Descrição de chapéu Reforma tributária

Exceções na Reforma Tributária são complicadas e ideal é não ter mais mudança, diz Appy

Secretário afirma que impacto na alíquota tende a ser pequeno

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Brasília

A ampliação das exceções na Reforma Tributária no Senado é ruim, mas deve ter efeito pequeno sobre as alíquotas dos novos tributos por terem sido compensadas por mudanças que limitaram benefícios e isenções. A avaliação é do secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, à Folha.

O Ministério da Fazenda ainda não atualizou os últimos cálculos, que apontavam uma cobrança total entre 25,5% e 27% sobre o consumo, mas a avaliação é que o saldo final do parecer do relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), foi positivo e, principalmente, o possível do ponto de vista político.

"Obviamente, pressão vai ter, mas o ideal é que não tenha mais mudanças no texto. Ou tenha um mínimo de mudança daqui para frente", diz.

O secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, posa para fotos no Ministério da Fazenda. - Pedro Ladeira - 01.mar.2023/Folhapress

Appy critica concessões como a alíquota menor para profissionais liberais e tratamentos específicos para os setores aéreo, de comunicação institucional e de saneamento. Nesse último caso, defende o secretário, devolver o tributo a famílias mais vulneráveis por meio do "cashback" teria sido a maneira mais eficaz.

"Está equivocado quem diz que o Brasil não tem futuro no modelo de cashback, é exatamente o oposto. O Brasil é um dos países que tem mais estrutura para poder fazer um sistema de cashback", afirma.

Qual o balanço do parecer do Senado?
Considerando a necessidade de construir um texto que possa ser aprovado no Senado, o balanço é positivo. Lógico, do ponto de vista técnico, o ideal seria outro texto. Mas, considerando a necessidade de aprovação, o resultado é positivo.

Quando aprovou na Câmara, a Fazenda estimou a alíquota entre 25,5 e 27%. Dá para ter ideia se o saldo final no Senado leva a um aumento?
Ainda não fizemos as contas. Mas a avaliação preliminar é que, se tiver impacto, não é muito grande. Não é muito relevante. Mas ainda não fechamos.

Das exceções novas, quais vocês consideram mais indesejáveis?
O ideal era não ter nenhuma exceção. Toda nova exceção tem efeitos que não seriam os desejados. Mas tem algumas que são, do nosso ponto de vista, mais complicadas, como profissionais liberais. Não vejo motivo para alíquota reduzida. Ou comunicação institucional e transporte aéreo. Não faz muito sentido.

Saneamento é um tema que a gente esperava que fosse aparecer no debate, mas seria melhor ter uma alíquota uniforme e fazer um cashback do que ter regime diferenciado de tributação.

Entendo a preocupação de reduzir a tributação de pessoas de menor renda, mas não vejo por que pessoas de alta renda têm que pagar menos imposto na água que consomem.

Essas exceções têm algum paralelo em outros países que adotam o IVA (Imposto sobre Valor Agregado)?
Para profissionais liberais, que eu conheça, não, exceto os de saúde e educação. Mas aí entra porque é saúde, educação. Saneamento eu não sei.

O grande problema é que, quando parte de uma situação em que já existem diferenciais de tributação relevantes, como acontece hoje no Brasil, gera toda essa complexidade e essa pressão política que a gente vê.

Esperam mais pressão daqui até a votação?
Pressão é inevitável que tenha. Talvez na Câmara, como a votação foi mais rápida, tenha tido menos tempo para aparecerem pressões. No Senado, já está há bastante tempo o texto. Acho que as pressões mais importantes já foram contempladas pelo relator.

Obviamente, pressão vai ter, mas o ideal é que não tenha mais mudanças no texto. Ou tenha um mínimo de mudança daqui para frente.

Veem espaço para algum recuo nas flexibilizações que foram feitas?
Já teve algum, né? Uma parte do transporte coletivo de passageiros que estava com alíquota reduzida foi para o regime específico.

