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Apoiadores de Putin da extrema direita condenam ataque à Ucrânia

Aliados afirmavam não acreditar que presidente russo iniciaria uma guerra

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Jason Horowitz
Roma (Itália) | The New York Times

Há anos, um coro global de políticos de direita elogia Vladimir Putin. Eles veem o homem-forte russo como um defensor de fronteiras fechadas, conservadorismo cristão e machismo de peito nu numa era de políticas progressistas e globalização ocidental. Admirá-lo era uma parte central do manual populista.

Mas a agressão de Putin à Ucrânia, que muitos de seus apoiadores disseram que ele nunca faria, projetou uma imagem mais clara do presidente russo como um risco global, um espectro com ambições imperiais que ameaça realizar uma guerra nuclear e provocar instabilidade na Europa.

O presidente russo, Vladimir Putin, durante entrevista coletiva no Kremlin, em Moscou
O presidente russo, Vladimir Putin, durante entrevista coletiva no Kremlin, em Moscou - Mikhail Klimentyev/Sputnik/AFP

Para muitos de seus antigos admiradores –da França à Alemanha e dos EUA ao Brasil– é uma posição um tanto incômoda. A mancha da nova reputação de Putin ameaça tocar seus companheiros de viagem também. "Será um golpe decisivo a eles", disse Lucio Caracciolo, editor da revista geopolítica italiana Limes, que considerou a invasão de Putin à Ucrânia um movimento irracional e potencialmente suicida.

Ele afirmou que membros da ultradireita internacional que desfrutavam de um relacionamento especial e apoio financeiro de Putin estão "com sérios problemas". "Eles colocaram todos os ovos na mesma cesta", disse Caracciolo. "E a cesta está se desmanchando".

Talvez ninguém demonstre melhor esse dilema que o senador Matteo Salvini, principal político de direita da Itália, da Liga Norte, que tem sido um torcedor incondicional de Putin.

Ele usou camisas com o rosto do russo na Praça Vermelha em Moscou e no Parlamento Europeu. Disse que preferia o presidente russo ao italiano e repetiu incessantemente os apelos de Putin para acabar com as sanções já impostas à Rússia por sua anexação da Crimeia. Zombou dos que denunciavam que ele estava no bolso do presidente russo, dizendo: "Eu o estimo de graça, não por dinheiro".

Como alguns outros líderes de direita, agora ele tenta atenuar a situação condenando a violência, ou mesmo a Rússia, mas não Putin nominalmente e dando desculpas para isso com argumentos contra a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Embora alguns de seus colegas tenham admitido que talvez avaliassem o presidente russo incorretamente, Salvini não está pronto para fazer tal concessão.

Na quinta (24), escreveu no Twitter que condena firmemente "qualquer agressão militar" e depois deixou flores na embaixada ucraniana. Ele acabou reconhecendo que a Rússia é um agressor militar, mas ainda parece ter dificuldade em fazer críticas e citar o nome de Putin na mesma frase. "Estou decepcionado com o ser humano que, em 2022, tenta resolver os problemas econômicos e políticos com a guerra", disse Salvini em entrevista à rádio. (O porta-voz de Salvini, Matteo Pandini, insistiu que ele também afirmou que "Putin começou uma guerra e então está errado", mas não pôde apontar onde ele disse isso.)

O italiano encontra-se entre os líderes europeus que hoje enfrentam dificuldades para concatenar o antigo apoio a Putin com a guerra que ele decidiu travar. O elenco de antigos apologistas de Putin que agora se contorcem com desculpas parece uma espécie de enciclopédia da ascensão populista de 2018. ​

Na França, a guerra provocou uma reviravolta politicamente dolorosa e possivelmente dispendiosa antes das eleições presidenciais de abril. Candidatos de extrema direita que passaram anos elogiando o líder russo e semanas minimizando o risco de invasão reavaliaram Putin e a vantagem de ficar ao lado dele.

