Estados falham em transparência de dados estratégicos de seus servidores

Estudo aponta falta de informações sobre raça, gênero e escolaridade de profissionais públicos nos portais da transparência

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Rio de Janeiro

Os estados brasileiros ainda patinam na transparência de dados estratégicos de servidores para otimizar a gestão de pessoas, indica levantamento inédito de pesquisadores da FGV a pedido da Fundação Lemann e do Movimento Pessoas à Frente, que discute maneiras de melhorar políticas públicas.

De acordo com o estudo, os portais de transparência não divulgam dados desagregados sobre escolaridade, raça e gênero de todos os funcionários estaduais, abrangendo das lideranças nas pastas aos associados à atividade-fim, como professores e enfermeiros. A exceção, ao menos parcialmente, é o Paraná, que informa o gênero de todos os servidores.

A maior parte dos estados também não disponibiliza informações sobre as responsabilidades e a data de início do trabalho daqueles que ocupam postos de chefia nas secretarias.

Esta é a quarta reportagem da série Profissional Público pela Democracia, que debate temas ligando responsabilidades dos governos e de seus servidores na proteção das instituições, buscando dar respostas a anseios sociais. O especial integra o núcleo editorial Vida Pública, parceria entre a Folha e o Instituto República.org.

Imagem mostra palácio do Iguaçu, um prédio espelhado de paredes brancas. É possível visualizar árvores e postes de luz no lado esquerdo e, ao centro e no lado direito, as bandeiras do Brasil e do estado do Paraná, respectivamente
Palácio Iguaçu, sede do governo do Paraná, em 2015; estado é o único a disponibilizar informações sobre gênero dos servidores - Karime Xavier/Folhapress

A análise foi realizada por pesquisadores da FGV CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas), entre agosto e dezembro do ano passado. O trabalho se baseou nos portais da transparência, onde há dados sobre todo o corpo de servidores, e nas legislações da estrutura administrativa dos estados, que informa quais são os cargos de chefia em cada uma das pastas.

Os pesquisadores não localizaram a lei de recursos humanos do Espírito Santo, tampouco conseguiram acessar os dados nos portais de Tocantins, Bahia, Mato Grosso e Rio de Janeiro.

Matheus Nunes, coordenador de Conhecimento, Dados e Pesquisa da Fundação Lemann e um dos autores do levantamento, diz que esse tipo de dado ajuda a criar métodos mais eficazes para a gestão de servidores, o que culmina em melhores resultados de políticas públicas.

A partir dessas estatísticas, seria possível entender as competências de uma equipe e o perfil de seus membros para elaborar estratégias de recrutamento e de análise de desempenho. Além de ajudar a orientar a liderança dos órgãos, a disponibilidade de dados permite que a sociedade acompanhe a gestão, aumentando a participação social.

"Pessoas são as principais ferramentas para melhores serviços públicos. Entendendo o perfil delas, conseguimos ver como funciona o estado e quais são as principais lacunas para desenhar intervenções mais efetivas", afirma Nunes.

Embora alguns governos estaduais informem a totalidade de servidores por raça e gênero, esse formato não permite um olhar mais detalhado sobre o perfil dos servidores, conforme apontam especialistas.

Segundo Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, dados desagregados, em que cada linha da base corresponde a uma pessoa, permitem análises comparativas que ajudam a entender, por exemplo, o salário dado a mulheres ou a quantidade de pessoas não brancas em posições de liderança. Quando apenas o total é disponibilizado, não é possível saber que cargos esses servidores ocupam e qual o seu grau de escolaridade.

A importância de informações sobre raça e gênero se deve ao crescimento recente das discussões sobre representatividade, de acordo com Matheus Nunes. Ele afirma que equipes mais diversas podem formular políticas mais efetivas, pensadas para incluir melhor o grupo social a que pertencem.

No levantamento, os pesquisadores identificaram boas práticas nos estados. Um deles é o Paraná, cuja legislação informa com detalhes as atribuições de lideranças. O estado também é o único a fornecer dados desagregados sobre o gênero dos servidores. Já em Alagoas, a lei mostra os pré-requisitos para ocupar uma posição de liderança no governo.

No início deste ano, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos lançou o Observatório de Pessoal, que reúne registros como raça, etnia e gênero de servidores da administração federal.

Jessika Moreira, integrante do Movimento Pessoas à Frente, diz que os estados têm sido influenciados pela União e pretendem reverter o quadro, investindo na coleta de dados para gestão de pessoas.

Ela cita o exemplo do Governo do Ceará, que lançou o Programa de Gestão de Líderes Públicos em junho deste ano. O projeto busca mudar o gerenciamento de pessoas em nível estadual, com novos métodos para atrair funcionários.

Moreira afirma que as políticas estaduais podem incentivar os municípios a coletar informações e, a partir delas, desenvolver a própria política com ênfase nos servidores.

"Governos que conseguem entregar políticas públicas de qualidade também são orientados por evidências, com um processo de tomada de decisão mais qualificado", diz.

Estruturação como caminho para transparência

O levantamento do grupo de pesquisadores da FGV verificou ainda que não há um padrão de nomenclatura para os cargos públicos, o que dificulta a comparação entre estados. Um servidor pode ter as mesmas atribuições, em uma secretaria de mesma finalidade, e ainda assim o nome do cargo pode ser diferente de acordo com o estado.

Ao detectarem que as informações das legislações não eram suficientes, os pesquisadores analisaram as normativas de três áreas: gestão, saúde e educação, escolhidas por terem maior orçamento e impacto sobre a vida da população.

Essa restrição foi feita por se tratar de um levantamento maior, que exigiu uma análise de regimentos internos. O objetivo foi verificar quais eram os cargos de chefia em cada uma dessas pastas, chegando a 7.250.

Ao preparar a divulgação dos dados para seus portais de transparência, órgãos públicos conseguem ter uma base mais organizada para consumo interno, diz Fernanda Campagnucci.

Com informações mais estruturadas, eles precisam estabelecer uma política de governança de dados, que considera atores e finalidades internas e externas.

Para isso, Fernanda explica que é preciso mapear sistemas, profissionais responsáveis por eles e os usuários em potencial. A partir dessa análise, são criadas estratégias de acesso à informação.

"É como se fosse uma longa trilha, em que a política de transparência é o final. Para chegar a ela, é preciso passar por uma série de fases que vão revolucionar o modo como lida com os dados internamente, porque você vai precisar ter uma visão de ponta a ponta."

Ela afirma que, em geral, a transparência independe de recursos do ente federativo ou do tamanho da população, mas sim da vontade dos líderes eleitos. Por isso, a importância de entenderem a necessidade dos dados abertos, que impulsiona a institucionalização de uma política de transparência.


Veja como dados podem melhorar gestão de pessoas no setor público

  • Atração

A partir de informações sobre habilidades dos servidores, é possível desenhar políticas de atração mais direcionadas com ênfase nas necessidades de cada equipe

  • Desempenho

Dados permitem a criação de indicadores sobre o progresso da gestão, além de facilitar o acompanhamento de resultados de cada pasta

  • Engajamento

Ajudam a apontar boas práticas e pensar em programas de desenvolvimento para as equipes a partir informações sobre competências dos funcionários

  • Diversidade

Traçam um perfil das lideranças que pode servir como base para impulsionar medidas de inclusão e pluralidade de pessoas no setor

Fonte: Levantamento realizado por pesquisadores do FGV CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas), a pedido da Fundação Lemann e do Movimento Pessoas à Frente

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