Descrição de chapéu The New York Times

Família de ditador da Nicarágua dialoga em segredo com EUA para aliviar sanções

Filho de Daniel Ortega se aproxima de Washington, em sinal de que punições financeiras atingiram círculo íntimo da ditadura

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The New York Times

A família que governa a Nicarágua resistiu em grande parte às sanções impostas pelos Estados Unidos nos últimos anos, quando autoridades americanas acusaram a ditadura do país de tendência à autocracia
Agora, ao que parece, a determinação dos Ortega pode estar vacilando.

Logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia, o filho mais proeminente do ditador Daniel Ortega aproximou-se discretamente de Washington para reiniciar o diálogo, segundo autoridades e diplomatas familiarizados com o assunto, enquanto o governo de Joe Biden impunha sanções a Moscou, um dos poucos aliados que restam do país centro-americano.

O tema chave na mente dele: alívio das sanções à família.

O ditador Daniel Ortega e sua mulher e vice, Rosario Murillo, na cerimônia de posse em janeiro deste ano - Xin Yuewei - 11.jan.22/Xinhua

A ascensão meteórica de Laureano Ortega ajudou sua família a consolidar o poder. Hoje ele administra os relacionamentos mais importantes da Nicarágua, forjando acordos diplomáticos e de energia com diplomatas chineses e russos de alto nível.

Um alto funcionário do Departamento de Estado dos EUA foi enviado à capital da Nicarágua, Manágua, para se encontrar com Laureano Ortega em março, mas a reunião não aconteceu, pois os Ortega aparentemente ficaram receosos. Laureano, 40, é visto por alguns analistas como o favorito para suceder seu pai, o ex-líder revolucionário de 76 anos, que estaria com problemas de saúde.

Apesar dos atritos de Daniel Ortega com Washington, a economia da Nicarágua depende fortemente dos Estados Unidos, o maior parceiro comercial do país. Rússia, Venezuela e Cuba, aliados leais de Ortega, não estão na lista dos cinco principais parceiros comerciais da Nicarágua.

Mas as sanções destinadas a frustrar as tendências ditatoriais de Ortega atingiram duramente a família e seu círculo íntimo. Generais de alto escalão e vários filhos do presidente, incluindo Laureano, foram punidos por Washington, suas empresas colocadas na lista negra e acusadas de lavar dinheiro para o regime.

O caráter de alto nível da abertura foi tomado por Washington como um sinal de que as autocracias da América Latina podem estar repensando sua aliança com o presidente russo, Vladimir Putin, enquanto as Forças Armadas de seu país estão atoladas na Ucrânia e sua economia é devastada pelas sanções.

O governo Biden espera fazer incursões com os parceiros latino-americanos de Putin, retratando a Rússia como uma potência em declínio, com pouco a oferecer.

Em 5 de março, logo após a invasão da Ucrânia, altos funcionários dos EUA voaram para a Venezuela para conversas, as negociações de mais alto nível entre os países em muitos anos. Essas negociações garantiram a libertação de dois americanos presos, enquanto o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, indicou a disposição de aumentar a produção de petróleo de seu país se as exportações russas de petróleo fossem proibidas.

Os Estados Unidos rapidamente proibiram o petróleo russo, e a União Europeia está prestes a impor seu próprio embargo.

O regime da Nicarágua encontra-se em situação financeira precária. "A Rússia não pode dar dinheiro a eles agora, e a carteira venezuelana está fechada", disse Arturo McFields, ex-embaixador da Nicarágua na Organização dos Estados Americanos (OEA), que renunciou em março em protesto contra o regime ditatorial de Daniel Ortega.

McFields disse que foi informado sobre o contato da Nicarágua com Washington antes de renunciar e acrescentou que a família Ortega e seu círculo íntimo estão sofrendo com as sanções de Washington.
Os filhos do presidente não conseguem levar a vida confortável a que se acostumaram, enquanto o dinheiro necessário para pagar paramilitares pró-governo ou expandir a força policial para administrar a crescente dissidência diminui a cada mês, disseram McFields e uma ex-autoridade graduada dos EUA.

Com a Rússia e a Venezuela também expostas a sanções, a Nicarágua não tem a quem recorrer para alívio econômico, disse McFields.

