Irã prende estrelas do cinema por removerem véu islâmico em público

Repressão aos protestos iniciados pela morte de Mahsa Amini cresce e mira influência de celebridades

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Paris | AFP

O Irã prendeu duas conhecidas atrizes de cinema no domingo (20) após elas manifestarem solidariedade aos atos que tomaram o país e removerem em público o véu islâmico, segundo a agência estatal IRNA.

Hengameh Ghaziani e Katayoun Riahi foram detidas devido à publicação de "conteúdo provocativo" na internet, além de terem tirado em público o hijab —lenço que cobre a cabeça.

A atriz iraniana Hengameh Ghaziani na 34ª edição do festival de Fajr, em Teerã, capital do Irã
A atriz iraniana Hengameh Ghaziani na 34ª edição do festival de Fajr, em Teerã, capital do Irã - Atta Kenare - 3.fev.16/AFP

No sábado (19), Ghaziani publicou um vídeo no Instagram alertando por escrito que aquela poderia ser sua última publicação. No registro, a atriz aparece em silêncio, vira-se e prende o cabelo em um rabo de cavalo. "Se algo acontecer comigo, saiba que estarei com o povo iraniano até meu último suspiro", escreveu ela, que na semana passada acusou o governo de assassinar mais de 50 crianças.

Riahi foi detida no escopo da mesma investigação. Conhecida pela atuação em filmes premiados e por seu trabalho de caridade, ela concedeu em setembro uma entrevista à Televisão Internacional do Irã —sediada em Londres e rechaçada pelo governo iraniano— sem usar o hijab e com o cabelo à mostra.

Desde setembro, o regime encara manifestações devido à morte da jovem curda Mahsa Amini. Em visita a Teerã com a família, ela foi detida pela chamada polícia moral por supostamente não usar o hijab de maneira correta e morreu após ser levada para a delegacia. A corporação afirma que a morte se deve a problemas cardíacos preexistentes, versão que a família e ativistas contestam, citando agressões e tortura.

Segundo o site especializado em notícias do Judiciário iraniano Mizan Online, Ghaziani e outras sete pessoas foram acusadas de publicar "conteúdo provocativo". Entre os intimados está Yahya Golmohammadi, treinador do clube de futebol Persepolis, que criticou duramente os jogadores da seleção do Irã por não "levarem a voz do povo oprimido aos ouvidos das autoridades" na Copa do Mundo.

O comentário veio após o encontro dos convocados para o torneio com o presidente do país, Ebrahim Raisi, antes da estreia do time no Mundial. Na quinta-feira (17), o atacante Alireza Jahanbakhsh disse que o foco da equipe no Qatar seria a competição, não questões políticas.

Nesta segunda (21), no entanto, na estreia contra a Inglaterra, os jogadores ficaram em silêncio durante a execução do hino nacional, enquanto a torcida vaiava. Sardar Azmoun, que começou a partida no banco de reservas, foi um dos atletas que usaram suas redes sociais para denunciar a repressão do país.

Ainda de acordo com o Mizan, outras atrizes importantes, como Mitra Hajjar e Baran Kosari, foram intimadas a depor. Nas primeiras semanas de novembro, Taraneh Alidoosti, uma das mais famosas estrelas do cinema iraniano, também publicou uma imagem em que aparecia sem vestir o hijab.

As figuras do cinema já estavam sob pressão antes da onda de protestos. Os diretores Mohammad Rasoulof e Jafar Panahi foram detidos no início do ano, também sob acusações de cunho político.

Segundo a ONG Direitos Humanos no Irã, 402 pessoas já morreram durante os atos. Entre as vítimas, segundo a organização, estão 58 crianças e adolescentes. Outras 16,8 mil pessoas foram presas e ao menos seis, condenadas à morte por supostos delitos ligados às manifestações.

A Anistia Internacional, porém, aponta 21 manifestantes presos por crimes que podem resultar na aplicação da pena capital. A mídia estatal informa apenas que 46 membros das forças de segurança do país morreram durante os atos.

No sábado, milhares de iranianos protestaram em cerca de 20 faculdades de Teerã e de outras cidades, como Isfahan, Tabriz e Shiraz. Só no fim de semana ativistas registraram a morte de ao menos três manifestantes no noroeste do país —eles teriam sido alvo de disparos das forças de segurança.

O regime islâmico agora teme que os atos ganhem o apoio de sindicatos e de outras organizações trabalhistas. Foi justamente uma combinação de protestos em massa e greves de comerciantes e trabalhadores da indústria petrolífera que contribuiu para a Revolução Islâmica no Irã, em 1979.

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