A junta que comanda Mianmar desde o golpe militar em 1º de fevereiro ameaçou dissolver o partido político da líder civil Aung San Suu Kyi por supostas fraudes nas eleições legislativas de 2020.
O presidente da Comissão Eleitoral de Mianmar, Thein Soe, afirmou que a investigação sobre os resultados do pleito realizado em novembro do ano passado, no qual o partido apoiado pelos militares foi derrotado, está quase concluída.
"Vamos analisar o que devemos fazer com o partido [Liga Nacional para a Democracia, LND] que agiu de forma ilegal: ou dissolvê-lo, ou processar quem cometeu esses atos ilegais, como traidores da nação", afirmou Soe em um vídeo divulgado pela imprensa local.
A Comissão Eleitoral se reuniu na sexta-feira (21) com os partidos políticos para discutir possíveis mudanças no sistema eleitoral, mas a LND não esteve representada na reunião.
O líder da junta militar, general Min Aung Hlaing, apresentou as supostas fraudes nas eleições como uma das justificativas para o golpe de 1º de fevereiro, em que Suu Kyi, o presidente mianmarense, Win Myint, e outras lideranças da LND foram depostos e presos.
A legenda, que comandava o país desde 2015, obteve 83% dos votos e conquistou 396 dos 476 assentos no Parlamento no pleito de novembro, mas foi impedida de assumir quando o golpe foi aplicado no dia da posse da nova legislatura. O Partido da União Solidária e Desenvolvimento, apoiado pelos militares, obteve apenas 33 cadeiras.
Um veículo de comunicação local informou na quinta-feira (20) que a junta eliminou o limite de idade para a aposentadoria dos generais, o que permitiria a Hlaing permanecer nas funções mesmo depois de completar 65 anos, em julho.
Ao assumir o comando do país, o militar decretou estado de emergência por pelo menos um ano e prometeu transferir o poder após a "realização de eleições livres e justas". Para um país que viveu quase 50 anos sob domínio militar, porém, a promessa soou vaga e sem compromisso com valores democráticos.
Quase quatro meses depois do golpe de Estado, Mianmar vive um reinado de terror, com um levante popular reprimido a sangue e fogo, uma economia paralisada por uma greve geral e intensos combates entre o Exército e as facções rebeldes.
A repressão dos manifestantes pró-democracia e dos dissidentes causou mais de 800 mortes desde 1º de fevereiro. Enquanto isso, dezenas de milhares de civis foram forçados a deixar suas casas devido aos confrontos entre as Forças Armadas e as milícias étnicas, numerosas no país.
Suu Kyi, que recebeu o prêmio Nobel da Paz em 1991, não é vista em público desde sua prisão. Sob prisão domiciliar na capital Naypyitaw, a ex-líder civil deve participar de uma audiência presencial pela primeira vez na próxima segunda-feira (24).
Ela responde por quatro acusações criminais. As duas primeiras, apresentadas ainda na semana do golpe, foram de importação ilegal de seis walkie-talkies e de uma suposta violação dos protocolos de combate à propagação do coronavírus.
As outras duas são por ter supostamente violado uma lei de telecomunicações que estipula licenças para equipamentos e outra por publicar informações que podem "causar medo ou alarme", prática vetada pelo código penal que data do período colonial. Se for declarada culpada, a mianmarense pode ser banida para sempre da vida política e inclusive condenada a longos anos de prisão.
CRONOLOGIA DA HISTÓRIA POLÍTICA DE MIANMAR
- 1948: Ex-colônia britânica, Mianmar se torna um país independente
- 1962: General Ne Win abole a Constituição de 1947 e instaura um regime militar
- 1974: Começa a vigorar a primeira Constituição pós-independência
- 1988: Repressão violenta a protestos contra o regime militar gera críticas internacionais
- 1990: Liga Nacional pela Democracia (LND), de oposição ao regime, vence primeira eleição multipartidária em 30 anos e é impedida de assumir o poder
- 1991: Aung San Suu Kyi, da LND, ganha o Nobel da Paz
- 1997: EUA e UE impõe sanções contra Mianmar por violações de direitos humanos e desrespeito aos resultados das eleições
- 2008: Assembleia aprova nova Constituição
- 2011: Thein Sein, general reformado, é eleito presidente e o regime militar é dissolvido
- 2015: LND conquista maioria nas duas Casas do Parlamento
- 2016: Htin Kyaw é eleito o primeiro presidente civil desde o golpe de 1962 e Suu Kyi assume como Conselheira de Estado, cargo equivalente ao de primeiro-ministro
- 2018: Kyaw renuncia e Win Myint assume a Presidência
- 2020: Em eleições parlamentares, LND recebe 83% dos votos e derrota partido pró-militar
- 2021: Militares alegam fraude no pleito, prendem lideranças da LND, e assumem o poder com novo golpe de Estado
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