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Veja as opções militares da Rússia para agir na Ucrânia

Tempo para ação do presidente russo está acabando; ela varia do blefe à invasão total

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São Paulo

Quase três meses depois de iniciar a movimentação de tropas em torno da Ucrânia que colocou o Ocidente em estado de alerta, Vladimir Putin terá de olhar o relógio: o tempo para decidir se tomará alguma ação militar está próximo de acabar.

Por próximo e pela completa opacidade do que se passa na cabeça do presidente russo, entenda-se talvez algumas semanas, principalmente se a opção que parece mais lógica aos olhos de observadores for a escolhida: não invadir ao fim.

Tanques russos T-72B3 durante exercícios em Rostov, região próxima da Ucrânia
Tanques russos T-72B3 durante exercícios em Rostov, região próxima da Ucrânia - Serguei Pivovarov - 12.jan.2022/Reuters

Vários fatores podem, contudo, catalisar o movimento militar. Como a historiadora americana Barbara Tuchman famosamente demonstrou em seu "Os Canhões de Agosto" (1962), no qual desenhou a trama de alianças e processos de mobilização que levaram à Primeira Guerra Mundial (1914-18), às vezes é impossível parar o trem após ele deixar a estação.

Além disso, há o risco de erros cometidos por líderes sob pressão, seja Putin com sua jogada de alto risco, seja o americano Joe Biden e o britânico Boris Johnson em crise doméstica, para não falar nas vacilações usuais da Europa.

Por fim, acidentes. Um avião derrubado, um tiro disparado ou um entrechoque entre o megaexercício naval russo no Mediterrâneo nesta semana com a chegada de um grupo de porta-aviões americano sob comando da Otan, tudo isso pode colocar fogo no pavio.

De toda forma, não há ainda na mesa a ideia de que forças ocidentais possam intervir militarmente em favor da Ucrânia no caso de conflito além do envio de dinheiro e armas. Por ora, apenas reforços simbólicos de suas fronteiras.

A ideia de uma escalada envolve proporções de Terceira Guerra Mundial entre potências nucleares, num momento em que a China exorta a aliada Rússia a se unir contra o Ocidente. Há etapas anteriores a isso, como um embate cibernético contra infraestrutura de lado a lado, além de sanções econômicas ocidentais, mas os riscos são enormes.

Isso dito, seguem alguns cenários possíveis para a crise do ponto de vista militar para Putin.

1. Invasão total. Na teoria, é o mais improvável dos cenários, mas nem por isso impossível. Para tanto, Putin teria de contar com o que Boris chamou de "guerra-relâmpago" para tomar Kiev, e nesse panorama será preciso usar forças vindas também da Belarus.

O ditador local, Aleksandr Lukachenko, disse recentemente que estava na hora de "recuperar a Ucrânia", e Putin considera o vizinho parte da Rússia. Já há forças russas lá, e os países unificaram sua política de defesa, com Moscou assumindo o setor. Tais tropas e unidades blindadas deveriam descer os ora congelados pântanos de Pripriat, passando pela área contaminada pelo acidente nuclear de Tchernóbil (1986), o que não é maior problema.

O movimento deveria ser acompanhado, contudo, por um assalto a outras cidades grandes, como Kharkiv, que com 1,5 milhão de pessoas tem a metade do tamanho da capital. Na imprensa russa, especula-se que seria possível cercar as cidades e forçá-las à submissão, mas isso parece muito Idade Média. Barragens maciças de mísseis balísticos e avanço de blindados também pelo leste seriam mais prováveis, mas isso teria um custo humano enorme para os dois lados.

Como lembra o americano George Friedman, da consultoria Geopolitical Futures, a Rússia não movimenta forças blindadas desde a Segunda Guerra Mundial. Tanques e afins são de difícil manejo, lentos e suscetíveis a ataques pelo ar e com as armas fornecidas pela Otan a Kiev.

Para invadir o Iraque em 2003, os americanos contaram com cerca de 175 mil militares, incluindo britânicos. Esta é a estimativa mais inflada para as forças russas em torno da Ucrânia hoje, embora haja especulações na casa dos 100 mil. Talvez seja necessário mais tempo para Putin reforçar seu flanco, e mesmo na casa dos 200 mil soldados estamos falando de quase um terço de todas as suas tropas.

