Descrição de chapéu agências regulatórias

Anatel quer regular big techs e ampliar conectividade

Agência já atua para acionar empresas de telecomunicações quando plataformas se recusam a derrubar conteúdos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) quer liderar a regulação das big techs no Brasil. O órgão se vê como o mais preparado para assumir o papel de fiscalização e punição das plataformas, principalmente se a tramitação do PL das Fake News for destravada.

Presidente da agência, Carlos Baigorri disse, em debate na Câmara dos Deputados em 23 de abril, que a ideia não é transformar a Anatel em moderadora de posts em redes sociais, mas usar o "poder de polícia" sobre as empresas de telecomunicações quando há decisão de bloquear um conteúdo.

Regulação econômica e concorrencial de plataformas digitais está em debate no Brasil e no mundo - Denis Charlet - 21.out.2020/AFP

Baigorri afirmou que a Anatel já é acionada quando as plataformas se recusam a retirar conteúdos da rede. Nesses casos, a agência manda que as empresas de telecomunicações bloqueiem os sites.

"Por uma questão de efetividade, não faz sentido [o órgão que regula as big techs] não ser quem tenha poder sobre a infraestrutura de telecomunicações", disse o presidente da Anatel.

Parte dos pesquisadores do setor rechaça a ideia da agência como reguladora da atuação das big techs no país por avaliar que o órgão não tem sido efetivo no desempenho das atribuições que já lhe competem.

A Anatel e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) assinaram acordo no fim de 2023 para agilizar os efeitos das decisões sobre conteúdo considerado irregular. O tribunal vai comunicar a agência por meio eletrônico, enquanto nas eleições passadas a decisão era entregue em mãos por um oficial de Justiça.

A agência é um dos participantes do Ciedde (Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia) do TSE.

O órgão regulador ainda tem planos para ampliar a conectividade no país, onde 16% da população com 10 anos ou mais não tem acesso à internet, de acordo com o estudo TIC Domicílios 2023, elaborado pelo CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil). O percentual era de 49% em 2015.

A Anatel estuda lançar um novo leilão de licenças para explorar radiofrequências, em 2025 ou no ano seguinte, segundo integrantes da agência. Em fevereiro, o órgão lançou uma "tomada de subsídio" para recolher impressões do mercado sobre a possível disputa pelo espectro de radiofrequência.

Uma das ideias é que parte da verba arrecadada no leilão sirva para bancar a chegada de infraestrutura de conexão a lugares remotos.

A agência ainda lida com temas conhecidos por grande parte da população, como licenciamento de canais de rádio e TV, telefonia móvel e até regras para limitar incômodos por ligações de telemarketing.

"A Anatel regula muitos setores, desde telecomunicações, radiodifusão. Também a parte concorrencial e ao consumidor. A agência é altamente qualificada hoje para fazer a regulamentação das big techs", disse Moisés Moreira, que foi conselheiro da agência entre 2018 e 2023.

"A Anatel tem desafios de continuar promovendo conectividade. O nosso país tem dimensões continentais e ainda carece de mais capilaridade em regiões distantes, como no Norte. Hoje mesmo estamos colocando fibra óptica no meio dos rios da Amazônia", disse ainda Moreira.

Em documento de maio de 2023, a agência afirmou que contava com 1.286 funcionários, enquanto a previsão legal era de quadro com quase 1.700. A agência pediu a abertura de cerca de 400 vagas ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

O governo liberou 50 vagas para o concurso que será feito em maio.

"A gente está exigindo no edital conhecimento em desinformação, democracia, plataformas digitais e inteligência artificial. Esses são os desafios que se apresentam ao Estado brasileiro", disse o presidente da Anatel durante debate na Câmara dos Deputados.

Responsável pelas principais decisões da Anatel, o conselho da agência tem cinco cadeiras, sendo que quatro são ocupadas por nomes indicados na gestão Bolsonaro. Ainda há um conselheiro substituto que foi convocado em 2024.

O período de mandato de Baigorri está sob discussão no TCU (Tribunal de Contas da União), em processo que pode gerar efeito cascata e encurtar mandatos de presidentes de outras agências.

