Descrição de chapéu The New York Times

Amazon enfrenta um grave problema de recursos humanos

Uma série de erros no sistema da empresa para lidar com licenças teve consequências devastadoras para funcionários

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Jodi Kantor Karen Weise Grace Ashford
The New York Times

Um ano atrás, Tara Jones, trabalhadora em um depósito da Amazon em Oklahoma, colocou no berço seu bebê recém-nascido, olhou para seu pagamento no telefone e percebeu que tinha recebido uma parcela significativa a menos: US$ 90 de US$ 540 (R$ 503,70 de R$ 3.022).

O erro continuou se repetindo mesmo depois que ela relatou o problema. Jones, que tinha feito aulas de contabilidade na faculdade comunitária, ficou tão exasperada que escreveu um email para Jeff Bezos, o fundador da empresa.

"Estou com as contas atrasadas, tudo porque a equipe de pagamento bagunçou as coisas", escreveu ela semanas depois. "Estou chorando enquanto escrevo este email."

Sem o conhecimento de Jones, sua mensagem para Bezos desencadeou uma investigação interna e uma descoberta: ela estava longe de ser a única. Durante pelo menos um ano e meio —incluindo períodos de lucros recordes—, a Amazon enganou novos pais, pacientes que enfrentavam crises médicas e outros trabalhadores vulneráveis em licença, de acordo com um relatório confidencial sobre as descobertas.

Mulher negra com vestido verde em sala de casa
Tara Jones, trabalhadora em um depósito da Amazon em Oklahoma, que enviou email para Jeff Bezos ao constatar problemas com o pagamento do seu salário e desencadeou investigação - Joseph Rushmore/NYT

Alguns dos cálculos de pagamento naquela unidade estavam errados desde a inauguração, um ano antes. Até 179 dos outros depósitos das empresas também foram potencialmente afetados.

A Amazon está identificando e reembolsando os trabalhadores até hoje, de acordo com Kelly Nantel, porta-voz da empresa.

Esse erro é apenas um dos antigos problemas que dão um nó no sistema da Amazon para lidar com licenças remuneradas e não remuneradas, de acordo com dezenas de entrevistas e centenas de páginas de documentos internos obtidos pelo The New York Times. Juntos, os registros e as entrevistas revelam que os problemas têm sido mais generalizados —afetando funcionários de todos os níveis da empresa— e mais prejudiciais do que se sabia, chegando ao que vários insiders descreveram como um dos mais graves problemas de recursos humanos.

Trabalhadores em todo o país que enfrentavam problemas médicos e outras crises de vida foram demitidos quando o software de frequência erroneamente os marcou como tendo faltado ao serviço, de acordo com antigos e atuais membros do departamento de recursos humanos, alguns dos quais não quiseram ser identificados por medo de retaliação. As anotações dos médicos desapareceram em buracos negros nos bancos de dados da Amazon. Os funcionários lutaram para chegar até seus gerentes de caso, passando por sistemas de telefonia automatizados que encaminhavam suas ligações para equipes de back-office sobrecarregadas na Costa Rica, Índia e Las Vegas. E todo o sistema de licenças era processado em diversos programas que muitas vezes não se comunicavam.

Alguns trabalhadores que estavam prontos para retornar descobriram que o sistema estava atrasado demais para processá-los, resultando em semanas ou meses de perda de renda. Funcionários com salários mais altos, que tinham que navegar pelos mesmos sistemas, descobriram que arranjar uma licença de rotina pode se transformar em um pântano.

Em correspondência interna, os administradores da empresa alertaram sobre "níveis de serviço inadequados", "processos deficientes" e sistemas que são "sujeitos a atrasos e erros".

A extensão do problema mostra claramente que os trabalhadores da Amazon ficaram habitualmente em segundo plano em relação aos clientes durante a ascensão meteórica da empresa ao domínio do varejo. A Amazon construiu instalações de processamento de embalagens de última geração para atender ao apetite dos clientes por entregas rápidas, superando em muito as concorrentes. Mas não dedicou recursos e atenção suficientes à forma como atendia aos funcionários, de acordo com muitos trabalhadores antigos.

"Muitas vezes, porque otimizamos a experiência do cliente, nos concentramos nisso", disse numa entrevista Bethany Reyes, que recentemente foi encarregada de reparar o sistema de licenças. Ela ressaltou que a empresa está trabalhando muito para reequilibrar essas prioridades.

O tratamento que a Amazon dispensa à sua enorme força de trabalho —hoje mais de 1,3 milhão de pessoas e em rápida expansão— enfrenta um escrutínio cada vez maior. Ativistas trabalhistas e alguns legisladores dizem que a empresa não protege adequadamente a segurança dos funcionários dos depósitos e pune injustamente os críticos internos. Este ano, os trabalhadores do Alabama, incomodados com o monitoramento de sua produtividade minuto a minuto pela empresa, organizaram uma séria, embora fracassada, ameaça de sindicalização contra a Amazon.

Duas mulheres carregando cartazes com a frase "direitos sindicais para todos os funcionários da Amazon!"
Funcionários da Amazon protestam à favor da criação de um sindicato para a categoria, no Brooklyn, em Nova York - Brendan McDermid/Reuters

Em junho, uma investigação do Times detalhou como o processo de licenças travou durante a pandemia, descobrindo que foi um dos muitos lapsos de emprego durante o momento de maior sucesso financeiro da empresa. Desde então, a Amazon tem enfatizado a promessa de se tornar "o melhor empregador da Terra". Andy Jassy, que substituiu Bezos como diretor-executivo em julho, recentemente destacou o sistema de licenças como um lugar onde a empresa pode demonstrar seu compromisso com a melhoria. O processo "não funcionou da maneira que queríamos", disse ele em um evento este mês.

Em resposta às descobertas mais recentes sobre os problemas em seu programa de licenças, a Amazon falou sobre seus esforços para consertar os "pontos fracos" e "problemas de pagamento" do sistema, como Reyes disse na entrevista. Ela chamou as demissões erradas de "o problema mais terrível que se poderia ter". A empresa está contratando centenas de funcionários, agilizando e conectando sistemas, esclarecendo suas comunicações e treinando os funcionários de recursos humanos para serem mais empáticos.

Mas muitos problemas persistem, causando interrupções que se mostraram devastadoras. Nesta primavera, um trabalhador em um depósito no Tennessee parou abruptamente de receber pagamentos por invalidez, deixando sua família com dificuldade para pagar por alimentos, transporte ou cuidados médicos.

Casal branco, a mulher está sentada, com blusa florida, e homem está em pé, de preto; ambos têm a expressão séria
James Watts, que trabalhou na Amazon por seis anos antes de tirar a licença por invalidez, com sua esposa Mary Ann na casa em que vivem, em Dalton, nos EUA - Nicole Craine/NYT

"[Não recebemos] nem uma palavra de que houve um problema", disse James Watts, 54, que trabalhou na Amazon em Chattanooga durante seis anos antes de sofrer repetidos ataques cardíacos e derrames que o obrigaram a tirar licença por invalidez. A perda repentina de seus benefícios causou uma cascata de calamidades: como ele ficou sem receber pagamento por duas semanas, seu carro foi retomado. Para pagar por alimentos e contas médicas, Watts e sua esposa venderam as alianças de casamento.

"Estamos perdendo tudo", disse ele.

Os benefícios recomeçaram sem explicação vários meses depois, mas o casal ainda luta para recuperar o equilíbrio. Nantel disse que a Amazon lamenta a situação de Watts, que o caso era muito confuso e que está trabalhando para simplificar o processamento das licenças.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.