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Cresce empolgação com e-sports, mas onde estão os lucros?

Os proprietários de equipes de esportes tradicionais que investiram em competições de videogames dizem que o dinheiro não está entrando tão rápido quanto eles esperavam

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Kellen Browning
The New York Times

Os combates tensos e renhidos já tinham durado mais de três horas —como mostrava o enorme telão do Chase Center de São Francisco— quando a plateia lotada de espectadores, que brandiam bastões infláveis e gritavam entusiasticamente, parece ter sentido que a vitória estava próxima.

Uma equipe sul-coreana de e-sports, a DRX, conduziu seus personagens de videogame à base do adversário, a equipe T1, e despedaçou o Nexus, uma pedra preciosa azul, do adversário, conquistando o título mundial de League of Legends deste ano.

Os torcedores celebraram com urros exultantes, fogos de artifício estouraram, os vencedores trocaram abraços e os derrotados derramaram lágrimas sobre seus teclados. Executivos da Riot Games, a produtora de League of Legends, presentearam os integrantes da equipe DRX com anéis de diamantes patrocinados pela Mercedes, para celebrar a chegada dos atletas ao topo da pirâmide dos jogos eletrônicos.

Campeonato de e-sports "League of Legends World Championships", na Califórnia, nos EUA - Kelley L Cox - 5.nov.2022/USA TODAY Sports

O evento foi cuidadosamente coreografado, e era o tipo de espetáculo que as produtoras de videogames prometeram aos investidores em esportes tradicionais quando primeiro tentaram atrair seu dinheiro para esse setor esportivo de rápido crescimento, na metade da década de 2010.

"Lembro-me de ver uma equipe saindo, e fãs alucinados, pedindo autógrafos. Pensei comigo mesmo que aquilo era muito parecido com a nossa experiência", disse Zach Leonsis, filho de Ted Leonsis, dono do Washington Wizards, da NBA, e do Washington Capitals, da NHL. Leonsis filho decidiu investir em uma equipe de esportes eletrônicos em 2016.

Mas apesar do crescimento do setor e de seus atrativos para os consumidores jovens, que os proprietários de equipes de esportes tradicionais estão desesperados por conquistar, não surgiram grandes investimentos. O entusiasmo de alguns proprietários de equipes esportivas tradicionais quanto às perspectivas do setor em curto prazo arrefeceu, depois que eles descobriram que os métodos que geram lucro nos esportes tradicionais —como a construção de torcidas em cidades específicas e a obtenção de contratos lucrativos com redes de televisão— nem sempre se aplicam aos e-sports.

A maioria dos que investiram ainda não obteve lucros ou viu retornos sobre seus investimentos, e as produtoras de videogames que administram as maiores ligas competitivas da América do Norte, como a Riot e a Activision Blizzard, estão operando essas ligas com prejuízo ou apenas agora saindo do vermelho.

Embora grandes eventos de esportes eletrônicos lotem arenas como o Chase Center e atraiam dezenas de milhões de espectadores na China, os ingressos custam menos do que nos jogos de esportes tradicionais, e o número de americanos que estão assistindo a e-sports é muito inferior aos 124 milhões de espectadores que assistiram às finais da NBA em 2022 ou à média de 17 milhões de espectadores que os jogos de temporada regular da NFL registraram em 2021, uma diferença que significa menos interesse por parte dos anunciantes.

O crucial é que ligas como a NBA e a NFL faturam bilhões de dólares por ano com seus contratos de transmissão televisiva, enquanto muitos torneios de e-sports são transmitidos gratuitamente em sites como o YouTube e o Twitch. Algumas projeções iniciais de receita superestimaram o valor de venda de direitos de transmissão ao Twitch e ao YouTube, e esses contratos terminaram por ser menos lucrativos e menos frequentes do que o esperado.

Naturalmente, os investidores em e-sports não tinham a expectativa de que o segmento suplantasse os esportes tradicionais em apenas alguns anos. Mas mesmo assim, alguns deles ainda se desiludiram com os primeiros retornos obtidos.

"Disseram-nos que o crescimento dessas ligas seria meteórico, e todos nós acreditamos nessas estimativas", disse Ben Spoont, presidente-executivo de uma organização esportiva chamada Misfits Gaming, que tem entre seus investidores os proprietários do Orlando Magic, da NBA, e do Cleveland Browns, da NFL. "O que aconteceu é que o crescimento não se materializou tão rapidamente quanto esperávamos".

Há outros desafios. A maioria das competições da League of Legends na América do Norte acontece na arena da Riot em Los Angeles, onde muitas equipes estão sediadas. Isso priva as equipes esportivas de uma oportunidade de ganhar dinheiro ao sediar jogos ou de construir uma torcida em uma região específica.

A Activision planejava mudar essa situação ao criar ligas baseadas nos jogos de combate "Overwatch" e "Call of Duty". As duas ligas teriam equipes jogando em casa e fora, e envolveriam equipes de todo o mundo, em um sistema semelhante ao dos esportes tradicionais. A Activion colocou cotas da liga de Overwatch à venda por US$ 20 milhões (R$ 105,8 milhões).

Mas a liga estava só começando a ganhar impulso quando a pandemia da Covid-19 forçou o cancelamento dos eventos presenciais. Desde então, ela está batalhando para ganhar impulso. A Activision permitiu que as equipes postergassem o pagamento de suas taxas de participação na liga e agora as está ajudando a cobrir seus custos, contribuindo com cerca de US$ 1 milhão (R$ 5,3 milhões) para o orçamento de cada equipe da liga este ano, de acordo com uma pessoa informada sobre as finanças da liga.

