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Alta de casos na China antes de congresso de partido não abala Covid zero nem força de Xi

Regime confirma que fim das restrições segue fora do radar, mesmo após política gerar desgaste a líder

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São Paulo

Quase três anos após o início da pandemia, a China não dá sinais de atenuar as duras medidas de contenção do coronavírus, ao contrário do que já fez o resto do mundo. A política de Covid zero, uma das marcas da gestão do líder Xi Jinping, tem deixado a população cansada pelo vaivém de confinamentos, impacta o crescimento da economia e estimula protestos, ainda que raros, contra o regime.

Embora o número absoluto de infecções seja muito menor do que em outros países, a Covid está longe de ser zero, claro. Nesta semana, os contágios atingiram os patamares mais altos desde agosto: foram 2.089 novos registros na terça (11) e 1.624 na quarta (12), impulsionados por um feriado nacional em que milhões de chineses se deslocaram pelo país, de acordo com o Comitê Nacional de Saúde.

O cenário e os indícios de descontentamento, contudo, não parecem abalar a força política de Xi —que deve confirmar a extensão de sua liderança para um inédito terceiro mandato durante o Congresso do Partido Comunista, que começa no domingo (16).

Segurança em frente à telão com imagem de Xi Jinping, em Pequim - Noel Celis - 12.out.22/AFP

Há a expectativa de que Xi use seu espaço no encontro para cantar os louros da política de Covid zero, o que Pequim aponta como a principal responsável pela baixa taxa de mortalidade pela doença no país –até esta quinta (13), morreram 5.226 pessoas, mera fração dos índices de nações do Ocidente.

Neste ano, enquanto grandes cidades nos EUA e na Europa relaxavam cuidados com o coronavírus, Xangai e outras metrópoles, como Shenzen, um rico polo tecnológico ao sul, aumentaram a frequência de testes de moradores e fecharam abruptamente locais de entretenimento e pontos turísticos.

Xian, no noroeste, que registrou pouco mais de cem casos de 1º a 10 de outubro, fechou escolas e museus. Os ônibus diários que transportam dezenas de milhares de pessoas para trabalhar em Pequim das proximidades de Tianjin e Hebei foram suspensos temporariamente.

O endurecimento das medidas pode ser uma estratégia para manter o coronavírus sob controle antes do grande evento do Partido Comunista —no qual são esperados cerca de 2.300 delegados, de diferentes partes—, mas também pode sinalizar que não há mudança à vista nas regras, dado o repetido endosso do jornal estatal People’s Daily à política de Covid zero nos últimos dias.

"Somente quando a epidemia está sob controle a economia pode ser estável, a vida das pessoas pode ser pacífica", escreveu o diário. "Uma vez que ocorra um repique em larga escala, a epidemia se espalhará e terá sério impacto no desenvolvimento econômico e social, e o preço final será mais alto."

Liang Wannian, um dos cabeças do comitê de políticas contra a Covid, tirou nesta quinta-feira qualquer esperança de que depois do congresso as medidas sejam relaxadas. À emissora estatal CCTV ele reconheceu a expectativa do público de que a vida volte ao normal em breve, mas afirmou que, do ponto de vista científico, é impossível saber em qual mês a pandemia será derrotada.

Os custos do controle ferrenho se refletem na economia. Tradicionalmente, segundo Alexandre Uehara, professor de relações internacionais e coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios Asiáticos da ESPM, a população chinesa tolera ter menos liberdade política porque os benefícios econômicos compensam. "Eles não tinham tanta liberdade para votar, mas podiam ter uma boa vida, viajar para o exterior."

Como o PIB do país cresceu 8,1% em 2021, segundo dados oficiais, os impactos da política de Covid zero no cotidiano foram relativizados. "Neste ano, não." O custo-benefício entre liberdade política e benesse econômica começa a pesar em um contexto no qual o FMI projeta um crescimento 5 pontos menor do que no ano passado, de 3,2%. Segundo Uehara, a população sentiu mais o peso da paralisação das atividades e mostra sinais de insatisfação.

A mudança ficou evidente nesta quinta, em uma rara manifestação contra o regime. Autoridades de Pequim removeram faixas de um viaduto, de acordo com imagens que circularam nas redes sociais. "Não queremos testes de Covid, queremos comer; não queremos bloqueios, queremos ser livres", dizia um slogan.

É incomum que Xi seja citado nominalmente em manifestações —os moradores usam eufemismos, frases e imagens abstratas para evitar a censura.

Nas finanças, o dissenso veio de um relatório divulgado no mês passado pela Câmara de Comércio da União Europeia na China. No documento, a entidade apontava que "a ideologia está superando a economia". "Esse tipo de discurso 'nós somos um sucesso, o Ocidente desce, o Oriente está subindo' na verdade me faz falar mais alto para acordá-los e dizer: 'Pessoal, não estamos em um bom caminho aqui'". disse à agência Reuters Joerg Wuttke, presidente do órgão.

Para Uehara, este cenário, contudo, não deve ser suficiente para abalar o regime. "O fenômeno da Covid foi um percalço que acabou afetando todo o mundo, e, por isso mesmo, acaba tendo essa amenização em relação à política", afirma. "Xi chegou ao poder porque passou por todo um processo de preparação e de negociação política. Sua posição no Partido Comunista não é por acaso."


Números da Covid na China

  • 5.226 mortes
  • 1.624 casos registrados na quarta (12)
  • 1,01 milhão de casos acumulados
  • 89,2% da população com o primeiro ciclo vacinal completo

Com Reuters

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