Ser líder no setor público turbina salário, mas exige preparo

Servidores podem alcançar ascensão profissional por meio de processos seletivos internos e programas de formação de líderes

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Rio de Janeiro

É comum associar lideranças do setor público à indicação por afinidade política, mas, com impulso de uma lei de 2021, são maiores hoje as chances de servidores de carreira chegam a posições de chefia por mérito.

Para isso, segundo especialistas, contam pontos um histórico de bom desempenho e competências ideais para a vaga.

Apesar de avanços, gestões públicas ainda enfrentam entraves na formação de novas chefias, sobretudo em locais com menos recursos para investir no preparo dos servidores, e para promover inclusão de mais pessoas que representam diversidade em postos mais elevados na hierarquia.

"Uma liderança que inspira e dá oportunidades e direcionamento faz diferença no engajamento dos servidores", declara Clarissa Malinverni, cientista social e integrante da diretoria-executiva do Movimento Pessoas à Frente, dedicado à gestão de pessoas no setor público.

Rafael é um homem branco de cabelos lisos escuros e olhos escuros, com barba grisalha. Ele veste paletó e garvata escuros, com blusa social branca por baixo.
Rafael Divino, 38, tornou-se superintendente de administração de pessoal na Secretaria de Planejamento de Minas Gerais após ser aprovado em processo seletivo - Ascom/Seplag-MG

Esta é a terceira reportagem de Carreira Pública, série da Folha em parceria com o Instituto República.org, que discute a trajetória do servidor desde a entrada no setor público até a aposentadoria.

O servidor com bom rendimento pode ascender profissionalmente de diferentes maneiras. Isso inclui, por exemplo, ser aprovado em processos seletivos internos para posições de chefia ou passar por cursos de formação de lideranças.

Embora a gestão de desempenho ainda não esteja em pleno funcionamento no setor, recrutadores podem avaliar projetos que o candidato esteve envolvido ou liderou e resultados alcançados na área de atuação.

No Executivo federal, os profissionais têm a garantia de uma lei sancionada em 2021 de que poderão alcançar o topo da carreira. A legislação determina que 60% dos cargos comissionados em funções de confiança sejam ocupados por servidores.

Servidores que chegam a funções comissionadas de liderança têm direito a um reajuste, variando de acordo com o nível do cargo e o órgão onde atua. Por lei, ele pode optar por receber essa bonificação de diferentes formas. Uma das possibilidades é somar 60% do salário do cargo comissionado que ocupa à remuneração de sua função efetiva.

Também pode ter direito a outro benefícios, como auxílio-moradia, no caso dos profissionais que se deslocaram de seu local de residência para ocupar a função.

Dados do portal da transparência e do relatório do governo federal sobre remuneração dos servidores apontam que, na Advocacia-Geral da União, por exemplo, o profissional concursado pode partir de um salário inicial de R$ 10,6 mil e, com a ascensão profissional, chegar a uma remuneração de R$ 30 mil, no cargo de direção.

Para servidores da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), o valor pode ir de cerca de R$ 23 mil para R$ 34 mil.

Profissionais com interesse em se tornar diretores e gestores podem aprender habilidades como comunicação estratégica e engajamento de equipes nos programas de formação de liderança. Depois de concluir o curso, costumam ter mais facilidade para conseguir oportunidades em posições de chefia.

Um desses programas é o LideraGov, realizado pela Enap (Escola Nacional de Administração Pública) para servidores federais. Os aprovados participam de um treinamento para desenvolver competências como inteligência emocional, capacidade de gestão de pessoas e liderança de organizações.

O programa forma profissionais para atuarem em áreas mais estratégicas, ligadas à elaboração de políticas públicas e aos rumos do governo.

"São as novas lideranças que a gente forma para que o setor público tenha pessoas mais bem preparadas, que não precisam aprender ao longo do caminho e venham prontas para assumir essas posições", diz Betânia Lemos, presidente da Enap.

Ela afirma que parte dos candidatos recebe convites para cargos mais altos enquanto ainda estão no curso. Além disso, o programa forma uma rede de ex-alunos para elevar as chances do servidor ser indicado para funções de confiança.

A Enap promove ainda o programa Líderes que Transformam, que conecta profissionais interessados em ocupar postos de chefia em órgãos públicos com vagas abertas. O programa avalia se as competências do candidato, relacionadas inclusive a habilidades sociais, estão de acordo com o que a entidade precisa.

O Transforma Minas, em Minas Gerais, é outro programa que atua nas frentes de seleção, desenvolvimento e engajamento de servidores do estado.

Rafael Vasconcelos, 38, foi um dos contemplados. Ele, que é servidor concursado na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão desde 2008, tornou-se superintendente de administração de pessoal depois de passar por um processo seletivo do programa.

A primeira promoção de Rafael foi em 2012, quando se tornou coordenador de uma equipe na mesma pasta, por indicação da subsecretaria. Depois de cinco anos nesse cargo, foi trabalhar para a prefeitura de Belo Horizonte. Decidiu voltar ao governo do estado devido à oportunidade no Transforma Minas.

Segundo Rafael, o processo envolveu envio de currículo, preenchimento de formulário com informações sobre experiência e vocação para gestão pública, e entrevista com gestor –no caso, a subsecretaria da pasta em que atua.

O servidor diz que hoje, como líder, incentiva a equipe a mostrar o desempenho, sobretudo em reuniões com as chefias, para aumentar as chances de alcançar altas posições.

"Todo gestor deve ter em mente que precisa ajudar o crescimento de novas lideranças e despertar esse valor público para quem está chegando", afirma.

De acordo com Tadeu Barros, diretor-presidente do Centro de Liderança Pública, o setor patina na formação de novos líderes. Ele diz que muitas gestões, sobretudo de municípios menores, têm dificuldade para implementar um programa dedicado a essa área por falta de recursos financeiros.

Além de oferecer os treinamentos, é preciso haver periodicidade para que os líderes estejam preparados para o surgimento de novas demandas.

Barros defende esforço de diferentes atores, incluindo o terceiro setor e a iniciativa privada, com o objetivo de promover esse tipo de formação para quem não tem acesso.

Outro desafio é a presença de mais mulheres e pessoas não brancas em postos de chefia. O setor público vem tomando iniciativas para ampliar a diversidade nas lideranças. No ano passado, o presidente Lula assinou decreto determinando que 30% dos cargos comissionados sejam ocupados por pessoas negras, com prazo até 2025.

Nos estados, faltam dados sobre raça e gênero das lideranças, como mostrou levantamento divulgado em 2023.

Clarissa Malinverni diz que, apesar dos avanços, houve poucas mudanças nos últimos vinte anos. Nos estados e municípios, o quadro pode ser ainda pior se a diversidade não for priorizada.

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