Com 209 mil homens e um contingente grande de voluntários, as Forças Armadas da Ucrânia estão mais bem equipadas do que em 2014, quando Putin tomou a Crimeia e apoiou separatistas pró-Rússia no leste. Eles hoje somam talvez 35 mil combatentes para ajudar os russos, e o status das duas "repúblicas populares" que comandam está no centro da disputa política em curso.

Contra a invasão total, há o fantasma afegão, que nasceu britânico, viveu soviético e morreu americano. Morte, resistência e um dreno financeiro sem fim.

2. Invasão parcial. Proposta militar mais factível, uma ação limitada poderia ver dois cenários que forçassem a Ucrânia a capitular e se tornar um Estado incapaz de ser absorvido pela Otan e pela política ocidental, prioridade de Putin. Num deles, as forças russas na Crimeia, no oeste russo e na Belarus fechariam um movimento para consolidar a tomada do Donbass, região rebelde russa no leste ucraniano.

Se não combinada com ataques a outros pontos das forças de Kiev pelo país, essa medida tenderia a ser mais absorvida no Ocidente, embora embuta custos enormes para Moscou. Ao mesmo tempo, obrigaria o vizinho a aceitar os termos de uma "pax putinista". Haveria sanções pesadas, o que já está na conta caso algum tiro seja disparado.

Em complemento à anexação, há a possibilidade da retomada do projeto da Novorossia, ou Nova Rússia, termo que nacionalistas russos dos dois lados da fronteira dão para um proposto território ligando o Donbass à Crimeia pela costa do mar Negro.

Isso obrigaria uma guerra mais sofisticada, com desembarques anfíbios em Odessa, principal porto ucraniano, e levaria o combate para um mar no qual há diversas forças da Otan que poderiam se opor a movimentações de navios de guerra da frota de Sebastopol.

Novamente, tal arranjo desfiguraria a Ucrânia. Analistas como Ivan Barabanov, de Moscou, dizem que essa estratégia emularia a emancipação à força feita pela Rússia em 2008 na Geórgia de duas áreas autônomas. Na prática, o país do Cáucaso não conseguiu unir-se ao Ocidente, ainda que mantenha tal retórica.

3. Putin blefa. Friedman aposta, mas só aposta, que o líder russo diz a verdade desde o começo: ele não quer invadir a Ucrânia. Que toda a sua movimentação é apenas uma forma de coerção diplomática, partindo das demandas inaceitáveis de extirpar a Otan das fronteiras que conquistou a partir de sua expansão ao leste em 1999. Todo o barulho serviria para pressionar o Ocidente e extrair, ao fim, concessões de Kiev, a parte mais fraca do acerto.

O problema desta visão é que Putin não pode simplesmente recuar suas forças, como fez no ano passado. Esse tempo já passou, apesar de o objetivo político de explicitar as divisões da Otan já ter sido alcançado. Outro problema é que a ação do Kremlin convidou a uma reação, e mesmo que mandem apenas 8.500 soldados para os países do Leste Europeu, os EUA estarão mostrando os dentes e pressionando o russo.

Assim, voltamos à questão do relógio avançando e à hipótese de algum tipo de espetáculo de força, limitado ou não, para evitar uma deterioração doméstica para o russo. O rublo já sofre com desvalorização, o que traz lembranças medonhas para a classe média russa da crise de 2014, e os mercados reagem mal aos tambores de guerra ouvidos.

Por toda energia demonstrada nos últimos meses, ele segue em franca campanha de repressão interna e tem os piores índices de popularidade de seu mandato. Diferentemente de 2014, contudo, uma ação militar contra um povo considerado irmão não parece sugerir uma melhoria do quadro. Ou mesmo uma especulada expansão militar na Venezuela ou em Cuba, que não seria aceita em Washington.

Putin costuma ser visto como um tático brilhante e um estrategista não muito bom, pulando de crise em crise para manter seu governo de duas décadas. Sua política externa, a despeito de o Ministério das Relações Exteriores ser reconhecido como um dos mais capazes do mundo, obedece ao dito de 1939 do depois primeiro-ministro britânico Winston Churchill, que virou chavão: é uma charada, envolta em mistério, dentro de um enigma.

A resposta, contudo, pode estar próxima.

Erramos: o texto foi alterado

Em 1955, o território da Alemanha atual estava dividido em Oriental e Ocidental, e apenas a porção do Ocidente fazia parte da ​Otan (aliança militar liderada pelos EUA), diferentemente do que indicava infográfico publicado na reportagem. O mapa foi corrigido.

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