Lula sanciona Marco das Garantias com veto a busca e apreensão extrajudicial de veículos

Apoiadores afirmam que modelo amplia acesso dos brasileiros a diferentes tipos de financiamento

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Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou nesta terça-feira (31) o chamado Marco das Garantias, que facilita a execução de dívidas por bancos e permite que um mesmo imóvel seja usado como garantia em mais de um empréstimo.

Foi vetado o trecho que permitia, por exemplo, a apreensão extrajudicial de automóveis. A justificativa afirma o dispositivo criaria um "risco a direitos e garantias individuais" e incorria em "vício de inconstitucionalidade".

Essa decisão presidencial contrariou uma posição inicial do Ministério da Fazenda, que defendia a sanção integral do texto, e também irritou líderes da Câmara e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), segundo disseram interlocutores.

A proposta original é do governo de Jair Bolsonaro (PL), enviada ao Congresso em 2021, mas ganhou endosso da gestão petista pela expectativa de que o conjunto de medidas vai gerar efeitos positivos no mercado.

Lula durante cerimônia de sanção do projeto de lei do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do programa Cozinha Solidária, no Palácio do Planalto. - Pedro Ladeira - 20.jul.2023/Folhapress

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Antes, um imóvel só poderia ser usado como garantia em um empréstimo. Com o texto aprovado, será possível fracionar o valor de uma propriedade em mais de um financiamento, até esgotar seu valor total.

O modelo já existe em outros países. Apoiadores afirmam que ela amplia o acesso dos brasileiros a diferentes tipos de financiamento, enquanto críticos dizem que pode ampliar o endividamento.

A proposta também facilita a cobrança, por parte de instituições financeiras, de credores inadimplentes —ampliando as possibilidades de execução da dívida de forma extrajudicial.

Críticos da proposta entendem que a aceleração em cobranças tende a prejudicar pessoas mais humildes, fazendo com que famílias em dificuldade para quitar dívidas percam seus bens.

A expectativa do governo é que a facilitação da execução reduza a inadimplência, um dos principais componentes do chamado spread bancário —diferença entre o custo de captação das instituições financeiras e os juros cobrados nos empréstimos. Por isso, a visão no Executivo é de que ele vai contribuir para baixar o custo do crédito e, assim, ampliar o acesso a capital.

Outro argumento é desafogar o Judiciário, que hoje tem nas ações de execução o seu maior gargalo. Levantamentos usados pelo governo indicam que casos do tipo representam 43% dos processos judiciais no Brasil.

O presidente vetou um trecho que autorizava a tomada de bens móveis sem autorização da Justiça.

"A proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade, visto que os dispositivos, ao criarem uma modalidade extrajudicial de busca e apreensão do bem móvel alienado fiduciariamente em garantia, acabaria por permitir a realização dessa medida coercitiva pelos tabelionatos de registro de títulos e documentos, sem que haja ordem judicial para tanto, o que violaria a cláusula de reserva de jurisdição e, ainda, poderia criar risco a direitos e garantias individuais, como os direitos ao devido processo legal e à inviolabilidade de domicílio", diz trecho do veto.

A decisão pelo veto contrariou a posição inicial do Ministério da Fazenda pela sanção integral do texto e deixou os líderes da Câmara dos Deputados irritados.

Agora, caberá a deputados e senadores decidirem pela manutenção ou derrubada da posição de Lula.

Os parlamentares acusam o governo de ter descumprido o acordo firmado. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também indicou a aliados ter visto descumprimento do acerto inicial com a equipe econômica.

De acordo com o ministro Fernando Haddad (Fazenda), o veto foi recomendado por outro ministério. Segundo fontes do governo ouvidas pela Folha, o pedido partiu do Ministério da Justiça e Segurança Pública e da Casa Civil.

Procurado, o sistema bancário disse que considerava o marco uma conquista, mas criticou o veto aos veículos.

"Entendemos a sanção do marco como um grande avanço para o mercado creditício, ainda que não houvesse expectativa de veto em alguns trechos que tratavam da busca e apreensão extrajudicial de veículos", diz Roberto Jabali, diretor Executivo de Crédito e Cobrança do banco BV.

Outras instituições optaram por se manifestar por meio da Febraban, entidade que representa os bancos.

Em nota, a federação destaca a importância da aprovação do Marco de Garantias, com grande avanço envolvendo garantias imobiliárias, mas avalia que, "para tornar o processo ainda mais eficiente e menos custoso, o que permitirá a redução mais acentuada nas taxas de juros ao consumidor", será importante o retorno da parte do projeto que permitia a retomada de veículos por meio de mandados extrajudiciais.

"Isso porque, de cada cem empréstimos não pagos, apenas 20% dos veículos são recuperados, o que levou, nos últimos anos, a uma estagnação do saldo da carteira de empréstimos de veículos, estacionada em 2,5% do PIB [Produto Interno Bruto] contra 10% da carteira imobiliária. A proporção de financiamentos de veículos novos diminuiu de forma substancial, de 64,3% em 2012 para 47,1% em 2022, atingindo, em setembro de 2023, a marca de apenas 40,4%."

Colaborou DOUGLAS GAVRAS, de São Paulo

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