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Indústria de proteína à base de planta tenta fugir do rótulo de ultraprocessado

Setor investe em marketing e pede regulamentação e isenções para competir em igualdade com carne

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São Paulo

A fabricante de alimentos à base de planta Fazenda Futuro pretende entregar o hambúrguer mais barato e saudável da prateleira, de acordo com o fundador da empresa, Marcos Leta. Na apresentação que fechou o Web Summit no Rio, ele reconheceu que sua empresa pode ter exagerado nos aditivos para simular sabor de carne em seus primeiros produtos.

Isso, porém, teria ficado no passado, segundo Leta. A avaliação é compartilhada por outros representantes da indústria de proteínas alternativas.

As empresas que vendem alimentos proteicos de origem vegetal dizem estar em um terceiro estágio de desenvolvimento. No primeiro, o objetivo era alcançar a experiência sensorial mais próxima possível dos produtos com origem animal. Servir alimentos mais saudáveis em termos de nutrição é a preocupação da segunda etapa. A atual fase três busca entregar preços acessíveis.

Marcos Leta e Anitta em ensaio de fotos para a Fazenda do Futuro. Letta vestido de preto à esquerda está atrás de uma pilha de caixas brancas. Anitta, vestido de branco e à direita, está atrás de uma pilha de embalagens pretas.
Anitta se tornou sócia da Fazenda Futuro em maio de 2022 e atua, desde então, na divulgação da marca - Eduardo Bravin/Divulgação

Os alimentos que imitam carne visam o público que quer diminuir o consumo de produtos de origem animal. Pesquisa da entidade promotora de alternativas a proteínas animais Good Food Institute (GFI) indica que 47% dos brasileiros pretendem diminuir o consumo de carne no próximo ano.

Vegetarianos e veganos representam apenas 4% da população brasileira. Um percentual de 28% das pessoas no país se definem como flexitarianos, que pretendem reduzir o consumo de carne, sem excluí-la por completo da dieta.

O mercado latino-americano para proteínas alternativas, avaliado em US$ 191 milhões em 2021, é bem menor do que o europeu (US$ 2,6 bilhões no mesmo período) —uma discrepância bem maior do que a diferença entre as populações das duas regiões.

No Brasil, as pessoas ainda consideram as proteínas vegetais inacessíveis em termos financeiros: 85% dos entrevistados pelo GFI para o último balanço do setor dizem que a principal barreira para o consumo desse alimento é o preço.

"Nosso país falha em garantir três refeições ao dia para toda a população. É uma situação esperada", diz a coordenadora de tecnologia do GFI, Cristiana Ambiel. Hoje, 230 gramas do hambúrguer defumado da Fazenda Futuro saem por volta de R$ 20, ou quase R$ 90 por quilo.

O fundador da empresa de alimentos plant-based R & S Blumos, Fernando Santana, diz que hoje é possível entregar proteínas vegetais à base de feijão por R$ 29 na prateleira do supermercado. O produto é feito a partir de bandas de feijão, que seriam rejeitadas na seleção do grão para venda comercial.

Interessados podem adquirir o produto congelado em quantias a partir de 10 kg na sede da empresa em Cotia, por meio da unidade Plural Food Solutions.

O negócio principal de Santana, porém, é fornecer insumos e tecnologia para outras marcas de alimentos. O restaurante Green Kitchen está entre os clientes da Carnevale, empresa do grupo R & S Blumos. A BRF também manteve um contrato de dois anos com a empresa, encerrado no ano passado.

O GFI também diz que busca regulamentação do setor para concorrer em pé de igualdade com a indústria da carne. Os cortes bovinos têm isenção total de PIS e Cofins e alíquota reduzida no ICMS, o que não vale para alimentos plant-based.

Outra preocupação para os brasileiros que reduziram o consumo de carne foi a saúde. De acordo com o GFI, os entrevistados buscavam "melhorar a digestão, reduzir o colesterol ou perder peso".

Os alimentos plant-based, contudo, podem ser de junk food (comida pouco nutritiva) à comida saudável, diz Santana, que é engenheiro de alimentos. Ele acrescenta, por outro lado, que o setor concorre com salsicha, presunto e outros embutidos ultraprocessados.

Hoje, carnes à base de planta estão em sanduíches de McDonald’s e Burger King, mas também no NotChicken para grelhar, produto da concorrente da Fazenda Futuro NotCo, que destaca na embalagem os 11 gramas de proteína de soja e fava que contém. A embalagem desse grelhado informa a presença de aromatizantes —o que caracteriza um ultraprocessado.

O lanche vegetariano Rebel Whopper tem 540 calorias e 2.010 miligramas de sódio em 300 gramas de sanduíche, contra 677 calorias e 2.000 miligramas de sódio em 361 grama do Whopper tradicional.

Pesquisadora de nutrição experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, a professora Elizabeth Torres afirma que o cliente deve ficar atento à rotulagem. "É possível substituir carne por produtos plant-based em uma dieta saudável e manter equilíbrio e bom estilo de vida."

Ela recomenda que os consumidores desses alimentos se atentem ao ferro, zinco e vitaminas do complexo B, presentes de forma natural só em animais.

Hoje, existem alimentos plant-based similares a queijo, leite, ovos, maionese, mel e outros alimentos de origem animal.

O gerente-geral da NotCo no Brasil, Maurício Alonso, afirma que os produtos da empresa buscam equilíbrios de nutrientes e o uso de ingredientes simples. "Para nós, além de vegetal, o alimento tem que ser uma fonte nutricional de cálcio, vitaminas, ferro e proteínas."

O fundador da Fazenda Futuro Marcos Leta citou o exemplo do uso de beterraba, no lugar de aditivos, à receita do hambúrguer da empresa, para adicionar suculência e cor.

Outra bandeira que empresas do setor dizem carregar é a da sustentabilidade. O cultivo de plantas, em norma, requer menos espaço e energia do que a criação de animais, alimentados com vegetais.

Uma aposta do setor é o reaproveitamento de alimentos descartados na cadeia produtiva —processo chamado de upcycling. A startup suíça Upgrain, por exemplo, usa o malte descartado na produção de cerveja para produzir snacks, farinha e proteína texturizada. Esse insumo é tradicionalmente direcionado para a alimentação animal.

O criador da Upgrain Eduard Müller afirmou à reportagem no Web Summit ter conseguido contato com empresas alimentícias e cervejeiras, incluindo a gigante Ambev. Müller espera começar a operar no Brasil no próximo ano.

A proteína de feijão da R & S Blumos também é uma forma de Upcycling. Para o fundador da empresa, Fernando Santana, esses alimentos não correm risco de estigma. "São ingredientes derivados de um processo controlado e altamente limpo. Todos muito ricos em nutrientes. Hoje, as pessoas entendem esse valor."

O setor de plant-based também prioriza o marketing.

A NotCo trouxe o ex-chefe-executivo da gigante dos videogames Activision Blizzard, Fernando Machado, para ser chefe de marketing global. A Fazenda Futuro tem Anitta como sócia e embaixadora.

Em palestra no palco central do Web Summit Rio, Machado mostrou como a NotCo poderá usar inteligência artificial geradora como a do ChatGPT para recriar sabores apenas com ingredientes vegetais. Surfou também a onda da tecnologia mais citada no evento carioca.

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