A 'Viúva Negra', obra gigante de Alexander Calder, volta a São Paulo para exposição

Escultura compõe a mostra 'Calder e Miró', que chega ao Tomie Ohtake com trabalhos raros de coleções particulares

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São Paulo

Folhas pretas de metal flutuam sobre o ar com a mesma perspicácia e delicadeza que uma aranha prepara sua teia. Essa é a "Viúva Negra", um móbile de três metros de Alexander Calder que dá as caras no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, após ficar anos em Nova York para reforma.

A obra, doada pelo próprio artista ao Instituto dos Arquitetos do Brasil em 1954, compõe de forma inédita a exposição "Calder + Miró", que chega na cidade após passar pelo Rio de Janeiro em 2022 —naquela edição, o restauro da "Viúva Negra" ainda não estava pronto.

'Viúva Negra', 1948, obra de Alexander Calder doada ao Instituto dos Arquitetos do Brasil
'Viúva Negra', 1948, obra de Alexander Calder doada ao Instituto dos Arquitetos do Brasil - Rafael Schimidt/Calder Foundation New York

Com uma sala dedicada apenas a acomodá-la, a obra não é a única rara da mostra que celebra a amizade entre Calder e Joan Miró, célebre artista espanhol, já que os trabalhos reunidos são de coleções privadas e raramente iluminados por luzes de galerias ou museus. Muitas delas nem sequer chegaram a ser exibidas ao público alguma vez.

No caso de Calder, são exibidas uma série de telas produzidas nas décadas de 1960 e 1970, muitas delas com sóis e luas em cores primárias que dividem o espaço com alguns de seus delicados móbiles, percursores em explorar o movimento na escultura. É o caso, por exemplo, de "Snowflake", ou floco de neve, em que arames finíssimos se unem no ar para sustentar pequenas esferas achatadas e brancas.

"Ele usava os recursos da engenharia, calculando o centro de massa para fazer acontecer e pendurando coisas de forma rudimentar", diz Max Perlingeiro, que organiza a mostra. Cada peça acrescentada na estrutura de arame precisa ser compensada, caso contrário a estrutura cairia para um lado.

O mesmo princípio vale para a "Viúva Negra" e outras esculturas gigantes expostas no instituto, a maioria delas pertencente a Roberto Irineu Marinho, sócio do grupo Globo. "Calder só não foi brasileiro porque nasceu nos Estados Unidos. Ele gostava de samba, de Heitor dos Prazeres, cachaça e feijoada", afirma Perlingeiro.

"Calder não trabalhava com materiais de boa qualidade. Seu ateliê era uma grande oficina, quase que um ferro-velho. Os arames são absolutamente precários", diz o organizador da mostra. Quando visitou o Brasil a convite de Mário Pedrosa e decidiu ficar, seu trabalho foi tropicalizado pelos efeitos da maresia e umidade. "Essa ferrugem não se pinta. É a roupa do tempo", completa o organizador.

Aqui, fez amizade com Lina Bo Bardi e expôs no Masp. Na época, a arquiteta comprou um ventilador e o posicionou atrás de uma cortina do museu, para garantir o movimento dos móbiles do americano, conta Perlingeiro. O artista foi muito bem recebido por arquitetos modernistas e passou a fazer obras encomendadas, e sua permanência no país explica a presença vasta de seu trabalho em coleções particulares.

A amizade com Miró, celebrada em exposições em Nova York quando os dois ainda eram vivos, nasceu na efervescente Paris das décadas de 1920 e 1930. Foi também na cidade que o americano se aproximou de Marcel Duchamp, e o espanhol de André Breton.

As telas explosivas de Miró parecem entoar um dueto inesperado, mas afinadíssimo com os objetos precisos e equilibrados de Calder. Gravuras raras do espanhol revelam caricaturas coloridas de sentimentos indizíveis, trancafiados em um subconsciente rastreado pelos surrealistas.

O uso de mais ou menos pressão na prensa utilizada pelo artista resultou em traços ora mais grossos e encharcados de tinta, outrora ralos e tímidos. A mostra exibe também peças curiosas, como uma pintura feita sobre uma ripa de madeira.

"Ele encontrou [o material] em seu ateliê, pintou, assinou, e foi para uma importante coleção europeia, vendida após sua morte", diz Perlingeiro. Ou, ainda, uma série de livros de poetas, entre eles o brasileiro João Cabral de Melo Neto, para os quais Miró fez ilustrações inéditas.

"Retrato de Joan Miró", de 1973, é como uma relíquia da união entre os dois amigos, que duraria pelo resto de suas vidas. Um rosto com olhos de espiral, um vermelho e outro azul, pintado por Calder sobre uma toalha de mesa de um bar parisiense, enquanto mirava o amigo-modelo. Alguns respingos de vinho ainda podem ser notados sobre o tecido branco.

Calder + Miró

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