Descrição de chapéu Brexit

Boris Johnson vai suspender Parlamento para acelerar brexit sem acordo

Rainha Elizabeth 2ª aceitou pedido do primeiro-ministro do Reino Unido

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Paris

O governo Boris Johnson pisa fundo no acelerador da ruptura litigiosa com a União Europeia (UE), o brexit sem acordo

O primeiro-ministro britânico pediu nesta quarta (28) à rainha Elizabeth 2ª que suspenda, a partir de 10 de setembro, as atividades do Parlamento por cinco semanas, período mais longo de suspensão das atividades do Legislativo desde 1945.

O gesto visa a reduzir o tempo que deputados —agora em recesso— terão, a partir da semana que vem, para bloquear uma saída abrupta do Reino Unido do bloco, como a que o líder conservador vem repetidamente mencionando em discursos e entrevistas.

Uma nova sessão começará em 14 de outubro, com um discurso da monarca —que aprovou a solicitação do premiê— sobre as prioridades do governo.

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson - Geoffroy Van Der Hasselt/AFP

O Legislativo, que volta das férias de verão em 3 de setembro, pode tentar passar uma lei que interdite o chamado “no deal” (ruptura não pactuada) ou mesmo votar uma moção de desconfiança no governo Boris. Mas agora só disporá de uma semana para fazê-lo.

“Estou chocado com a imprudência do governo de Boris, que fala sobre soberania e está tentando suspender o parlamento para evitar o escrutínio de seus planos de um brexit sem acordo", disse o trabalhista Jeremy Corbyn, líder da oposição.

Corbyn, que classificou a ação como uma ameaça à democracia, defendeu que o premiê seja chamado ao Parlamento para prestar satisfação.

O trabalhista Ed Miliband falou em tentativa de golpe: "Suspender o parlamento para impedir a expressão da vontade dos representantes eleitos é o que os autocratas e os ditadores fazem. Esta tentativa de golpe contra a nossa democracia para impor um brexit sem não pode ser tolerada." 

Na terça (27), um grupo suprapartidário que reúne parlamentares governistas e da oposição concordou em buscar um obstáculo legal para o “brexit custe o que custar” do premiê assim que os trabalhos sejam retomados.

Eles consideram antidemocrática a abordagem adotada pelo Executivo. No Reino Unido, o Parlamento tem o protagonismo do processo político.

Após o anúncio dos planos de Boris, alguns membros do grupo afirmaram que o voto de desconfiança talvez seja a resposta preferível.

“A decisão do primeiro-ministro é questionável e ultrajante. Ele sabe que estamos no meio de uma crise nacional”, disse o deputado governista Dominic Grieve.

“Trata-se de uma tentativa de governar sem o Parlamento. É algo sem precedentes e de que o governo vai se arrepender.”

A questão é que, se o premiê cair numa eventual votação em plenário, permanecerá no cargo até que outra gestão obtenha apoio majoritário do Legislativo.

Caso não haja acordo para a formação de um novo governo, caberá ao líder interino (ainda Boris) fixar a data das eleições gerais —e ele pode simplesmente escolher um dia após 31 de outubro (prazo-limite para o desligamento britânico da UE), forçando a saída sem acordo.

Com a reviravolta desta quarta, o regresso dos parlamentares ocorrerá a menos de uma semana da cúpula do Conselho Europeu (colegiado de líderes da UE) de 17 e 18 de outubro.

Nesse encontro, o premiê tentará pela última vez obter de seus pares as mudanças que julga necessárias no acordo de “divórcio” —sobretudo no que se refere ao mecanismo para evitar a volta dos controles alfandegários na fronteira entre as Irlandas, uma união aduaneira a que ele se opõe veementemente.   

Decidido em plebiscito de junho de 2016, o adeus de Londres ao bloco foi objeto de negociações formais entre os dois lados por mais de um ano e meio.

Porém, o pacto fechado entre a antecessora de Boris, Theresa May, e os europeus no fim de 2018 acabou rejeitado pelos deputados britânicos três vezes, levando à renúncia da primeira-ministra em julho passado.

A notícia da suspensão do Parlamento foi recebida com reações duras por parlamentares de Bruxelas.

"'Recuperar o controle' [do Reino Unido, uma das promessas do brexit] nunca pareceu tão sinistro. Suprimir o debate sobre escolhas profundas não deve garantir uma relação UE-Reino Unido estável no futuro", disse Guy Verhofstadt, coordenador do brexit no Parlamento Europeu. 

