Descrição de chapéu Independência, 200

Conheça o marquês de Barbacena, nome decisivo para legitimar Independência

Biografia lembra Caldeira Brant, diplomata que negociou com Portugal os termos da emancipação do Brasil

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Pietro Sant'Anna
São Paulo

Qual personagem histórico melhor simboliza o Primeiro Reinado, período que vai de 1822 a 1831, no qual o Brasil foi governado por dom Pedro 1º?

Creio que a maioria de nós citaria o próprio imperador. Muitos falariam de José Bonifácio, patriarca da Independência e o mais influente ministro de Estado da época. Outros talvez lembrariam algum militar, jornalista ou liderança política de peso, como Francisco Vilela Barbosa, Líbero Badaró, Cipriano Barata ou Frei Caneca.

São todas boas respostas, mas já houve quem dissesse que Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira e Horta (1772-1842), o marquês de Barbacena, era "o próprio Primeiro Reinado".

Hoje praticamente esquecido, ele protagonizou eventos decisivos do período imperial e foi, em parte, responsável pelo reconhecimento do Brasil como nação independente.

gravura em preto e branco apresenta o marquês de barbacena, homem branco com cabelos penteados ao meio, na altura das orelhas, e vestes ornamentadas com arabescos, uma faixa e uma grande medalha
Litografia feita em 1861 por S. A. Sisson retrata marquês de Barbacena - Acervo Digital da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin

Daí a importância da recém-lançada biografia "O Marquês de Barbacena: Política e Sociedade no Brasil Imperial", de Rafael Cupello Peixoto, para que possamos redescobrir e reavaliar o legado desse personagem.

Barbacena deu pelo menos três contribuições decisivas para a história nacional. A primeira delas foi a costura do Tratado do Rio de Janeiro, assinado em agosto de 1825 entre Brasil e Portugal, com mediação do governo britânico. É o documento no qual Portugal reconhece a independência do Brasil.

Na condição de ministro plenipotenciário, lotado na Inglaterra, Caldeira Brant pôde negociar diretamente os termos do acordo, logrando uma espécie de recorde diplomático para a época: uma metrópole europeia reconheceu a emancipação de sua ex-colônia na América menos de três anos após a declaração de independência.

O feito lhe rendeu o título de visconde de Barbacena. Um ano depois, dom Pedro 1º o nomeou marquês e o enviou para liderar as tropas brasileiras na Guerra da Cisplatina, onde acabaria fracassando. Seu prestígio foi recuperado graças à ajuda que deu ao imperador durante a crise de sucessão do trono português.

Com a morte de dom João 6º em 1826, dom Pedro se tornava rei também de Portugal, o que lançava sobre o Brasil, recém-saído do processo da Independência, a ameaça de uma reunificação com o Império lusitano.

Barbacena propôs que o imperador abdicasse do trono português em favor de sua filha, Maria da Glória, então com apenas sete anos, que se tornaria a rainha regente Maria 2ª de Portugal.

Dom Pedro não apenas acatou a ideia como confiou ao marquês a missão de acompanhar a jovem princesa até Lisboa. O plano bem-sucedido garantiu uma sobrevida ao Primeiro Reinado —dom Pedro acabaria tendo que abdicar do trono brasileiro só em 1831.

A terceira grande contribuição do marquês ao país se deu naquele mesmo ano, já durante a Regência. Foi quando Barbacena apresentou a primeira lei proibindo o tráfico negreiro, que passaria para a história como Lei Feijó ou "lei para inglês ver".

A princípio, a atitude pode parecer contraditória, já que o próprio marquês era dono de escravos e engenhos de açúcar. Muitos também explicam a Lei Feijó como mera resposta às pressões internacionais —um código feito sob medida para ser desobedecido, pensado apenas como fachada para aplacar a impaciência dos ingleses.

Peixoto, autor da biografia, mostra no livro que a convicção antiescravista do marquês era sincera, embora não fosse movida por razões morais.

Para ele, a substituição gradual do negro escravizado, tido como "bárbaro" e "desprovido de civilidade", por imigrantes livres e brancos era parte de uma estratégia para garantir a segurança e a unidade do país. Sem homogeneidade cultural e racial, Barbacena acreditava que o Brasil estaria sujeito à fragmentação em momentos de crise.

Essa era, afinal, sua grande obsessão: proteger a Coroa e a integridade do território brasileiro. Barbacena era constitucionalista sem jamais ter sido republicano ou democrata.

Criticava o modelo absolutista, mas considerava inquestionável a legitimidade da monarquia. Defendia, em suma, o "despotismo esclarecido". Como observa Peixoto, não deixa de surpreender como o marquês se manteve fiel a esses princípios durante toda a sua vida.

Isso também ajuda a explicar porque ele foi caindo em esquecimento na segunda metade do século 19, quando o risco de fragmentação do país já não era tão presente. Peixoto argumenta, seguindo a pista de José Murilo de Carvalho, que a geração nascida no Segundo Reinado não compreendia a fixação dos antigos com o tema da unidade territorial.

Logo, a trajetória política de alguém como Caldeira Brant parecia bem menos notável. Eis a ironia: homens como o marquês de Barbacena foram tão eficientes em garantir a integridade política e territorial do Império brasileiro que acabaram contribuindo para sua própria obsolescência ao longo das décadas.

O livro de Peixoto corrige essa distorção, não para "reabilitar" a figura do marquês, é claro, mas para oferecer um diagnóstico equilibrado, amparado por sólida pesquisa documental, da importância de fato desse personagem para a consolidação do Brasil independente.

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