Relator diz que Carf não será votado nesta terça; adiamento trava pauta econômica na Câmara

Segundo Arthur Lira (PP-AL), ainda não há acordo sobre o tema entre parlamentares

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Brasília

A votação do PL (projeto de lei) que trata da retomada do chamado voto de qualidade no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) na Câmara dos Deputados não deverá ocorrer nesta terça-feira (4), como previsto, segundo o relator da matéria, deputado Beto Pereira (PSDB-MS).

"Não vota hoje. O processo ainda está em maturação. As pessoas precisam conhecer o texto, sugerir. Tem uma sugestão ou outra que se faz necessário", afirmou Pereira à Folha.

O possível adiamento da votação do PL do Carf atrapalha os planos de governistas e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de fazer um "esforço concentrado" nesta semana para apreciar as matérias da pauta econômica consideradas prioritárias para o governo Lula (PT), como o novo arcabouço fiscal. A matéria, que tramita em regime de urgência, tranca a pauta de votações desde o último dia 21.

Questionado na chegada à Câmara, Lira afirmou que "ainda não" há acordo sobre o tema.

O deputado Beto Pereira (PSDB-MS), relator do projeto que altera as regras do Carf - Gilmar Felix / Agencia Camara

Um líder do centrão ouvido pela reportagem diz que ainda não há consenso em torno do texto do Carf e que, por isso, ele não deverá ser votado nesta terça. O Carf é um tribunal administrativo que julga disputas bilionárias entre União e contribuintes sobre o pagamento de impostos.

Essa será a segunda vez que a votação será adiada —inicialmente, havia uma expectativa entre parlamentares de que a matéria fosse ao plenário na segunda-feira (3).

O relatório de Pereira, no entanto, foi divulgado somente na noite de segunda. Ele inseriu no texto a possibilidade de devedores de impostos terem desconto em multas e juros mesmo que os débitos sejam classificados como recuperáveis pelo Ministério da Fazenda.

O texto abre caminho para uma ampliação significativa da chamada transação tributária, cuja lei foi sancionada em 2020 para negociação de débitos irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Os valores a serem transacionados também precisam hoje estar em litígio.

Outra mudança envolve o chamado voto de qualidade. O projeto prevê condicionantes para a volta do mecanismo –que determina que, em caso de empate nas votações, cabe ao presidente do colegiado (indicado pelo Ministério da Fazenda) o poder de decisão sobre o caso. Segundo a proposta apresentada, multas e juros serão zeradas.

A FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), que reúne 300 deputados e é uma das maiores forças da Casa, divulgou nota na manhã desta terça-feira (4) criticando a retomada do voto de qualidade.

"Acreditamos que o governo federal não deve tentar promover a arrecadação a qualquer custo, notadamente quando pretende ferir de morte os preceitos constitucionais que protegem os contribuintes. De tal forma, o Carf deve funcionar como um tribunal administrativo que garanta a imparcialidade necessária de tratamento entre os interessados. Não se pode esperar do conselho um favorecimento ao Fisco e tampouco ao contribuinte", diz a nota.

O voto de qualidade foi derrubado em 2020 pelo Congresso, ampliando as perdas da União no tribunal —que já servia como instrumento de manobra de grandes empresas para adiar por anos o recolhimento de tributos.

Caso não seja apreciado em plenário nesta terça, o PL do Carf irá travar a pauta —impedindo que seja votado o novo arcabouço fiscal (que retornou à Câmara após votação no Senado).

As mudanças nas regras do Carf fazem parte do pacote fiscal anunciado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) no início de janeiro para aumentar a arrecadação –o que é visto na Câmara como fundamental para a sustentação do novo marco fiscal.

"O governo conta com esses recursos. Se entra água e o voto de minerva fica contra o governo, isso é um prejuízo para dar estabilidade para o regime fiscal. Esse projeto é fundamental para o governo", diz o relator do arcabouço na Câmara, deputado Cláudio Cajado (PP-BA).

Enquanto o impasse do Carf continua, a redação conclusiva da nova regra fiscal segue indefinida. Há quem acredite que deva passar o texto que veio do Senado, enquanto Cajado afirma querer seu relatório "de volta" e defender o texto aprovado pelos deputados em maio.

A versão final do texto será decidida em uma reunião de líderes, que ainda não tem data marcada.

"O Carf é uma matéria que mexe com muitos interesses, de empresários, de grandes corporações, de escritórios tributaristas. Você tem aspectos para levar em consideração que no arcabouço não levava. Não tinha esse ruído, pelo contrário, é uma regra fiscal que todos queriam", afirmou Cajado.

"[O que está travando o Carf] é o conjunto de interesses, uns não são favoráveis ao voto de minerva [para o governo], outros a embutir o Refis [...] Tem muitos detalhes dentro do texto. Estamos nessa conversa para ver se chegamos a um consenso", completou.


Entenda o Carf

O que é o Carf?

Tribunal administrativo que decide em segunda e terceira instâncias disputas entre governo e contribuintes sobre pagamentos de impostos.

O que é o voto de qualidade?

Poder de um representante do governo decidir o julgamento (a favor ou contra o contribuinte) em caso de empate.

O que foi feito em 2020?

Foi extinto o voto de qualidade, fazendo com que empates automaticamente dessem ganho de causa aos contribuintes. O governo fala em uma perda anual de R$ 59 bilhões com a medida.

O que o governo Lula decidiu em janeiro?

O governo enviou ao Congresso uma MP (medida provisória) recriando o voto de qualidade, com efeito imediato. A iniciativa precisaria receber aval do Congresso dentro de quatro meses para não perder a validade. Depois, a MP foi transformada em projeto de lei.

O que o governo negociou depois disso?

O Ministério da Fazenda e representantes das empresas chegaram a um meio-termo com uma espécie de "regulamentação" do voto de qualidade: em caso de empate, permaneceria a cobrança do valor principal do débito, mas são cortados multas e juros (desde que a dívida seja quitada ainda em âmbito administrativo).

Qual a situação no Congresso?

Precisa ser votado pela Câmara e, depois, segue para o Senado.

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