Brasil elimina gargalos para desbancar EUA como maior exportador de milho

Colheita abundante e avanços logísticos devem colocar Brasil na frente dos Estados Unidos

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Ana Mano
São Paulo | Reuters

O Brasil deve ultrapassar os Estados Unidos este ano como o maior exportador mundial de milho, refletindo tanto uma colheita abundante quanto avanços logísticos, principalmente a consolidação das rotas de exportação da região Norte, que estão aumentando a competitividade da potência agrícola sul-americana.

As exportações através dos portos da região Norte do país, que utilizam as hidrovias da bacia do rio Amazonas para levar grãos ao mundo, estão a caminho de superar os volumes escoados via Porto de Santos pelo terceiro ano consecutivo, de acordo com dados de transporte de grãos analisados pela Reuters.

A mudança demonstra como o Brasil, que produz três colheitas de milho por ano e ainda tem enormes extensões de terras agrícolas subutilizadas, está finalmente superando os gargalos estruturais que há muito dificultam o envio de seus produtos a mercados globais.

Colheita de milho é feita em fazenda próxima a Brasília
Colheita de milho é feita em fazenda próxima a Brasília - Adriano Machado/Reuters

Isso, e um novo acordo de fornecimento com a China anunciado no ano passado, sugerem que o Brasil pode estender sua supremacia sobre as exportações de milho norte-americano. Da última vez que isto aconteceu, os brasileiros conquistaram brevemente a liderança global. Foi na safra 2012/13, após uma grande seca na América do Norte.

A melhoria da capacidade de exportação ajudou o país a preencher lacunas no mercado global em meio às interrupções causadas pela guerra na Ucrânia, grande exportador de grãos, e pelas tensões comerciais entre Estados Unidos e China.

"Comemoramos muito... quando os volumes (de exportação de milho) através dos portos do Norte se igualaram a Santos", disse Sérgio Mendes, diretor-geral da Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais). "Ao usar os portos do Norte... você está ganhando R$ 20 por tonelada (de milho)."

As rotas de exportação da região Norte, em particular, se beneficiaram de uma lei de 2013 que incentivou empresas como a Cargill e a Bunge, e a operadora logística Hidrovias do Brasil, a construir novos terminais portuários de uso privado (TUPs).

Com estações de transbordo ao longo dos rios Tapajós e Madeira, essas estruturas passaram a conectar o coração da produção agrícola nacional a portos da Amazônia como Itacoatiara (AM), Santarém e Barcarena (PA).

O terminal Tegram em Itaqui (MA), construído e operado por comerciantes de grãos estrangeiros e brasileiros, incluindo Louis Dreyfus Commodities e Amaggi, aumentou seus volumes de exportação de grãos em 306% em oito anos, para mais de 13 milhões de toneladas em 2022, de acordo com dados fornecidos pelas empresas.

A legislação dos TUPs, que difere de uma concessão tradicional cuja exploração é por um período determinado, desencadeou uma onda de investimentos portuários de longo prazo. Cerca de R$ 39 bilhões foram investidos na construção e expansão de 112 novos terminais de uso privado sob a nova lei, de acordo com um estudo de 2020 do TCU (Tribunal de Contas da União).

Plantação de milho em fazenda próxima a Brasília
Plantação de milho em fazenda próxima a Brasília - Adriano Machado/Reuters

A indústria agrícola brasileira, no entanto, ainda não superou todos os seus problemas logísticos. Por exemplo, a capacidade de armazenamento de grãos no país ainda é pequena em comparação com competidores como o Canadá, os Estados Unidos e a Argentina.

No Mato Grosso, o déficit de armazenagem aumentou para 46 milhões de toneladas métricas, de acordo com dados do governo estadual até 2021, depois que a colheita anual de milho triplicou para mais de 90 milhões de toneladas no espaço de uma década. Isto ocorreu pois a construção de silos não acompanhou o aumento da produção.

A falta de espaço de armazenamento significa que os agricultores são forçados a vender rapidamente as suas colheitas ou a estocar o milho fora dos armazéns. O resultado são possíveis congestionamentos em estradas durante os picos de safra, o que pode gerar fretes mais caros.

Rota mais barata para China

A nova capacidade de exportação ajudou o Brasil a competir em custos logísticos com os agricultores dos Estados Unidos.

Enviar uma tonelada de soja em 2008 de Iowa para Xangai custava 77% do preço de um embarque pelos portos do Norte do Brasil, mas em março de 2023 era 5% mais caro enviá-la nesta mesma rota nos Estados Unidos, de acordo com dados da ESALQ-LOG e do Departamento de Agricultura norte-americano. Para o milho, os valores de frete são muito parecidos, afirma Thiago Péra, coordenador de pesquisa logística da ESALQ-LOG.

A bacia amazônica também se tornou competitiva em relação ao porto de Santos, há anos uma das principais portas de saída do Brasil para grãos. Cerca de 37% do total das exportações de milho brasileiro passaram pelos portos de Barcarena, Itaqui, Itacoatiara e Santarém no primeiro semestre de 2023 (4,3 milhões de toneladas), de acordo com Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Apenas 24% passaram por Santos (2,8 milhões de toneladas).

Há 8 anos, no entanto, Santos exportava quase três vezes mais milho do que os quatro portos do norte juntos, de acordo com dados das agências marítimas.

"A maior parcela dos embarques através dos portos da região Norte reflete custos de frete mais baratos em comparação com as rotas para os portos do Sul e Sudeste", disse Thome Guth, da Conab.

A Conab prevê que a produção total de milho do Brasil em 2023 será de quase 130 milhões de toneladas métricas, a maior da história, e as exportações atingirão 50 milhões de toneladas métricas pela primeira vez.

Os futuros de milho em Chicago caíram das máximas de 10 anos em abril de 2022 para a mínima de dois anos e meio este mês, em parte devido à ampla oferta brasileira.

Embora as melhorias na infraestrutura de exportação tenham vindo para ficar, é possível que os preços mais baixos do milho possam desencorajar os agricultores a aumentar a produção do cereal no Brasil.

A trading estatal chinesa COFCO está agora construindo um novo terminal de grãos em Santos, depois de ganhar uma concessão de 25 anos para operar uma estrutura com capacidade para 14 milhões de toneladas. O STS11, como é chamado o terminal, deverá operar a partir de 2026.

A concessão da BR-163 há dois anos também modernizou um importante corredor para o escoamento grãos, estendendo-se por mais de mil quilômetros do Mato Grosso até os portos do estado do Pará.

Durante anos, caravanas de caminhões de grãos ficavam regularmente atoladas em trechos da BR-163, a caminho dos portos do norte, numa região que é chuvosa.

E enquanto grandes projetos ferroviários ainda enfrentam uma série de obstáculos burocráticos no Brasil, alguns já saíram do papel.

A Rumo acaba de concluir um investimento de 4 bilhões de reais na Ferrovia Norte-Sul, iniciado em 2019. A linha conecta o porto de Santos aos Estados agrícolas de Tocantins, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso, reforçando outra rota importante para levar as colheitas brasileiras aos mercados globais.

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