Descrição de chapéu União Europeia

Profissionais do sexo combatem campanha antiprostituição na Espanha

Trabalhadoras dizem que endurecimento de leis as colocaria em risco maior de exploração e violência

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Madri | Reuters

Não foi assim que ela imaginou começar uma vida nova na Espanha, mas para a migrante peruana Angela, 32, e sua família em seu país natal o trabalho sexual virou uma salvação financeira —ajudando a pagar o tratamento contra o câncer de seu pai e a faculdade de medicina do irmão.

"Você tem projetos, tem ideias para a vida, mas a vida surpreende." Como muitos profissionais do sexo na Espanha, ela está preocupada com os planos do partido governista de reprimir a indústria do sexo com um projeto de lei que se propõe a defender os direitos das mulheres.

O projeto redigido pelo Partido Socialista (PSOE) criminalizará o ato de pagar por sexo e introduzirá penas mais duras para quem explora a atividade. O objetivo é, concretamente, acabar com a prostituição e o tráfico sexual, atacando a demanda.

Cartaz onde se lê "trabalhadoras somos todas" preso numa cerca após protesto em Madri contra a lei que visa endurecer penas ligadas à prostituição na Espanha
Cartaz onde se lê 'trabalhadoras somos todas' preso numa cerca após protesto em Madri contra a lei que visa endurecer penas ligadas à prostituição na Espanha - Violeta Santos Moura/Reuters

O trabalho sexual online, por meio de videochamadas, e a produção de fotos e vídeos também estarão dentro da alçada da proposta —outra lei em vigor proíbe anúncios de prostituição. O texto seria votado no Parlamento no início deste mês, mas parte dos deputados concordou em, antes, dialogar com profissionais do sexo, o que pode levar a emendas ao projeto.

A legislação, parte de uma campanha maior dos socialistas para promover os direitos das mulheres, trata profissionais do sexo como vítimas, não criminosas —como seria o caso se a atividade fosse proibida diretamente. "As modificações não vão penalizar as profissionais de nenhuma maneira", diz a deputada socialista Andrea Fernandez, coautora do projeto. Para ela, todo trabalho sexual é fruto de exploração que deve ser punida por lei.

'TRABALHO SEXUAL É TRABALHO'

Até agora esse tipo de trabalho existe numa zona legal cinzenta na Espanha. Ele é tolerado, em grande medida, embora a exploração sexual e da atividade sejam ilegais.

O que profissionais do sexo temem é que a repressão proposta não só não consiga pôr fim à prostituição como, em vez disso, aumente o perigo enfrentado por elas. "Vai continuar, só que em condições piores", diz Angela, que pediu para não dar seu nome completo.

Em atos públicos recentes, cartazes diziam "trabalho sexual é trabalho" e "putas feministas". A Astra, associação que reúne essas profissionais, ameaçou identificar e expor publicamente políticos que são clientes de prostitutas.

Prostitutas protestam na França contra lei antiprostituição. No cartaz, se lê "não há prostitutas sujas, apenas leis sujas"
Prostitutas protestam na França contra lei antiprostituição. No cartaz, se lê 'não há prostitutas sujas, apenas leis sujas' - Jean-Philippe Ksiazek/AFP

Rakel, 41, profissional do sexo que integra o grupo de campanha StopAbolition, diz que o projeto, se aprovado, forçará prostitutas a trabalharem na clandestinidade, elevando o risco de infecções e violência. "O governo vai nos jogar nos braços da máfia", diz —ela pediu para não informar seu nome completo.

MULHERES CONTRA MULHERES

O governo espanhol, de maioria socialista, decidiu seguir adiante com o texto apesar de divisões profundas no PSOE e em seu parceiro de coalizão, o Podemos. Críticos dizem que a iniciativa é paternalista e obscurecida por julgamentos morais acerca do trabalho sexual.

Para a deputada de ultraesquerda Mireia Vehi, o projeto dividiu o movimento pelos direitos das mulheres na Espanha, numa discussão amarga que está saindo de controle. "É quase um debate sobre quem pode ou não se qualificar como feminista", diz. "Um modelo que só leva à perseguição de mulheres, que não acaba com a prostituição nem com o tráfico."

Ela pede que sejam discutidas alternativas como a descriminalização da prostituição ou mesmo uma renda universal básica.

Pedro Sánchez, premiê da Espanha, durante encontro de líderes europeus em Bruxelas
Pedro Sánchez, premiê da Espanha, durante encontro de líderes europeus em Bruxelas - Yves Herman/Reuters

Cerca de 70,3 mil mulheres trabalham na indústria do sexo da Espanha, segundo o relatório mais recente da agência da ONU para a Aids.

Isso faria do país um dos maiores mercados de prostituição na Europa –estatística que tem sido usada por socialistas para reforçar o argumento de que a desregulamentação implementada nos anos 1990 não surtiu efeito.

TRÁFICO SEXUAL

Grupos que trabalham com mulheres traficadas e forçadas a se prostituir, por sua vez, têm dado apoio aos planos do governo. Mas muitas profissionais rejeitam o argumento de que a maioria foi coagida. "Me exploravam mais quando eu era garçonete", diz Angela.

A discussão na Espanha se dá num momento em que a União Europeia revê sua diretiva de 2011 contra o tráfico sexual —o que pode criminalizar em todo o bloco o ato de pagar por sexo.

Hoje, países do bloco adotam abordagens diversas em relação à indústria do sexo. França e Suécia punem os clientes. Na Croácia e na Romênia, prostitutas podem ser presas e processadas. Na Grécia e na Holanda o trabalho é legal, e as profissionais devem fazer um cadastro e seguir regulamentações.

No início deste ano a Bélgica descriminalizou o trabalho sexual, adotando uma legislação trabalhista que deixará profissionais do sexo definirem como trabalham.

Por ora, os esforços das prostitutas na Espanha estão voltados a garantir emendas ao projeto de lei, incluindo reverter a criminalização de pagar por sexo e estreitar a definição de exploração.

Tradução de Clara Allain

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