"Mesmo com a calibragem que teve de ser alterada por conta da pandemia, lotamos arenas e registramos públicos recorde", disse Joe Christinat, porta-voz da Activision, acrescentando que existia "entusiasmo avassalador" pelos novos jogos de "Overwatch" e "Call of Duty". "Nossos fãs querem essas ligas, e mantemos nosso compromisso para com elas".

Os investidores também perceberam que os incentivos das produtoras de videogames não necessariamente se alinham aos deles. As produtoras podem se dar ao luxo de operar ligas esportivas deficitárias, desde que estas despertem o interesse por seus videogames lucrativos, e por isso às vezes priorizam o crescimento em detrimento da receita. A Riot, por exemplo, pode hesitar em assinar um contrato exclusivo para transmitir a League of Legends no YouTube ou Twitch porque isso impediria que os espectadores da China, onde ambos os serviços estão bloqueados, assistissem.

Esse conflito de objetivos às vezes resulta em negociações tensas.

Os executivos de videogames pedem paciência. Dizem que os e-sports, populares há décadas na Ásia, ainda estão nascendo na América do Norte e devem ser considerados mais como uma startup e de alto crescimento do que como um negócio totalmente maduro. Os telespectadores dos Estados Unidos assistiram a 217 milhões de horas de conteúdo de e-sports este ano, de acordo com uma estimativa da empresa de dados Stream Hatchet, bem acima dos 147 milhões de horas de 2018. "Nós costumamos dizer que é como se ainda estivéssemos na era dos capacetes de couro da NFL", afirmou Naz Aletaha, presidente mundial de e-sports da League of Legends.

Muitos investidores nesse segmento ainda acreditam que os e-sports acabarão se tornando um setor dominante e lucrativo. Mas em curto prazo, alguns deles se sentem "muito frustrados", disse John Needham, presidente de e-sports da Riot, acrescentando que sua empresa trabalhou para convencer os investidores a adotar um modelo de monetização diferente.

Embora os patrocínios ainda respondam pela maioria da receita, um dos fundamentos da estratégia da Riot são as microtransações: a venda de itens recreativos de League of Legends para os avatares dos jogadores, com temas que giram em torno de eventos esportivos do mundo real, como o campeonato mundial de League of Legends.

Essa parece ser uma fonte de receita estreita, mas os primeiros números vêm sendo muito positivos. Quando a Riot sediou o campeonato de 2022 do Valorant, outro e-sport, faturou cerca de US$ 40 milhões (R$ 211,7 milhões) somente com microtransações. Metade do total foi direcionado às equipes do campeonato por meio de um acordo de compartilhamento de receita.

"É nesse ponto que vamos desordenar a fórmula de receita da transmissão televisiva tradicional, porque podemos ganhar escala", disse Needham.

Por enquanto, o dispendioso processo de montar equipes competitivas de e-sports serve simplesmente como um catalisador para as operações reais de geração de receita em muitas organizações de esportes eletrônicos. Equipes proeminentes como a FaZe Clan e a 100 Thieves se transformaram em marcas de estilo de vida mais amplas, que oferecem aos espectadores roupas e entretenimento "livestream". A FaZe Clan, que abriu seu capital este ano, o que foi visto como um marco para o setor, está perdendo dinheiro e cortando custos, por conta da queda no valor de suas ações.

Felix LaHaye, presidente-executivo da United Esports, uma agência de marketing de jogos, comparou as disputas competitivas de e-sports a uma montadora de automóveis que mantenha uma equipe de Fórmula 1 —um projeto caro, mas que atrai atenção e prestígio.

"A equipe cria valor em outro lugar do ecossistema da empresa", disse LaHaye. "Vale a pena aceitar um prejuízo vindo de um produto que cria uma marca, e mais tarde permite a venda de produtos normais para as pessoas".

Mesmo o Team Liquid, considerado como uma das organizações de e-sports com foco mais firme nas competições, obtém boa parte de seu faturamento de outras fontes, e agora tem nove fontes distintas de receita, entre as quais um site enciclopédia de e-sports, disse Mark Vela, presidente-executivo da Axiomatic Gaming, que controla o Team Liquid.

"É uma evolução natural", disse Vela. "Todos estão tendo que dar um passo para trás e descobrir o que realmente funciona para nós na situação atual".

O Team Liquid, que registrou mais de US$ 38 milhões (R$ 201 milhões) em receita no ano passado, ainda não é lucrativo, mas Vela, cujo grupo de proprietários inclui a família Leonsis, disse que os e-sports continuam a ser sedutores por conta do tipo raro de espectador que atraem: jovem e endinheirado.

Spoont também encara a situação com otimismo, em longo prazo, mas não está disposto a esperar. Em julho, ele vendeu sua equipe da European League of Legends a um grupo espanhol de e-sports por cerca de US$ 35 milhões (R$ 185,2 milhões). Ele disse que estava reorientando a Misfits para se concentrar na criação de conteúdo, em parte porque pode demorar uma década para que os e-sports competitivos atinjam seu potencial.

"Estamos tentando realizar, como setor, algo que a NBA levou 50 anos para conseguir, mas queremos fazê-lo em um período de cinco anos", ele disse, referindo-se às muitas equipes da NBA que não se tornaram negócios lucrativos imediatamente. "Infelizmente, coisas assim não acontecem".

*Kellen Browning participou do campeonato mundial de League of Legends em San Francisco como parte de seu trabalho de reportagem

Tradução de Paulo Migliacci

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