De forma geral, o tribunal avalia se quem pulou do cargo de conselheiro ou diretor de uma agência para a presidência pode aproveitar os cinco anos de mandato que a lei prevê ao posto principal do órgão.

Baigorri, por exemplo, foi nomeado conselheiro em 2020 e se tornou presidente dois anos depois, sem prazo final de mandato. O período será decidido pelo tribunal.

A agência também é alvo de críticas e ações judiciais de empresas contra as taxas que compõem, por exemplo, o Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações).

Desde 2020 as grandes prestadoras de serviço do setor usam uma decisão liminar para não pagar parte destas obrigações. Ainda assim, o Fistel arrecadou cerca de R$ 1,5 bilhão em 2023 e tem R$ 15,17 bilhões acumulados.

"Em 2023, apesar da referida suspensão, algumas empresas efetuaram o pagamento desse tributo, o que não vinha ocorrendo desde 2020. Isso proporcionou a elevação do patamar da arrecadação. No total, o impacto dessa ação judicial perfaz o valor de R$ 7,5 bilhões, considerando-se os quatro anos de suspensão e sem considerar os acréscimos legais", afirma o relatório de gestão de 2023 da agência.

Além disso, pesquisadores questionam a capacidade operacional da agência para tratar de assuntos ligados às big techs.

"A Anatel é uma agência de regulação de mercados e proteção dos consumidores, com histórico complicado de efetividade", afirmaram Rafael Zanatta, diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, e Gustavo Rodrigues, diretor do Iris (Instituto de Referência em Internet e Sociedade), em artigo publicado na Folha em maio de 2023.

A Anatel tem orçamento de R$ 665 milhões em 2024, sendo que R$ 388,7 milhões estão reservados para obrigações, como salários e aposentadorias.

A verba discricionária, ou seja, o recurso que pode ser usado em programas e contratos da Anatel, soma R$ 213 milhões. Em 2013, essa mesma fatia do orçamento da agência alcançava R$ 464 milhões, considerando valores corrigidos pela inflação.

Deste recurso, apenas R$ 43,9 milhões são para "fiscalização regulatória".

Em nota, o presidente da Conexis Brasil, Marcos Ferrari, disse que "a Anatel é parte importante do ecossistema das telecomunicações e sua atuação é de extrema importância para dar segurança jurídica e regulatória aos investimentos das empresas de telecom".

Ele citou o "uso sustentável das redes de telecomunicações e a relação entre as operadoras e as provedoras de conteúdo digital, as chamadas big techs", como tema de relevância ao setor que é discutido na Anatel. Além disso, "o novo regulamento de compartilhamento de postes entre as empresas de telecom e as distribuidoras de energia, que está sendo analisado de forma conjunta entre a Anatel e Aneel", afirmou.


RAIO-X DA ANATEL

  • O que é: criada pela Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472, de 16 de julho de 1997) e vinculada ao Ministério das Comunicações, a Anatel foi a primeira agência reguladora instalada no Brasil, em 5 de novembro de 1997

  • Atribuições: regula e fiscaliza o setor de telecomunicações e temas como o espectro de radiofrequências e o uso de órbita

  • Criação: 1997, durante o governo Fernando Henrique Cardoso

  • Orçamento: R$ 665 milhões (2024)

  • Servidores: 1.286 (2023)

  • Diretores (e quando terminam os mandatos):

  1. Carlos Manuel Baigorri (presidente do conselho diretor, tem prazo do mandato ainda em discussão pelo TCU)

  2. Vicente Bandeira de Aquino Neto (4 de novembro de 2025)

  3. Artur Coimbra de Oliveira (4 de novembro de 2024)

  4. Alexandre Reis Siqueira Freire (4 de novembro de 2027)

  5. Raphael Garcia de Souza (conselheiro substituto em vaga aberta)


SÉRIE FAZ RAIO-X DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Este é o quinto capítulo de série da Folha que detalha a atuação das agências reguladoras federais. Ao todo, serão 11 reportagens para traçar um raio-X dessas instituições na regulação e supervisão de setores como energia, petróleo, planos de saúde, vigilância sanitária, transportes, mineração, águas, aviação civil e audiovisual.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.