Do jeito que estava, talvez tivesse carga menor ainda do que tem hoje, o que não faz muito sentido. Com o regime específico, você pode manter uma carga semelhante à atual, talvez com menos custo.

[Outro recuo foi] A possibilidade de ter uma parte da cesta básica com alíquota zero e outra parte com alíquota reduzida. Pelo menos reduz a pressão de ter tudo a uma alíquota zero. Tem algum avanço, como na própria possibilidade de revisão quinquenal [dos tratamentos diferenciados]. São avanços.

O que garante que a Cesta Básica Nacional de fato vai ser mais restrita?
Não tem garantia. Vai ser uma discussão na elaboração da lei complementar [a ser debatida posteriormente]. Acho que a discussão vai ser muito sobre o que entra na cesta básica e qual o impacto na alíquota.

Uma coisa certa: a tributação média da cesta básica vai cair, mesmo com o texto que está agora no Senado. Porque hoje você já tem um PIS/Cofins com alíquota zero para a cesta básica, mas, tirando hortifruti e ovos, todo estado tem tributação de ICMS sobre esses produtos. [Isso] vai deixar de existir após a Reforma.

O sr. citou o cashback. Ainda tem muito ceticismo se o Brasil consegue colocá-lo de pé.
Essa desconfiança não faz o menor sentido. A gente tem todo o Cadastro Único, o sistema de transferência de renda para as famílias e um sistema de controle de quem fez a compra por meio da nota fiscal com CPF.

Está equivocado quem diz que o Brasil não tem futuro no modelo de cashback, é exatamente o oposto. O Brasil é um dos países que tem mais estrutura para poder fazer um sistema de cashback.

O Senado incluiu uma trava contra aumento de carga tributária, com ajuste automático caso se mostre superior à média de 2012 a 2021. Qual é a avaliação?
O ideal é que não tivesse trava. Até porque a arrecadação futura não iria crescer como proporção do PIB. O que o relator fez foi colocar uma trava olhando para o passado, período em que a arrecadação média ficou em 12,5% do PIB.

Não dá para saber se vai ter efeito ou não, mas, se tiver, deve ser limitado porque, no agregado, a arrecadação desses tributos em períodos mais longos não foge muito desse patamar.

É um problema se olhar para um ano específico. Mas num período mais longo, a base de referência não é apertada. E mantém a autonomia dos entes de fixarem suas alíquotas. É só a alíquota de referência que entra na trava.

O Fundo de Desenvolvimento Regional teve um aumento de R$ 20 bilhões. Isso não compromete o equilíbrio fiscal?
[O valor] Só está lá para frente, a partir de 2034, em parcelas que são relativamente pequenas a cada ano, de R$ 2 bilhões [de alta anual, cumulativo]. O crescimento real provavelmente vai dar mais do que o crescimento do PIB, mas não é tão grande assim.

Não acho que seja algo incoerente com a consistência desse valor a longo prazo. E foi um ponto para viabilizar a aprovação no Senado.

Senadores e governadores reivindicam mais. Tem espaço?
No que depender de mim, esse valor é mais do que suficiente.

Quais as perspectivas de aprovação?
A Reforma Tributária não é um projeto do governo. É um projeto do Parlamento que o governo está apoiando de forma muito clara, inclusive por meio do aporte de recursos para o Fundo de Desenvolvimento Regional.

Acredito que já esteja ocorrendo uma interlocução entre o Senado e a Câmara para que o texto votado no Senado seja um texto cuja aprovação seja viável na Câmara.

Promulga neste ano?
Acredito que sim.


Bernard Appy, 61
Economista, secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda e um dos autores técnicos da proposta de 2019 que baseou a Reforma Tributária que está em tramitação no Senado. Ex-diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal). Ex-secretário-executivo e de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2009). Foi diretor de Estratégia e Planejamento da BM&F Bovespa (atual B3) e sócio-diretor da LCA Consultores.

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