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Derrota de Hillary em 2016 vira obstáculo para candidatas nos EUA

Democratas que almejam a Presidência em 2020 são cobradas para se diferenciar da ex-senadora

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Annie Linskey David Weigel
The Washington Post

Horas depois de Elizabeth Warren ter anunciado seu plano de disputar a Presidência americana, surgiu uma questão envolvendo um possível ponto fraco. E a dúvida não derivava de pesquisas da oposição sobre algum aspecto de sua vida, e tampouco tinha algo a ver com suas propostas de políticas públicas.

É uma pergunta que as mulheres candidatas ouvem frequentemente, mas os homens raramente: será que as pessoas gostam dela o bastante para torná-la presidente? Algumas pessoas fazem a mesma pergunta de uma maneira potencialmente mais devastadora: será que ela é parecida demais com Hillary Clinton para ser candidata?

Não é só a senadora democrata por Massachusetts que pode se sentir compelida a encontrar uma resposta. A campanha presidencial de 2020 deve incluir o maior elenco de mulheres candidatadas na história eleitoral dos Estados Unidos, todas elas em campanha depois da derrota da primeira mulher a ser indicada como candidata presidencial por um grande partido.

A senadora Elizabeth Warren discursa em evento no estado de Iowa após anunciar a intenção de disputar a vaga do Partido Democrata na eleição de 2020
A senadora Elizabeth Warren discursa em evento no estado de Iowa após anunciar a intenção de disputar a vaga do Partido Democrata na eleição de 2020 - Brian Snyder/Reuters

Os motivos para a derrota de Hillary continuam a ser debatidos, dois anos depois da eleição. Mas ainda que a deputada Nancy Pelosi, democrata da Califórnia, tenha sido eleita para a presidência da Câmara na quarta-feira (2), as mulheres que pensam em chegar à Casa Branca continuam a enfrentar críticas e demandas associadas a gênero que seus rivais homens não encontram: precisam ser fortes mas não duras demais; assertivas sem serem estridentes, para evitar que os eleitores as rejeitem por motivos que eles podem não reconhecer como sexistas, mas que pesquisadores dizem ser exatamente isso.

O site McSweeney's tratou da controvérsia sobre a possibilidade de que os eleitores não "gostem" de Warren com uma reportagem cujo título, embora satírico, era pungente: "não odeio candidatas mulheres - eu só odiava Hillary, e coincidentemente estou começando a odiar Elizabeth Warren".

Para as mulheres democratas que estão pensando em disputar a presidência, isso cria o que pode ser uma disputa preliminar para 2020: elas precisam demonstrar que não são Hillary Clinton —nem um pouco como ela— antes que recebam a aprovação do partido para encarar Trump.

Esse obstáculo também surgiu para as candidatas democratas na eleição de novembro de 2018, quando os republicanos tentaram vinculá-las diretamente a Hillary. Isso levou alguns democratas a discutir abertamente se o partido não faria bem em evitar uma candidatura feminina à presidência em 2020 —ideia que ofende a muita gente na agremiação.

"É ridículo", disse Jess McIntoch, que trabalhou na campanha presidencial de Hillary. "Jamais consideramos a derrota de um homem como motivo para não apostar em outra candidatura de um homem branco, ou de outro veterano das forças armadas".

Há algo de especialmente estranho na comparação entre Warren e Hillary, porque as duas, afora serem do mesmo sexo e de idades parecidas, têm histórias de vida e posições políticas muito diferentes.

Warren se formou na Universidade de Houston, uma instituição que ela descreve como "uma faculdade suburbana", e na escola de direito da Universidade Rutgers —um caminho que não seria descrito como tipicamente de elite. Hillary se graduou no Wellesley College e depois estudou direito na Universidade Yale.

Warren criticou Hillary diretamente em "The Two-Income Trap", livro de 2003 em que ela acusava a então senadora por Nova York de estar alinhada com as grandes instituições financeiras, em uma disputa crucial sobre leis de falência, por dever favores ao setor financeiro. Ela só expressou apoio à candidatura presidencial de Hillary em junho de 2016, quando esta já tinha garantido a indicação democrata.

Outras mulheres que estão ponderando possíveis candidaturas pelo Partido Democrata são também diferentes de Hillary.

Três senadoras democratas que estão avaliando possíveis candidaturas —Kamala Harris, da Califórnia; Amy Klobuchar, de Minnesota; e Kirsten Gillibrand, de Nova York— estão na casa dos 50 anos, ou seja, são uma geração mais novas que Warren e Hillary.

Diferentemente de Hillary, que se criou no Illinois e se mudou para o Arkansas depois do casamento com Bill Clinton, Harris fez carreira na Califórnia, e seu estilo é bem característico da costa oeste. Klobuchar mostra traços típicos do Meio-Oeste.

Isso não impede que surjam comparações. Gillibrand —que ficou com o assento de Hillary no Senado quando a ex-primeira dama se tornou secretária de Estado do presidente Barack Obama— foi descrita pelo comentarista conservador Ben Shapiro como "versão 'mini-me' de Hillary Clinton".

Nos dias iniciais de Warren como aspirante à candidatura presidencial, ela parece ter feito questão de excluir da pauta o debate se as pessoas gostam ou não dela. Na noite em que anunciou sua intenção de concorrer, ela abriu uma garrafa de cerveja na cozinha, e transmitiu o momento ao vivo na mídia social.

Na quarta-feira, a caminho de uma entrevista no Rachel Madow Show, na rede de TV MSNBC, ela zombou abertamente da ideia.

