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Mercado vê superávit mais longe desde aprovação do arcabouço fiscal

Ceticismo com ajuste pelo lado das receitas mantém expectativas abaixo do que prevê governo

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Brasília

A criação do arcabouço fiscal foi insuficiente para melhorar as expectativas de economistas em relação ao futuro das contas públicas, um reflexo do ceticismo do mercado quanto à capacidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de ampliar a arrecadação na magnitude necessária para cumprir as metas.

Desde a apresentação da nova regra pela equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda), no mês de março, as projeções de resultado primário pioraram, não só para 2023 e 2024, mas também para o médio prazo.

Se no começo do ano a virada para um déficit zero ou pequeno superávit era esperada para 2027 —o mandato de Lula acaba em 2026—, estimativas mais recentes indicam que isso só deve ocorrer em 2028.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Marcelo Camargo - 02.ago.2023/Agência Brasil

A discussão sobre a mudança da meta fiscal de 2024 também evidenciou que a descrença existe dentro do próprio governo e do PT.

Assim que assumiu o cargo, Haddad sinalizou que buscaria um déficit de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano. Ao anunciar as bases do novo arcabouço, em março, o ministro subiu ainda mais a régua e indicou um déficit de 0,5% do PIB em 2023, seguido pela meta zero no próximo ano.

A fotografia atual mostra que ambos os objetivos estão longe de serem alcançados. O próprio governo projetou, em setembro, um rombo de R$ 141,4 bilhões neste ano (equivalente a 1,3% do PIB), que está com viés de piora diante de novas pressões de despesa e frustrações de receita.

Em duas pesquisas diferentes coletadas pelo Banco Central, o mercado sustenta uma estimativa levemente melhor para este ano, de déficit de 1,1% do PIB (Boletim Focus) ou de R$ 111 bilhões (questionário pré-Copom), mas ainda pior do que o estabelecido como alvo por Haddad.

Para 2024, o mercado não embarcou em nenhum momento na promessa de déficit zero. Desde o início do ano, as estimativas têm oscilado entre um déficit de 0,7% e 1% do PIB (Boletim Focus), ou R$ 84 bilhões e R$ 95 bilhões (questionário pré-Copom).

Para o médio prazo, a discussão e aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que autorizou a ampliação de até R$ 168 bilhões em gastos em 2023, ainda na transição de governo, foi um motivador importante para a revisão de estimativas.

Até novembro de 2022, os economistas esperavam um resultado neutro ou positivo nas contas a partir de 2025, o que foi revertido sob a perspectiva de posse do novo governo e da expansão permanente de despesas.

Desde o início deste ano, as expectativas apontam para uma sucessão de déficits até o fim do governo Lula. Em julho, pouco tempo depois da votação do arcabouço no Senado (com um texto já próximo da redação final), consolidou-se a visão de que haverá resultado negativo também em 2027.

A leitura que economistas fazem das projeções é de que há uma percepção geral de compromisso frágil do governo com o ajuste fiscal.

"Em que velocidade melhora o resultado primário nas projeções feitas pelo mercado? Entre 0,1 e 0,2 ponto do PIB a cada ano. O que isso quer dizer? Que só acredita na melhora intrínseca ao arcabouço fiscal, uma vez que ele limita o crescimento da despesa a 70% do avanço da receita", afirma o ex-secretário do Tesouro Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments.

Segundo ele, isso significa que o mercado crê na trajetória de despesas traçada pelo arcabouço fiscal, dada por um limite claro, mas não nas receitas tidas como necessárias para alcançar as metas.

"O governo precisa de receitas em um volume muito expressivo, algo que, a meu ver, a sociedade e o Congresso não aceitam", diz.

Bráulio Borges, pesquisador associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e economista sênior da LCA Consultores, observa que a literatura econômica indica um balanceamento com 40% do esforço em forma de aumento de carga tributária e 60% em cortes de despesa. A avaliação considera uma consolidação fiscal típica conduzida por economias avançadas na média dos últimos 40 anos.

"O teto de gastos era 100% do ajuste pelo lado da despesa [...], a gente foi agora para 100% pelo lado da receita. Então, a gente está cometendo o mesmo erro, só que com o sinal trocado", afirma.

Para o especialista, é muito difícil fazer um ajuste fiscal que vai demandar o equivalente a 2,5 pontos do PIB a mais de carga tributária em um intervalo de três anos.

Bittencourt avalia que as projeções para 2023 e 2024 estão inclusive otimistas, dada a existência de novas pressões fiscais.

O governo vai fazer um repasse extra de recursos para estados e municípios, como compensação às perdas sofridas por eles com a redução forçada de alíquotas do ICMS em 2022. Além disso, há frustração de receitas diante da desaceleração de preços de commodities.

O ex-secretário ainda cita a possibilidade de o governo quitar o passivo em precatórios —despesas com sentenças judiciais. O Executivo pediu que o STF (Supremo Tribunal Federal) autorize pagar o estoque acumulado, cerca de R$ 95 bilhões, fora das regras fiscais. Eventual desembolso não afetará a meta, mas vai piorar o primário e o endividamento.

Outro elemento de piora é a falta de disposição do governo em fazer um contingenciamento das despesas em 2024 para cumprir a meta. A sinalização foi dada pelo próprio presidente Lula, primeiro em café com jornalistas, depois em conversa com líderes da Câmara.

Além de colocar a meta zero em xeque, o petista afirmou que não almeja um Orçamento maior do que o autorizado pelos limites do novo arcabouço, mas também não pretende executar um valor menor.

O ex-secretário ressalta que o cenário ideal era manter o alvo já estabelecido e cumprir todo o rito previsto no próprio arcabouço, com acionamento de gatilhos e redução do ritmo de expansão das despesas em caso de estouro da meta. No entanto, ele também pondera que sustentar um objetivo mais ambicioso a qualquer custo pode gerar incentivos perversos.

Borges, por sua vez, ressalta que o timing da discussão foi "muito ruim". Embora o debate da meta não tenha piorado de forma sensível as projeções fiscais, os indicadores financeiros (como dólar e juros) foram penalizados, algo visto como "contraproducente", pois impulsiona a dívida pública.

O especialista da LCA ressalta que zerar o déficit primário é apenas um passo rumo à sustentabilidade das contas públicas do país.

A dívida bruta do país alcançou 74,4% do PIB em setembro, dado mais recente divulgado pelo Banco Central. A projeção de mercado colhida pelo BC mostra que o indicador deve ficar em 75,9% do PIB neste ano e em 78,4%, em 2024.

Nas contas dos economistas, o país precisa de um superávit de 1% a 1,5% do PIB para estabilizar a dívida.

"Isso significa dizer que a gente não precisa ter só superávit. Não adianta ser 0,1%, 0,2% positivo. A gente tem de chegar pelo menos em mais 1%, que é a meta que o governo atual colocou para 2026", afirma.

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