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Acordo com Lira foi salvaguarda do governo no arcabouço, mas resultado não reflete base de Lula

Votação mostra alinhamento do Congresso a pautas do mercado financeiro, e não necessariamente ao governo

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Thiago Resende

Desde janeiro de 2019, trabalha na Sucursal de Brasília. Escreve sobre política e economia. É formado em Jornalismo pela UnB (Universidade de Brasília).

Não havia forte resistência ao projeto do arcabouço fiscal quando o texto foi apresentado. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), indicava por uma votação rápida, enquanto líderes do centrão pediam ajustes pontuais e mencionavam elogios do mercado financeiro ao trabalho de Fernando Haddad (Fazenda).

O jogo político, então, passou a ter maior peso na definição do caminho da proposta. O risco era o centrão querer usar essa votação para dar mais um recado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da insatisfação com o ritmo de liberação de cargos e emendas.

Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e ministro Fernando Haddad (Fazenda) durante entrega do arcabouço fiscal ao Congresso
Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e ministro Fernando Haddad (Fazenda) durante entrega do arcabouço fiscal ao Congresso - Ueslei Marcelino/Reuters

Eis que Lira funcionou como uma salvaguarda para o governo. O presidente da Câmara pediu a aliados —que representam a maioria dos votos– para poupar o arcabouço fiscal de questões políticas e dar ao mercado os rumos para as contas públicas do país.

Para aprovar o projeto, Lula fez então correções na articulação, mas precisou gastar pouco. Liberou, até agora, menos emendas do que em anos anteriores. E não foi necessário se envolver diretamente nas negociações.

A aliança com Lira para o novo marco fiscal, que começou ainda na transição de governo, deu a segurança necessária ao Planalto na votação.

O placar de 372 votos a 108, anunciado na noite desta terça-feira (23), foi comemorado pelo governo Lula, mas não reflete a força política do presidente dentro do plenário. O resultado expõe, mais uma vez, um alinhamento do Congresso a pautas do mercado financeiro, e, portanto, não necessariamente a Lula.

A fatura da Câmara ao Planalto ainda vai chegar e, provavelmente, com uma cobrança adicional.

O núcleo duro da base política de Lula rachou. Pressionados pelo presidente, petistas deram apoio à proposta –porém alguns votaram ressentidos. O PSOL e a Rede, que têm ministérios, foram contrários ao texto.

Poucas semanas antes da votação, Lira fez chegar ao Planalto a mensagem de que a tarefa do governo era controlar os ataques da esquerda ao projeto e que, assim, os votos na Câmara para aprovação do texto estariam garantidos.

A operação do governo conseguiu amarrar todos os votos do PT –mas não impediu críticas de integrantes da bancada à medida fiscal.

A votação mostrou ainda que a esquerda tem fôlego limitado.

O arcabouço seria aprovado por mais de 300 votos mesmo se os 23 deputados do PT que assinaram o documento contra o projeto e toda a bancada mais próxima de Lula (Avante, PCdoB, PDT, PSB e PV) adotassem a mesma postura que o PSOL e a Rede –de rejeição ao texto.

O presidente Lula, em Brasília
O presidente Lula, em Brasília - Adriano Machado-16.mai.23/Reuters

A proposta das regras fiscais foi relatada por um aliado de Lira, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA). O saldo significativo da aprovação foi atingido com apoio do PP (39 votos), Republicanos (34 votos) e de parte do PL (30 votos), partido do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A articulação política do Planalto flerta, desde o fim do ano passado, com alas desses partidos, que estavam aliados ao governo anterior, e cujos votos podem migrar para Lula a depender da negociação.

No MDB, PSD e União Brasil, que ganharam ministérios na Esplanada de Lula, foram poucas dissidências.

Líderes do centrão já previam amplo apoio dessas bancadas ao governo quando houver votações econômicas, principalmente naquelas com direcionamento mais liberal na economia.

Apesar de terem perfil mais próximo aos interesses do mercado, parlamentares influentes do Congresso foram responsáveis por conduzir, nos últimos anos, uma série de dribles ao teto de gastos.

A principal âncora fiscal do país passou a ser vista por congressistas como um entrave a investimentos e manutenção do elevado patamar das emendas parlamentares.

Lira, que foi reeleito ao comando da Câmara com apoio de Lula, também tem dito que, a depender da proposta na área econômica, deverá trabalhar junto com o governo. A reforma tributária será, nos próximos meses, o novo item dessa pauta.

Mas, de imediato, o jogo é outro. Com a aprovação do arcabouço na Câmara, os desafios do Planalto estão agora no campo político, com CPIs abertas e pressão sobre ministros. E exigirá novos ajustes na articulação política.

O presidente da Câmara e o centrão querem o dinheiro das emendas, que estão travadas. A verba irriga os redutos eleitorais de deputados com obras e projetos e eles ganham peso político de olho na eleição municipal do próximo ano.

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