Paulo Mendes Campos tinha uma boa receita para a ressaca: "Esqueça os seus compromissos, por mais graves que sejam (o remorso é uma das brechas por onde pode penetrar a fera), fingindo-se absolutamente livre, como se dispusesse de seu tempo à vontade. É de todo necessário que ela [a ressaca] não desconfie do seu encontro na cidade com um gerente de banco."
Tinha um humor elegante, com ligeiro toque surrealista. Sua autobiografia é montada a partir de efemérides: "1922 - Semana de Arte Moderna, revolta do Forte de Copacabana, morte do Papa, o rei entrega o poder a Mussolini. Nada tenho com tudo isso: simplesmente nasço."
Se Rubem Braga partia das pequenas coisas para, com uso econômico das palavras, cutucar a alma dos leitores, PMC não se abreviava diante dos grandes temas —o amor, a morte, o bar— e era explicitamente lírico, com brilho igual ao do amigo mais famoso.
"Erudito sem erudição", também poeta e tradutor, era um dos "quatro mineiros de um íntimo apocalipse" — ele, Fernando Sabino, Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino. Fingia ser livre, como na ressaca, mas vivia encafifado com os mistérios da existência. "Fiquei anos e anos no fundo de um bar, olhando esmagadoramente um copo vazio. (...) Acuado como um cão metafísico, eu gania para a eternidade."
Acompanhado de Fernando Sabino, a quem chamava de "Kafka de eletricidade positiva", ou Vinícius de Moraes, "que saiu capengando para a companhia das mulheres aos dois minutos de jogo", com o chope a permear a conversa, "puxava angústia até o amanhecer", o que também implicava em boas risadas.
Ao citar a máxima de Humphrey Bogart, "Todo o homem está sempre três doses abaixo do normal", rebatia, com um bom gole e a reflexão irrefutável: "Na verdade não é bem isso: o mundo está sempre a ganhar da gente, de um a zero, dois a zero… Bebe-se na esperança de igualar o marcador."
E expandia sua definição, indo ao fundo da garrafa: "O homem bebe para disfarçar a humilhação terrestre. (...) para driblar a si mesmo. [Pois] quem foge de si mesmo se encontra; quem procura encontrar-se afasta-se de si mesmo. É o imbricamento humano."
Na sua cartografia afetiva dos bares, que eventualmente "morrem na quarta-feira", está o Vermelhinho, "entreposto de todas as motivações". Lá, "a geração tomava batida com fervor e a esquerda festiva punha seus primeiros ovos, discretamente, nas cadeiras de palhinha."
Seus textos tinham a marca redonda dos copos com gelo: "Bebia-se com destemor, é verdade, mas naquele tempo o uísque era sempre do melhor e os nossos fígados jovens ainda podiam transformar o álcool etílico em arroubos de amor e poesia."(Leiam, por favor, "Os Sabiás da Crônica", "O Amor Acaba", "Diário da Tarde" e "O Riso é o Jeito").
Ao visitar a União Soviética para o 20º Congresso do Partido Comunista, observou: "A vodca é essencialmente oratória. (...) Eu, que me pelo de falar em público, a golpes de vodca surpreendi-me pedindo a palavra".
Se a autobiografia não tivesse sido interrompida, dá para imaginar algo como: 2022 - Estou em Kiev, de smoking e baioneta. Levo nos bolsos um cisne de feltro, o livro do Barão de Munchausen e uma batida de limão, para o caso de sair voando. Putin se aproxima e me desafia para uma luta de judô. Naturalmente venço.
BATIDA DE LIMÃO
Ingredientes
- 60 ml de cachaça
- 3o ml de água
- 15 ml de suco de limão
- 15 ml de leite condensado
Passo a passo
Bata os ingredientes numa coqueteleira com gelo ou no liquidificador e sirva num copo com gelo.
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