Falando sobre os Ortega, ele disse: "A família precisa de dinheiro para manter seus comparsas, a polícia e seus paramilitares felizes, porque não tem nada a oferecer além da repressão". E acrescentou: "Mas eles sabem que isso não é bom, porque estão criando um caldeirão para outro abril de 2018" –uma referência aos protestos maciços contra Ortega que foram violentamente reprimidos pela polícia e grupos paramilitares pró-governo.

Laureano pretendia garantir o alívio das sanções para os Ortega e seu círculo íntimo em troca da libertação de presos políticos, uma prioridade do governo Biden, segundo autoridades americanas com conhecimento das negociações.

Laureano Ortega, filho de Daniel Ortega, em foto de 2014 - Oswaldo Rivas - 20.nov.14/Reuters

A porta-voz e vice-presidente de Daniel Ortega, sua mulher, Rosario Murillo, não respondeu a perguntas sobre as negociações; em vez disso, enviou e-mails com slogans "revolucionários". No passado, ela denunciou as sanções como agressões imperialistas.

Um alto funcionário do Departamento de Estado disse que não está claro se a abordagem de Laureano Ortega foi motivada por temores de que o crescente isolamento da Rússia afetasse o regime de Ortega, que é cada vez mais visto como um Estado pária por grande parte da América Latina, ou se foi o subproduto de dissidência interna entre a família e a "velha guarda" –os aliados do ditador desde seus tempos sandinistas, que trabalham em seu regime.

À medida que a família aumenta seu controle sobre o Estado, os membros da velha guarda estão cada vez mais em desacordo com os Ortega –desconfortáveis com suas crescentes ambições dinásticas– e também são afetados pelas sanções de Washington, segundo a autoridade dos EUA e McFields. O funcionário do Departamento de Estado falou sob a condição de anonimato por se tratar de um assunto delicado que não foi divulgado.


"Uma conclusão importante dessa abertura é que as sanções dos EUA à Nicarágua claramente preocupam a família", disse Dan Restrepo, que foi assessor de Segurança Nacional para a América Latina do ex-presidente Barack Obama. "Provavelmente ainda mais à medida que os EUA aumentam seu regime de sanções contra a Rússia. Essa combinação está claramente afetando bastante os membros do regime."

Se a família Ortega estiver disposta a discutir a libertação de presos políticos, Washington se envolverá, acrescentou o funcionário do Departamento de Estado. Caso contrário, os EUA se preparam para aplicar uma pressão adicional sobre o regime, com mais sanções.

Laureano Ortega se aproximou de Washington por meio de um terceiro, disse o funcionário, que se recusou a tecer mais comentários. Outra pessoa familiarizada com as negociações disse que Ortega se aproximou do Departamento de Estado por meio do embaixador da Nicarágua em Washington, Francisco Obadiah Campbell Hooker.

Procurado por telefone, Campbell negou e disse não ter conhecimento do assunto.


Laureano Ortega é o conselheiro presidencial que administra o comércio, o investimento e as relações internacionais da Nicarágua. No ano passado, ele se reuniu com o vice-ministro das Relações Exteriores da China para assinar um acordo retirando o reconhecimento da Nicarágua a Taiwan e forjou o primeiro acordo de cooperação nuclear com a Rússia.

Daniel Ortega frequentemente consulta sua mulher, Murillo, antes de tomar grandes decisões políticas, disseram McFields e uma autoridade dos EUA, num relacionamento tão próximo que o casal é frequentemente chamado de "OrMu", uma mistura de seus sobrenomes.

Não está claro se Laureano Ortega ou Murillo acabarão substituindo Daniel Ortega, segundo analistas e autoridades americanas. Murillo está na casa dos 70 anos e, se for escolhida, poderá ocupar a Presidência por um período antes de entregar as rédeas ao filho.

"Laureano não tem autonomia suficiente para mover um dedo sem ter a total concordância de Ortega e Murillo", disse Carlos Fernando Chamorro Barrios, jornalista nicaraguense que fugiu no ano passado, poucos meses antes de sua irmã, Cristiana Chamorro, candidata presidencial, ser presa.

"Laureano é usado como mensageiro por sua mãe e seu pai. Isso é o mais alto que poderia chegar."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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