PT discute retirar do teto de modo permanente despesas sociais além do Bolsa Família

Wellington Dias, responsável pelo Orçamento, diz que medida deve valer para todos os anos

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Brasília

A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer retirar um conjunto de despesas sociais de maneira permanente do teto de gastos. O plano, citado na última segunda-feira (7) por interlocutores, agora é comentado de forma aberta por integrantes do partido.

O grupo trabalha para estabelecer essa exceção na PEC (proposta de emenda à Constituição) anunciada na semana passada para abrir espaço no Orçamento. O objetivo é garantir recursos não apenas em 2023, mas também nos anos seguintes.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante reunião com prefeitos paulistas - Carla Carniel/Reuters

A previsão é que sejam incluídas na PEC promessas de campanha de Lula, como a manutenção do valor mínimo de R$ 600 para o Bolsa Família (como o PT pretende rebatizar o Auxílio Brasil) e o benefício adicional de R$ 150 para crianças menores de seis anos.

Os responsáveis pelo texto afirmam que a proposta não deverá delimitar um período em que algumas despesas sociais ficariam de fora teto de gastos —ou seja, a exceção inicialmente prevista apenas para 2023 poderia se tornar permanente.

Isso deixaria o governo Lula sem essa amarra para expansão do programa de transferência de renda e outras medidas na área social –uma das apostas do presidente eleito para impulsionar o crescimento da economia.

"O ideal é incluir os pobres no Orçamento e ficar", disse à Folha o senador eleito Wellington Dias (PT-PI). Ele foi escalado por Lula para atuar nas negociações em torno das mudanças na proposta de Orçamento para 2023.

"É uma excepcionalidade para essa parte social. O que é o social é o que vai ser definido. Não é só a questão do Auxílio [Brasil]", afirmou. "O entendimento é que essa parte vai ter todos os anos."

A equipe de Lula ainda fará discussões internas para bater o martelo, além de negociar com o Congresso as regras e o rol de despesas que ficariam livres de limitação.

Dias, por outro lado, afirmou que a ideia não muda a intenção do governo Lula de rever o teto de gastos –o presidente eleito falou, durante a campanha, em extinguir essa regra de controle das despesas públicas.

"Não altera nosso compromisso em rever [o teto]. O que o presidente quer é ter compromisso fiscal e de controle das contas", declarou o senador eleito.

A equipe que trabalha na PEC vai analisar quais despesas seriam permanentes e poderiam ficar fora do teto sem período definido. Isso vale, por exemplo, para as medidas de ampliação do Bolsa Família.

No caso de despesas de curto prazo, como os recursos para zerar a fila do SUS, não seria necessário prever que os gastos ficarão de forma permanente sem a limitação do teto.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que ainda não discutiu a proposta do PT para tirar os gastos sociais do teto de forma permanente, mas indicou que esse é um caminho para solucionar o problema de falta de recursos para a área social.

"Nós temos um problema de espaço fiscal para passar para R$ 600 o Auxílio Brasil e teremos o mesmo problema fiscal ao longo dos anos em função do teto de gastos", afirmou Pacheco à Folha.

"Pode ter a intenção de antecipar para essa PEC agora uma solução definitiva sobre o espaço fiscal ao longo do tempo para os programas sociais", completou o presidente do Senado.

Segundo aliados de Lula, a estimativa é que serão necessários cerca de R$ 175 bilhões acima do limite do teto para atender propostas prioritárias do presidente eleito.

Na área social, cálculos preliminares sinalizam que seriam imprescindíveis ao menos cerca de R$ 52 bilhões para manter o Bolsa Família em R$ 600 e outros R$ 18 bilhões para garantir um adicional de R$ 150 por criança de zero a seis anos.

Existe a expectativa de se incluir ao menos R$ 100 bilhões para outras despesas, inclusive investimentos.