Nathalie Loiseau, aliada do presidente francês, Emmanuel Macron, escreveu em uma rede social que a democracia britânica está doente. "Um brexit sem debate está se aproximando. De qual doença a democracia britânica está sofrendo que há um medo de debate antes de tomar uma das decisões mais importantes de sua história?"


PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A SUSPENSÃO DO PARLAMENTO

O que é a suspensão do Parlamento?
O recurso estabelece o fim formal de uma sessão parlamentar. No Reino Unido, esta 'sessão' pode ser comparada a um ano ou período legislativo. O Parlamento permanece parado até que uma nova sessão seja aberta.

A sessão também é suspensa quando o Parlamento é dissolvido e uma eleição geral é convocada. A prorrogação é diferente da dissolução, quando os representantes perdem o mandato e ocorre nova eleição geral.

O que acontece com os projetos em tramitação?
Pautas em discussão e questões em debate perdem a validade. Nenhum projeto ou questão pode ser apresentado neste período. 

Por quanto tempo o Parlamento pode ficar suspenso?
A suspensão, quando solicitada à rainha, deve ter uma data-limite definida. O prazo médio nas últimas décadas foi de uma semana ou menos. Ao solicitar a pausa por cinco semanas, Boris Johnson quebrou esse costume. A última vez que houve uma suspensão por mais de duas semanas foi em 2014.

A rainha poderia ter negado o pedido?
Uma vez que o governo tem maioria na Câmara dos Comuns, a tradição é a de que a rainha concorde com qualquer pedido de suspensão. Uma negativa significaria que a Coroa está se envolvendo no processo político, o que fragilizaria o regime parlamentarista.

De que forma a suspensão pode alavancar o brexit?
Ela permite ao governo frustrar, por falta de tempo, quaisquer esforços parlamentares para evitar o brexit em 31 de outubro. Segundo os defensores da medida, a prorrogação é uma estratégia constitucional legítima para levar a cabo a vontade dos eleitores expressada pelo referendo de 2016.

Já a oposição argumenta que um brexit sem acordo vai contra o desejo da maioria dos deputados, o que pode ser visto como algo democraticamente inaceitável.


Horas após Boris Johnson anunciar sua decisão, protestos se organizaram em importantes cidades do Reino Unido. Além de Londres, Manchester, Edimburgo, Liverpool, Bristol e Cambridge receberam manifestantes pedindo que o "golpe" seja impedido e que o premiê renuncie.

Em Londres, milhares se concentraram em frente ao Palácio de Westminster, a sede das duas câmaras legislativas. Eles carregavam cartazes com dizeres como "chamar isto de democracia?" e "o melhor negócio é com a UE".

Embora fosse esperada, a atitude da suspensão do Parlamento "não é menos do que uma ofensa", disse o ator Andrew Lake, 23, ao The Guardian. Uma das líderes do Partido Verde que estava no protesto, Amelia Womack, afirmou que o gesto equivale à remoção dos direitos democráticos do povo.

Criado em 1707, o Parlamento britânico é a autoridade legal suprema do território. Com a expansão do império britânico nos séculos seguintes, que chegou a englobar 23% da população mundial antes da Primeira Guerra, o Legislativo da matriz moldou o sistema político de muitos países colonizados pelos britânicos. Foi, então, chamado de "Mãe dos Parlamentos".

Segundo o site Quartz, com o passar dos anos o Legislativo vem refletindo uma fatia cada vez menor do eleitorado britânico, basicamente porque o número de filiados aos partidos políticos vêm caindo. 

Por exemplo, o Partido Conservador tinha quase 3 milhões de membros na década de 1950, contra 160 mil atualmente, o que representa 0.35% dos eleitores da monarquia —este foi o porcentual que elegeu Boris Johnson.

Já a sigla Trabalhista viu seu número de filiados diminuir de 575 mil em agosto de 2017 —doze meses após o referendo do brexit— para 512 mil em fevereiro deste ano.

A queda no número de filiados representa uma tendência global, segundo o site, que cita também como motivo a desilusão do público com partidos que aceitam como membros pessoas de diferentes backgrounds e interesses.

É relativamente barato se filiar a uma sigla no Reino Unido: os conservadores cobram 25 libras (cerca de R$ 127 por ano), e os trabalhistas pedem pouco mais que o dobro (51,60 libras). Para estudantes, os valores são, respectivamente, cinco e três libras.

Com Reuters

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