até que as múltiplas atividades de Vinicius —reparem que seu nome já é no plural para enganar os trouxas— possam ser realizadas por dois deles. Acredito mesmo que haja uma meia dúzia de Vinicius."

Vinícius de Moraes - Claudemiro/Acervo UH/Folhapress

Poeta, diplomata, dramaturgo, letrista e cantor, pilar da bossa nova, cidadão do mundo e, como Sérgio Porto, um grande cronista, arguto observador da realidade, modas e costumes, em especial os do Rio de Janeiro, na época em que a cidade se desdobrava em centro político e cultural, e já escancarava suas mazelas —que Vinicius não deixava de denunciar.

A faceta de prosador do poeta ficou menos conhecida. E esquecida, infelizmente. Publicou em vida um único volume integralmente de crônicas, "Para uma Menina com uma Flor’, em 1966. A frase de Otto Lara Resende resume o que os leitores de hoje estão perdendo —"depois do Vinicius musical, foi o Vinicius cronista que mais depressa chegou ao coração do grande público".

Um livro recém-lançado —"Crônicas Inéditas", organizado por Eucanaã Ferraz e Eduardo Coelho— oferece às novas gerações a oportunidade de comprovar que Vinicius de Moraes esteve —quase— em pé de igualdade com os grandes nomes do gênero no país. E se aproximar de um Rubem Braga, de um Paulo Mendes Campos, de uma Elsie Lessa não é pouca coisa.

É um vasto material, de 172 textos, com sabor de novidade, escondido que estava em coleções de jornais e revistas desaparecidas. Começa com textos sobre cinema para o suplemento literário do jornal A Manhã, veículo no qual Vinicius estreou colaborando na imprensa, em 1941. Prossegue com artigos e colunas para as revistas Leitura, Sombra, Diretrizes, Flan, Fatos e Fotos, e os periódicos O Jornal, Diário Carioca, Última Hora, Pasquim —toda uma era dourada de Gutenberg no Brasil.

O tema de eleição é o cinema —e a beleza das atrizes—, que ocupa lugar de destaque na coletânea póstuma. Ainda estudante de direito, Vinicius se aproximou de um grupo de críticos entrincheirados contra o cinema falado, além de simpatizantes do fascismo. Para justificar a preferência pela imagem muda, chegou a afirmar que o mérito de "Cidadão Kane" estava em realizar, no falado, o ideal estético do silencioso.

Na década de 1940, depois de viajar pelo interior do Brasil com o escritor socialista Waldo Frank, mudou de lado, seduzido pela movimentação de esquerda no pós-Guerra. Essa postura predomina nos textos das "Crônicas Inéditas".

Anotam os organizadores na apresentação que "a crônica era o instrumento ideal para o crítico engajado, que, com ela, espicaçava o espírito mercantil das produções ou a apatia e o gosto convencional do público". "Com tiradas retóricas, irreverentes, mas também com declarações de admiração."

Na linha dos ensaístas ingleses —a mesma adotada por Paulo Mendes Campos—, o estilo é leve, íntimo, preciso, com humor, mas jamais cedendo ao pessimismo. E, sim, como quase todos os praticantes do gênero, de Carlos Drummond de Andrade a Clarice Lispector, ele topou o exercício da crônica para ganhar um dinheirinho extra (o Itamaraty pagava pouco aos diplomatas que serviam no país).

Para driblar o problema eterno da falta de assunto, recorreu a cartas de leitores. A explicação viniciana é um primor de elegância e cara de pau. "O cronista não deve ser apenas o que cria a crônica: ele deve ser também, pois que a crônica é da cidade, o que faz, eventualmente, a crônica que outro não fez, ou porque não saber fazê-la, ou por não ser cronista, ou por não querer, simplesmente. De modo que eu queria pedir uma coisa à cidade: quem tiver a sua crônica, que me diga."

Golpe de mestre, que deu certo.

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