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PT busca apagar incêndio com Lira para evitar desidratação da PEC na Câmara

Presidente do Senado afirma que 'essência' da proposta está mantida e que espera aprovação nos mesmos termos

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Brasília

Em meio à reclamação de deputados federais sobre a versão da PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição aprovada pelo Senado, o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer reforçar o acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), para que o texto não seja desidratado.

Lira havia afirmado ao petista que a Câmara aprovaria o texto que saísse do Senado, sem alterações, mas uma ala do centrão insiste na redução do prazo de dois anos para um ano. A pressão vem, principalmente, dos partidos que estão na base do presidente Jair Bolsonaro (PL) –Republicanos, Progressistas e PL, além da União Brasil.

Lira (esq.) e Lula em encontro em Brasília
Lira (esq.) e Lula em encontro em Brasília - Adriano Machado - 9.nov.22/Reuters

A proposta aprovada nesta quarta (7) pelo Senado amplia o teto de gastos em R$ 145 bilhões em 2023 e 2024 para o pagamento do Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família) e libera R$ 23 bilhões para investimentos fora do teto em caso de arrecadação de receitas extraordinárias, além de conter outras medidas.

Para preservar o texto, o PT conta com o apoio do presidente da Câmara e do líder da bancada da União Brasil, deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil-BA) –atualmente o mais cotado para assumir a relatoria na Câmara.

Elmar já se reuniu com Lula, quando a União Brasil foi convidada para fazer parte da base do novo governo, e também com Alckmin mais recentemente para tratar da PEC. Na segunda (5), o deputado se encontrou com os presidentes das duas Casas, além do relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), e o relator no Senado, Alexandre Silveira (PSD-MG).

Nesta quarta, após a aprovação da proposta no Senado, Elmar disse a deputados que não se opõe ao prazo de dois anos –considerado fundamental pelo PT para que haja tempo de trabalhar o Orçamento de 2024 (a primeira etapa, o projeto de diretrizes orçamentárias, precisa ser concluída já daqui a quatro meses) antes de ser definida a regra fiscal substituta do teto de gastos. Mesmo assim, ele avisou que precisará ouvir a maioria da Câmara sobre esse assunto.

Portanto, a versão final da PEC dependerá da articulação política do PT. Uma mudança como o encurtamento do prazo representaria uma dura derrota a Lula, inclusive porque a proposta teria que voltar ao Senado na reta final dos trabalhos do Legislativo, ou seja, com pouca margem para novas negociações.

O líder da União Brasil, contudo, já quer discutir com o governo eleito como será aplicado o espaço fiscal aberto no Orçamento, além dos dispositivos que devem elevar o montante à disposição de Lula —como os recursos abandonados nas contas do PIS/Pasep há no mínimo 20 anos.

O deputado federal ainda não se posicionou sobre o impacto da PEC. A proposta original previa R$ 175 bilhões para o pagamento do Bolsa Família, mas o valor acabou reduzido para R$ 145 bilhões durante as negociações na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. Alguns integrantes do centrão também querem desidratar ainda mais esse valor.

Aliados de Lula entraram em campo nesta quarta para tentar impedir que o julgamento em curso do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre as emendas de relator abale os planos do petista de construir uma base política do novo governo no Congresso e de aprovar a PEC da Transição nos moldes chancelados pelo Senado.

O clima melhorou depois que integrantes do PT procuraram Lira para passar a mensagem de que Lula não articulou para que o STF pautasse as ações que questionam as emendas nem irá tentar influenciar o resultado.

Na quarta-feira, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), se reuniu com a bancada do PP para discutir a relação do partido com a equipe de transição e a posição em relação à PEC. Segundo relatos de dois deputados, Ciro defendeu na reunião que o prazo da PEC seja de um ano.

O ministro, um dos principais caciques do partido, ainda afirmou a eles que é favorável ao adiamento da votação da PEC caso nenhum ministro do STF peça vista (mais tempo para análise) no julgamento sobre as emendas de relator, que será retomado na quarta-feira (14).

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), afirmou nesta quinta que a votação da PEC e o julgamento das emendas de relator no STF "são coisas independentes" e se disse confiante na aprovação na Casa vizinha.

"O nosso compromisso com o país de estabelecer o Bolsa Família, de votar uma proposta de Emenda à Constituição, não devem ser influenciados por decisão do STF. Mas é óbvio que o Congresso Nacional tem a sua convicção em relação às emendas de relator e isso está externado no julgamento."

Em manifestação enviada ao STF, o Congresso defendeu a constitucionalidade das emendas de relator e defendeu que os ministros da Corte mantenham o mecanismo usado para negociações políticas.

Pacheco afirmou ainda que espera que a Câmara dos Deputados aprove o texto no mesmo tamanho e nas mesmas condições. Segundo ele, não houve nada "inovador" na Casa que preside que possa ter surpreendido os deputados federais.

"Não fiz contato com o presidente Arthur Lira, mas houve sempre uma percepção de que o Senado, ao tomar essa decisão de fazer a PEC do tamanho que ela ficou e nas condições em que ela foi estabelecida, [geraria] uma expectativa de que a Câmara possa encaminhar desta mesma forma", afirmou Pacheco.

Nos bastidores, parlamentares comentaram que Lira teria ficado insatisfeito com a falta de alinhamento na Câmara em relação ao texto da PEC negociado no Senado.

Pacheco e Castro descartaram a possibilidade de deixar a votação do PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) para o ano que vem. A lei contém a previsão de gastos do governo federal para o ano seguinte.

O relator do Orçamento afirmou que já está trabalhando em seu relatório com base no texto da PEC aprovado pelo Senado. O senador tem cobrado a aprovação da proposta a tempo de fazer ajustes no seu relatório. Inicialmente, ele dizia que precisava do texto até 16 de dezembro. Nesta quinta, afirmou que "o quanto mais cedo a Câmara aprovar, melhor".

A PEC é a principal aposta do presidente eleito para cumprir promessas de campanha, como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600 e o adicional de R$ 150 por criança até seis anos. O valor reservado para o programa sem a PEC é suficiente apenas para o pagamento de R$ 405 por família.

A distribuição do uso dos recursos a serem autorizados pela PEC não será prerrogativa apenas do governo eleito —como previa a proposta inicial—, mas também pelas comissões permanentes do Congresso. O relator-geral do Orçamento afirmou, no entanto, que vai atender às solicitações da equipe de transição.

Em acordo entre líderes partidários e o PT, o Senado deixou uma brecha para que a PEC também possa abrir espaço no Orçamento de 2022. No trecho que permite investimentos adicionais quando houver receitas extraordinárias, até o limite de R$ 23 bilhões, foi retirada a trava de que essa medida valeria apenas a partir de 2023.

Com isso, há margem para que o governo de Bolsonaro libere emendas parlamentares que estão bloqueadas por causa do aperto fiscal. A articulação para usar a PEC de Lula para destravar as emendas de aliados do mandatário foi revelada pela Folha em novembro.

Os gastos extras aprofundam o resultado negativo nas contas públicas previsto para 2023, caso não haja elevação nas receitas ou corte de despesas de forma suficiente. O Orçamento projeta oficialmente um rombo de R$ 63,5 bilhões, mas o atual governo atualizou essa estimativa para um número menor, embora ainda negativo em R$ 40,4 bilhões.

A existência de déficits públicos indica que o governo está financiando despesas por meio de emissão de um volume maior da dívida brasileira. O custo fica próximo da taxa básica de juros da economia, a Selic, hoje em 13,75% ao ano.

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