Marine Le Pen, líder do partido de ultradireita Reagrupamento Nacional –que recebeu um empréstimo de um banco russo–, declarou que a anexação da Crimeia pela Rússia não era ilegal e visitou Putin em Moscou antes das últimas eleições presidenciais, em 2017. Le Pen denunciou a agressão militar de Putin na sexta (25): "O que ele fez é completamente repreensível. Isso muda, em parte, minha opinião sobre ele".

Seu rival de extrema direita na campanha presidencial, Éric Zemmour, chamou no passado de "sonho" a perspectiva de um equivalente francês de Putin e admirou os esforços do russo para restaurar "um império em declínio". Como muitos outros entusiastas de Putin, ele duvidava que uma invasão estivesse nos planos e culpou os Estados Unidos por espalhar o que chamou de "propaganda".

Mas na quinta Zemmour denunciou a invasão, dizendo que "a Rússia não foi atacada nem diretamente ameaçada pela Ucrânia", em um discurso proferido em um púlpito que, para deixar as coisas bem claras, exibia uma placa com a sentença: "Condeno totalmente a intervenção militar russa na Ucrânia".

No Reino Unido, Nigel Farage, um dos principais defensores do brexit, não acreditava que a Rússia invadiria a Ucrânia. "Bem, eu estava errado", escreveu ele no Twitter na quinta-feira, embora sustentasse que a União Europeia e a Otan haviam provocado desnecessariamente a expansão da Rússia.

"Putin foi muito mais longe do que eu pensava que iria."

Outras forças de direita em toda a Europa tentaram acertar o alvo condenando a violência, mas retirando a culpa de Putin. Alexander Gauland, figura-chave do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão), disse ao jornal Neuer Osnabrucker Zeitung na quinta-feira que a invasão foi "resultado de antigos fracassos" e colocou a culpa na expansão da Otan para o leste após a Guerra Fria por violar "os legítimos interesses de segurança da Rússia". Putin tem sido mais popular na parte oriental da Alemanha, antes governada pelos comunistas, onde a AfD tem sua base política.

Os apoiadores de Putin não se encontram só na Europa. Nos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump, cujo mandato foi marcado por uma solicitude ao líder russo que confundiu seus aliados ocidentais, disse na quarta-feira que Putin foi "muito perspicaz" e tomou uma medida "genial" ao declarar regiões da Ucrânia estados independentes como predicado para avançar com as forças armadas russas.

O último líder de destaque a visitar Putin antes da guerra, o presidente Jair Bolsonaro (PL), do Brasil, sobre quem Putin disse certa vez que expressava "as melhores qualidades masculinas", decidiu nesta hora segurar a língua. Talvez ele tenha declarado sua posição quando repreendeu seu vice-presidente por dizer que o Brasil se opunha à invasão russa na Ucrânia.

O presidente russo Vladimir Putin se encontra com o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, no Kremlin, em Moscou - Mikhail Klimentyev/Sputnik/AFP

Mas os velhos amigos de Putin talvez sejam os que parecem mais chocados com o ataque.

Silvio Berlusconi, ex-premiê da Itália que usou chapéus peludos com o russo em sua casa de campo em Sochi e recebeu de presente uma "cama grande" de Putin, condenou a violência, mas não disse nada publicamente sobre o velho amigo. Não está claro se ele procurou Putin, mas aparentemente disse aos membros de seu partido que colocaria suas relações internacionais a serviço da defesa da Europa.

"Falei com Berlusconi ontem à noite. Ele está muito preocupado e quase aterrorizado com o que está acontecendo", disse Giorgio Mulè, subsecretário de defesa do partido de Berlusconi, a uma rádio italiana na sexta-feira. "Ele simplesmente não vê em Vladimir Putin a pessoa que conhecia", acrescentou.

Tradução de  Luiz Roberto M. Gonçalves

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