Descrição de chapéu Financial Times

Fábrica de moda: Mango traz produção para mais perto e reavalia a China

Políticas e caos na cadeia de suprimentos global provocam reformas na terceirização da rede de roupas

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Barney Jopson
Palau-solità i Plegamans (Espanha) | Financial Times

Em 1970, um jovem imigrante turco chamado Isak Andic começou a importar blusas de seu país natal para a Espanha, levando algo diferente para pessoas que viviam sob uma ditadura. Aos 17 anos, ele as comercializou primeiro como atacadista em Barcelona, depois abriu uma loja e também as vendia na traseira de um carro que dirigia pelo país. Foi o início de um negócio de moda que, 14 anos depois, ele chamaria de Mango.

Hoje, a posição de Andic como único acionista da Mango o tornou uma das pessoas mais ricas da Espanha, e seu império se expandiu para cerca de 2.600 lojas em todo o mundo. Continua comprando roupas da Turquia e de outros 18 países. Mas a pandemia e a guerra na Europa, juntamente com os atritos entre Pequim e o Ocidente, o estão obrigando a repensar sua cadeia de suprimentos e o papel central da China em suas operações.

Funcionárias trabalham na fábrica de vestuário na China - Aly Song -7.jun.10/Reuters

Toni Ruiz, nomeado executivo-chefe da Andic em 2020, disse que a globalização permitiu que as empresas se tornassem "supereficientes" em limitar os custos de produção em tempos tranquilos. "Mas, afinal, o que percebemos é que as coisas podem mudar de um momento para outro."

Ele lembrou a recente escassez de microchips taiwaneses e as fábricas de automóveis europeias que foram paralisadas pela falta de um chicote elétrico fabricado na Ucrânia. "Toda a cadeia [de suprimentos] é tão forte quanto seu elo mais fraco", disse ele.

No caso da Mango, a cadeia é incrivelmente complexa. A varejista adquire seus vestidos de festa brilhantes de 40 euros, camisetas de 15 e casacos de inverno de 100 euros de 408 fornecedores que possuem cerca de 1.000 fábricas, três quintos delas na Ásia. A Apple, que recentemente alertou sobre a interrupção do fornecimento por causa de uma revolta contra o lockdown numa fábrica chinesa, tem 180 fornecedores diretos.

"O que estamos vendo é até que ponto essa terceirização global, desenvolvida ao longo de muitos anos, pode se tornar mais local", disse Ruiz. "Estamos constantemente pensando em alternativas."

A Mango já exerce muito controle central. Nenhum produto chega aos compradores sem antes passar por seu centro de distribuição ao norte de Barcelona, onde 75 mil artigos por hora percorrem um circuito de trilhos suspensos para ser classificados em um guarda-roupa gigante de 170 metros de comprimento.

Mas durante a pandemia a empresa esteve numa luta constante, aumentando e diminuindo a produção em toda a Ásia conforme os surtos de Covid-19 aumentavam e diminuíam na China, Vietnã, Bangladesh e Índia. No ano passado, a falta de navios porta-contêineres deixou seus produtos encalhados longe da Europa. "Em setembro, outubro e novembro, estávamos todos rezando para que o tempo não fosse ruim, porque não tínhamos roupas quentes", disse Ruiz.

Existem questões específicas na China, onde a Mango compra de 262 fábricas, como as políticas de Covid zero que Pequim começou a relaxar esta semana e regras rígidas de visto e quarentena que desanimam os viajantes de negócios. Depois, há as tensas relações de Pequim com Washington e as potências europeias, que Ruiz destacou, e preocupações com o potencial conflito entre China e Taiwan, que ele descreveu como "parte de tudo".

"Nesse debate sobre se 30 anos de globalização vão continuar ou retroceder, o mais importante para acompanharmos em detalhes é a questão da China", afirmou. Questionado se a Mango reduziria a proporção que compra do país, Ruiz respondeu: "Eu diria que sim, mas estaremos muito atentos à evolução das coisas".

A Mango ganha alguma liberdade com o fato de ter apenas seis lojas na China continental e os consumidores contribuírem pouco para as vendas totais, que este ano ultrapassará seu recorde de 2,4 bilhões de euros (R$ 13,25 bilhões) em 2019.

Outras marcas já se moveram de forma mais decisiva. A Levi's, fabricante de jeans americana, e a Dr. Martens, fabricante de botas do Reino Unido, vêm reduzindo suas compras na China desde antes da pandemia.

Outro fator que força as empresas a reavaliar sua exposição é Xinjiang, diz Brian Ehrig, especialista em cadeia de suprimentos da consultoria Kearney. Denúncias de uso de trabalho forçado nas fábricas da região levaram a leis nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Alemanha e em outros lugares que pressionam as empresas a eliminar possíveis vínculos com o abuso. "O que estamos vendo é que o caminho de menor resistência é mover a produção para fora da China o mais rápido possível", disse Ehrig. A Mango disse que não tinha fornecedores de Xinjiang e não trabalhava diretamente com nenhuma outra empresa da região.

O varejista tem alternativas à China por meio de uma cadeia de suprimentos de duas vias. A Ásia é a pista de "longa distância", produzindo itens básicos como camisetas que normalmente levam de seis a oito semanas para chegar de navio à Espanha. A pista de "proximidade" compreende principalmente a Turquia e o Marrocos, onde ela produz roupas mais elegantes, todas desenhadas em sua sede em Palau-solità i Plegamans, no interior da Catalunha (Espanha). Esses produtos chegam ao centro de distribuição em quatro a seis dias, dando à Mango a capacidade de aumentar a produção rapidamente para reabastecer os suprimentos quando um item é popular.

Turquia e Marrocos desempenham um papel semelhante para a Inditex, dona da Zara, e são os lugares óbvios para a Mango expandir a produção mais perto de casa. Também apontou o potencial da Romênia, onde utiliza três fábricas. Ruiz disse que o México é uma opção na América Central, pois planeja quadruplicar o número de lojas nos EUA para 40 até 2024.

Luis Casacuberta, diretor dos negócios femininos, infantis e domésticos da Mango, disse que a empresa busca não apenas flexibilidade, mas também "robustez". Ao contrário das montadoras, disse ele, isso não significa simplesmente ter um número maior de fornecedores disponíveis. "Já temos um nível razoável de diversificação. O que pretendemos é o oposto. Como construímos uma base muito mais sólida?"

A chave para isso, disse ele, foi encontrar fornecedores que já fizessem um bom trabalho fabricando produtos da Mango e estivessem dispostos a abrir fábricas em mais de um país. "Então, o fluxo de navios dos portos de Bangladesh foi interrompido? Ou houve inundações? Isso nos permite girar com o mesmo fornecedor."

Ruiz tem lidado com surpresas indesejáveis desde o primeiro dia. Ele sucedeu Andiz, agora presidente da Mango, quando a pandemia se instalou. O primeiro documento que ele assinou colocou vários milhares de funcionários em licença. Mas se a Mango ficasse muito obcecada com o que poderia dar errado, disse ele, "não faríamos nada".

"As coisas que estão fora de nossa esfera de influência são enormes, mas trata-se de gerenciar as coisas que estão dentro de nossa esfera de influência. Então vamos partir para a ofensiva, vamos conquistar o mercado, depois vamos ter planos alternativos caso aconteçam coisas."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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