A tendência é que a PEC comece a ser analisada pelo Senado –Pacheco tem apoiado a elaboração do texto.

PEC é o caminho mais provável, diz Alckmin

O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), disse nesta terça-feira (8) que a solução para o Orçamento de 2023 será definida "nos próximos dias" e que várias alternativas estão sendo analisadas pela equipe de transição, da qual ele é coordenador. Segundo ele, no entanto, a saída mais provável é mesmo a criação de uma PEC.

"Devemos nos próximos dias definir o caminho, um deles —e certamente o mais provável— é o caminho PEC-LOA [Lei Orçamentária Anual]. Aí é uma construção coletiva, se esse for o caminho definido que estamos estudando. Deve ser definido até amanhã ou depois, e o foco é a questão social", disse nesta terça (8) após reunião com o presidente da CMO (Comissão Mista de Orçamento), Celso Sabino (União-PA).

"A definição, se vai ser PEC, se não vai ser PEC, o valor, o formato, isso vai ser feito nos próximos dias", afirmou em entrevista mais cedo a jornalistas no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), sede do governo de transição, sem detalhar o tamanho da fatura projetado pelo novo governo.

Para facilitar as negociações, a PEC seria relatada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), que também é o relator-geral do Orçamento de 2023. A concentração dos dois relatórios poderia simplificar o trabalho de sintonizar os ajustes em cada uma das propostas.

Aliados de Lula, porém, criticaram a opção da PEC, por obrigar o novo governo de empenhar seu capital político em uma articulação delicada para a aprovar uma mudança constitucional, que requer apoio de 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores.

Um deles foi o senador Renan Calheiros (MDB-AL), adversário político do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que ganharia poder de barganha com o envio da PEC. Renan disse à coluna Painel, da Folha, que a proposta seria uma "barbeiragem".

A busca por alternativas colocou sobre a mesa algumas opções adicionais. Uma delas é recorrer a um precedente do TCU (Tribunal de Contas da União) para bancar parte das despesas necessárias com créditos extraordinários, instrumento que fica fora do teto de gastos e é destinado a gastos urgentes e imprevisíveis.

Como mostrou a Folha, porém, essa via encontra alguns obstáculos técnicos, uma vez que não resolve as travas da meta fiscal (que permite déficit de até R$ 65,9 bilhões no ano que vem) e da regra de ouro (que impede a emissão de dívida pública para bancar despesas correntes, como é o caso dos benefícios sociais).

Outra opção é buscar respaldo no STF (Supremo Tribunal Federal). Uma decisão da Corte em 2021 determinou ao Poder Executivo regulamentar a Renda Básica de Cidadania, prevista em uma lei de 2004, até o fim de 2022.

O entendimento é que a regulamentação foi atendida por meio da implementação do Auxílio Brasil de no mínimo R$ 400, ainda no fim do ano passado.

Segundo interlocutores da equipe de Lula ouvidos pela Folha, a estratégia seria obter uma nova decisão judicial no sentido de que, dada a lei da Renda Básica, o governo não pode reduzir o valor —determinando a manutenção dos R$ 600. Com esse entendimento, abre-se caminho para o crédito extraordinário.

Nos bastidores, porém, há uma preferência pela PEC, porque a proposta aprovada pelo Congresso seria a melhor maneira de dar "blindagem jurídica" aos atos de Lula após ele tomar posse como novo presidente.

No entanto, não se descarta fazer uma combinação das alternativas. Há a possibilidade de prever as despesas adicionais no Orçamento, deixando-as condicionadas à aprovação da PEC —o que daria maior margem de tempo para a aprovação do texto no Congresso—, e bancar os pagamentos iniciais do programa social com o dinheiro já garantido. Seria uma antecipação dos fluxos de verbas previstas para o Bolsa Família, até que a PEC fosse aprovada.

A decisão final, porém, dependerá de uma série de reuniões com lideranças políticas previstas para ocorrer nos próximos dias.

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