Descrição de chapéu Comento seu dinheiro

Comento o caso de Helena, 61, que quer deixar uma renda de R$ 20 mil para a filha

Leitora recebeu ações de herança e pergunta se deve vender tudo, mesmo pagando IR, para travar taxa de títulos do Tesouro Direto antes que caiam mais

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Michael Viriato Araujo

É professor e assessor da Casa do Investidor e autor do blog De Grão em Grão, na Folha. Foi professor de finanças do Insper, da USP e da FGV nos últimos 15 anos. Possui as certificações financeiras CFA e CFP

Meu principal objetivo hoje é deixar para minha filha uma renda de R$ 20 mil mensais no futuro. Por isso, invisto quase tudo o que sobra em títulos do Tesouro Direto. Recebi um bom valor em ações, numa herança, e quero vender essas ações para investir em renda fixa, mas sei que as taxas devem cair constantemente nos próximos meses. Por isso pergunto: qual a melhor opção? Vendo todas as ações, pago o Imposto de Renda, mas travo uma taxa maior nos títulos de renda fixa? Ou vendo R$ 20 mil todo mês para não ter que pagar imposto, mas me conformo em travar taxas menores de juros?

Helena

cientista social, 61 anos

Para construir uma reserva financeira capaz de proporcionar a própria independência financeira e até de filhos não é necessário ter uma renda elevada. São necessários dois fatores, mas o segundo é o mais relevante: ter um bom plano e disciplina. Disciplina de cortar gastos, de poupar e de seguir o planejamento construído. No caso de Helena, falta apenas a estruturação de um plano, pois disciplina, ela e seus pais tiveram.

Quando se ouve histórias como a de Helena, percebemos que o hábito e a consciência da importância de poupar são, muitas vezes, passados por gerações.

Paineis luminosos com gráfico descrescente vermelho e números grandes amarelos, sobre fundo preto
Paineis da Bolsa de Valores de Nova York - Michael Nagle/Xinhua

Calcule o que falta para sua independência financeira

Entretanto, quando não se tem um plano, batem sempre algumas dúvidas. Estou fazendo tudo certo? Como devo lidar com a parcela de ações?

Imagino que vão aparecer comentários de leitores dizendo: mas ela ganha muito, então é mais fácil. Eu discordo. A independência financeira está relacionada ao seu padrão de vida, não ao dos outros.

Helena tem um custo de vida de R$ 20 mil, portanto sua independência financeira é atingida com esse custo e ela tem de fazer um esforço considerando esse nível. Ela não busca uma independência com renda de R$ 50 mil. Assim como alguém cujo custo mensal é de R$ 5.000 deve ter como alvo essa renda para ter independência financeira, e seu esforço será proporcional a isso.

A prova disso são os dois últimos casos analisados nesta seção Comento seu dinheiro, o do engenheiro que quer alcançar sua independência financeira daqui a dez anos e o da professora que ganha R$ 13 mil mensais, mas se afundou nas dívidas.

Helena tem 61 anos, uma filha de 30 anos e o hábito de poupar R$ 6.000 mensais. Ela espera que esta poupança mensal deva persistir por mais nove anos, quando deve parar de trabalhar.

A construção de seu patrimônio teve alguma ajuda de herança, mas essa ajuda é a prova de uma consciência de poupança de seus pais. Consciência esta que foi herdada por ela e que ela espera que sua filha também adote.

Seu patrimônio financeiro hoje soma quase R$ 6 milhões, construído ao longo de 25 anos:

  • 67% em títulos públicos federais referenciados ao IPCA (Tesouro IPCA)
  • 20% em ações
  • 8% em previdência privada
  • 5% em fundos DI

A concentração em títulos referenciados ao IPCA é o que sempre recomendo. Ou seja, ela tem feito o certo.

A herança que mencionei está na parcela em ações, e é nessa parte que reside sua dúvida.

Percebo que muitos indivíduos que recebem ações ou imóveis como herança criam um certo apego a estes bens. De certa forma, é compreensivo dado ao amor que temos ao esforço que aquele que nos deixou de herança teve. Adicionalmente, o bem se torna quase uma extensão daquele ente querido.

Como Helena deve continuar poupando por mais nove anos e considerando uma taxa de juro real de 4,0% ao ano nesse período, seu patrimônio deve se elevar para R$ 9,3 milhões a valores de hoje logo antes de ela se aposentar.

Com esse patrimônio, bastaria um retorno real, ou seja, acima da inflação de 2,6% ao ano e já seria possível ter uma renda de R$ 20 mil que possa ser deixada para sua filha, depois de ter sido aproveitada por ela mesma.

Portanto, resta apenas solucionar uma questão para Helena que é: o que fazer com as ações?

Observa-se que Helena é conservadora. Prova disso é que toda sua poupança foi construída com títulos públicos. Diga-se de passagem, ela poderia ter muito mais se tivesse investido pelo menos em parte em CDBs referenciados ao IPCA e dentro da garantia do FGC.

Mas voltando às ações, ela tem forte concentração em duas empresas, o que é muito inadequado para qualquer portfólio de ações. Não vou citar o nome das empresas para que isso não se configure uma recomendação. Mas são duas que usualmente brasileiros compram e estão entre as cinco com maior peso no Ibovespa.

Existem duas atitudes a tomar dado seu conservadorismo:

1) vender tudo de uma única vez, pagar Imposto de Renda, mas garantir uma taxa de juros mais elevada

ou

2) ir vendendo aos poucos, ou seja, R$ 20 mil por mês, não precisar pagar IR, mas correr o risco de reinvestir em títulos de renda fixa com taxas mais baixa, pois elas devem cair nos próximos anos.

A solução é baseada em três premissas: qual título se pretende comprar, quanto podem cair as taxas de juros e quanto as ações ainda podem subir.

Assumindo que as taxas de juros reais caiam 1,5% nos próximos cinco anos, o Tesouro IPCA2045 hoje negociado a IPCA + 5,5% ao ano cairia para IPCA + 4% ao ano. Isso faria com que o título se valorizasse IPCA + 10,76% ao ano, aproximadamente, nesses cinco anos.

Assumindo uma inflação de 4% ao ano, equivaleria a 15% de valorização nominal.

Acho que vale o risco de manter a disciplina de vender R$ 20 mil das ações, pelo menos nos próximos 12 meses e evitar o IR agora. O cenário para o mercado acionário permite que se tenha uma valorização de 15% para as ações no próximo ano.

Entretanto, a mesma revisão deve ser feita periodicamente.

Adicionalmente, para essa parte da venda das ações, sugiro a Helena considerar o prêmio que CDBs referenciados ao IPCA e com garantia do FGC proporcionam.

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