"Ouvi dizer que é mais fácil gostar de uma candidata mulher no vagão do silêncio", ela tuitou, postando um vídeo que a mostrava no trem com o marido, e anunciava sua entrevista.

Uma mudança que pode simplificar a estratégia das candidatas mulheres, depois da derrota de Hillary, é o movimento #MeToo, que criou conscientização mais forte sobre os padrões a que as mulheres são submetidas. Isso pode ter contribuído para a crescente disposição das candidatas, em 2018, a criticar o que veem como expectativas sexistas —e até racistas.

Durante sua campanha por uma cadeira na Câmara, em Massachusetts, a deputada Ayanna Pressley falou abertamente sobre os vieses adversos que enfrentava, como candidata negra.

"Vou dizer a verdade. Como mulher negra e dotada de um palanque, me pediram para não mostrar muita indignação ou raiva, por medo que isso me valesse o rótulo de mulher negra indignada", disse Pressley em um discurso que fez durante a batalha contra a indicação de Brett Kavanaugh, acusado de agressão sexual contra uma mulher quando era adolescente, no subúrbio de Maryland, a uma cadeira na Suprema Corte. "Bem, eu estou zangada. E estou indignada, porque o que aconteceu causa indignação".

A eleição do ano passado despertou a atenção das mulheres, tanto eleitoras quanto ativistas, muitas das quais movidas por sentimentos parecidos. Isso contribuiu para a tomada do controle da Câmara pelos democratas, que devolveu Pelosi à presidência da casa —o que as possíveis candidatas à Presidência veem como uma força em seu favor.

"A ideia de que todas as mulheres são iguais e que as mulheres devem ser julgadas por qualquer outra coisa que não seus méritos é simplesmente ofensiva e errada", disse Gillibrand. "As mulheres provaram em 2018 que os democratas podem reconquistar a maioria na Câmara propelidos por candidatas extraordinárias e por um movimento de base liderado por mulheres".

As críticas às mulheres candidatas, e as comparações com Hillary, não afetaram apenas a candidatura de Pressley.

Em sua campanha pelo governo estadual do Michigan, estado no qual Hillary foi derrotada por margem muito pequena na eleição de 2016, Gretchen Whitmer teve de combater a ideia de que o estrado rejeitaria uma nova candidatura feminina.

"No começo, havia uma ressaca de 2016", disse Brandon Dillon, presidente do Partido Democrata no Michigan. "Havia pessoas que não achavam que ter uma mulher na cabeça da chapa fosse uma boa ideia".

Quando Hillary expressou seu apoio a Whitmer, na semana final da campanha, o comitê nacional do Partido Republicano zombou dizendo que "ninguém sabe vencer em Michigan como Hillary Clinton".

Whitmer venceu por margem esmagadora, derrotando o republicano Bill Schuette por cerca de 10 pontos percentuais.

No Iowa, os republicanos tentaram vincular algumas candidatas a Hillary e Pelosi, disse Sean Bagniewski, presidente do Partido Democrata no condado de Polk.

Isso abalou alguns democratas, que estavam muito conscientes de que uma mulher do partido jamais havia sido eleita para o Congresso no estado, ele disse. Mas as vitórias de Cindy Axne e Abby Finkenauer —duas mulheres que derrotaram deputados federais republicanos e conquistaram cadeiras na Câmara em novembro— convenceram muitos ativistas de que a "maldição" tinha acabado, disse Bagniewski.

O grau de exigência dos eleitores para com mulheres que busquem postos executivos é maior do que no caso de cargos legislativos. Mas vitórias parecem facilitar o percurso em futuras candidaturas, dizem especialistas.

E o fato de que diversas candidaturas femininas à presidência podem surgir na próxima eleição talvez seja uma fonte de força. Afinal, entre tantas candidatas, os eleitores certamente gostarão de alguma, apontou Jennifer Palmieri, que foi diretora de comunicações de Hillary em 2016.

"Se coisas assim continuarem a acontecer com outras mulheres candidatas, estará claro que há um viés de gênero em ação", disse Palmieri. "Pode haver um motivo legítimo para não apoiar a candidatura de Warren. Mas precisamos esperar que as pessoas vão mais fundo se esse motivo for algo intangível, como a dificuldade de gostar dela".

Ed Rendell, ex-governador da Pensilvânia, está entre os democratas que rejeitam a ideia de que o partido deveria ser cauteloso quanto a indicar uma mulher como candidata à Presidência. "Vai ser um inferno se, no mínimo, não tivermos uma mulher na chapa". Ele falou positivamente sobre Klobuchar, ainda que usando termos que pouca gente usaria sobre um candidato homem, em circunstâncias semelhantes.

"Ela é durona como poucos e ainda assim parece ser a vizinha da casa ao lado", disse Rendell. "O tipo de pessoa que todo pai gostaria de ver seu filho conhecendo, e quem sabe se casando com".

Na quarta-feira, quando Warren cumprimentou legisladores em Boston pela abertura da sessão legislativa do estado, havia conversas sobre suas chances.

"O comentário que ouço sempre sobre Elizabeth é: será que ela consegue se eleger? Será que é capaz de vencer?", disse o senador estadual David Linsky, democrata. "Ou será que ela enfrenta questões de empatia pessoal como as que derrubaram Hillary Clinton?"

"Haverá quem diga que isso é sexismo. Haverá quem diga que é preconceito de idade", disse Linsky. "A última coisa que desejamos é um candidato que chegue muito perto de derrotar Donald Trump, mas perca".

Paulo Migliacci
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