No mundo de 8 bilhões, este americano defende que pessoas parem de ter filhos

Les Knight diz que humanos se tornaram superpredadores que acentuam gravidade da emergência climática

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Cara Buckley
Portland | The New York Times

Para alguém que gostaria de ver sua própria espécie extinta, Les Knight é surpreendentemente despreocupado.

Ele já promoveu várias festas com queima de fogos de artifício para celebrar chuvas de meteoros. Organizou uma partida de críquete nudista em seu quintal –que, vale mencionar, é protegido por uma cerca-viva de loureiros de seis metros de altura.

Nem mesmo Tucker Carlson foi páreo para a alegria de Knight. Em 2005, quando o entrevistou na MSNBC, Carlson o criticou por defender as ideias "mais doentias possíveis", mas acrescentou: "Você é um dos convidados mais bem-humorados que já recebemos neste programa".

Les Knight, the founder of the Voluntary Human Extinction movement, at his home in Portland, Oregon, on Oct. 29, 2022. For the sake of the planet, Knight has spent decades pushing one message: ÒMay we live long and die out.Ó (Mason Trinca/The New York Times)
Les Knight, fundador do Voluntary Human Extinction, no quintal de sua casa, em Portland, no estado americano de Oregon - Mason Trinca - 20.out.22/The New York Times

Knight, 75, fundou o Voluntary Human Extinction (extinção humana voluntária), grupo de pessoas que creem que a melhor coisa que os humanos podem fazer para ajudar a Terra é parar de ter filhos.

Ele incluiu a palavra "voluntária" ao nome do movimento décadas atrás para deixar claro que seus seguidores não defendem o homicídio em massa ou o controle de natalidade forçado. Tampouco incentivam o suicídio. Seu "ethos" é refletido no lema "vida longa e extinção", além de outro de seus slogans, que Knight costuma expor em convenções e feiras de rua: "Obrigado por não se reproduzirem".

Em 15 de novembro, a população da Terra chegou a um número recorde: 8 bilhões de seres humanos. Apesar das taxas de natalidade em queda, esse número está previsto para alcançar o pico de 10,4 bilhões nas próximas décadas, devido em grande medida ao aumento da expectativa de vida e à queda na mortalidade infantil.

Knight está entre aqueles para os quais a superpopulação é um dos principais responsáveis pela crise climática, mas essa ideia pode ser polêmica. Países pobres e densamente povoados, como a Índia, contribuem relativamente pouco per capita para as emissões de gases estufa que estão aquecendo o planeta. Países ricos com populações relativamente menores, como os Estados Unidos, geram a maior parte da poluição que provoca o aquecimento global.

"O problema que está saindo de controle é o consumo", afirma John Wilmoth, diretor da divisão de população da ONU. Para ele, encarar a limitação da população como uma solução possível para o problema climático desvia as atenções da necessidade urgente de todos abandonarem os combustíveis fósseis e fazerem uma utilização mais eficiente dos recursos naturais. "Precisamos transformar os incentivos econômicos que tornam possível lucrar com a poluição do ambiente."

A ideia de que a população precisa ser controlada já levou a esterilizações forçadas e medidas que mostraram-se desumanas ou foram vinculadas a teorias racistas como a eugenia.

Mas Stephanie Feldstein, diretora de população e sustentabilidade da ONG Center for Biological Diversity, diz que, embora a saúde e a longevidade humana maiores sejam coisas boas, elas encerram um custo para outros seres vivos do planeta.

No último meio século a população humana dobrou, e as populações de animais silvestres diminuíram em 70%. Reduzir os índices de fertilidade humana hoje não mudará as emissões de gases estufa a curto prazo, afirma Feldstein, mas o crescimento da população humana impõe pressão crescente sobre os recursos naturais minguantes e a teia complexa de animais, aves e plantas que dependem deles.

"A perda de biodiversidade pode ser igualmente devastadora, na medida em que desmonta os ecossistemas dos quais precisamos para sobreviver", diz. "A cada ano já estamos usando quase o dobro da quantidade de recursos naturais que a Terra é capaz de repor nesse mesmo período."

Uma das maneiras mais eficazes de combater o aquecimento global, segundo tanto ativistas climáticos quanto vozes preocupadas com a superpopulação, é ampliar o acesso de meninas em todo o mundo à educação, além do acesso a métodos contraceptivos e planejamento familiar. Quase metade de todas as gravidezes no mundo –cerca de 121 milhões por ano— não foram planejadas.

O Center for Biological Diversity já distribuiu 1 milhão de camisinhas com temas de espécies ameaçadas de extinção, em embalagens coloridas que ostentam slogans jocosos.

Mas é raro encontrar alguém que vai tão longe em seu discurso público quanto Les Knight, que fez vasectomia aos 25 anos, em 1973, e não tem filhos. Além de defender o acesso universal a métodos contraceptivos e se opor ao que descreve como o fascismo reprodutivo —ou "a falta de liberdade de não procriar"—, Knight diz que, apesar de nossas muitas conquistas, os humanos são nocivos para a Terra.

"Olhe o que fizemos a este planeta", afirma Knigh, em seu quintal ensolarado. "Não somos uma espécie benéfica."

Não está claro quantos aderentes há no movimento nem qual é seu alcance. O grupo começou de modo quase clandestino, mas sua popularidade decolou quando Knight criou um site em 1996. De tom geral leve, a página tem material escrito e inclui citações do filósofo Arthur Schopenhauer e charges da artista Nina Paley, além de argumentos contra a procriação e a favor da adoção. Já foi traduzido para 30 idiomas e é visto por muitos como um refúgio.

"A existência de um grupo desse tipo foi ótima notícia para mim porque, quando você segue esse tipo de filosofia, tende a se sentir isolado", diz o mexicano Mario Buenfil, 73, engenheiro hidráulico que participa do movimento há 20 anos.

Professor substituto do ensino médio pela maior parte de sua vida profissional, Les Knight é visto com afeto por estudantes. Ele passa suas manhãs de domingo recolhendo lixo no bairro. Durante a entrevista, fez uma pausa para apreciar duas aranhas que tomavam sol em suas teias.

Para ele, a presença dos aracnídeos é motivo de alegria, depois de tantos insetos e animais terem morrido numa onda de calor sufocante no oeste da América do Norte no ano passado. Autodeclarado monógamo serial, Knight vive sozinho, mas sua namorada mora na casa ao lado e adere totalmente à sua causa.

"Ele não tem um ego gigantesco. Não fica tentando convencer as pessoas de suas ideias", diz Marv Ross, que foi colega de quarto de Knight na faculdade e é seu amigo há anos. "Sempre foi bem-humorado, alguém que transmite sua mensagem do jeito mais divertido possível."

Quando era criança, em Oregon, filho de uma família tolerante, Knight viu madeireiras derrubando as florestas do estado. Recrutado compulsoriamente para o Exército durante a Guerra do Vietnã (ele serviu, mas não chegou a ser enviado para a guerra), estudou na Faculdade de Educação de Oregon e ingressou na representação local da entidade Zero Population Growth, algo que consolidou sua decisão de não ter filhos. "Sempre foi por causa da ecologia, do dano que os humanos causam ao ambiente."

As ideias de Knight têm origem na ecologia profunda, que contesta a premissa da hegemonia humana e argumenta que outras espécies são igualmente importantes. Knight passou a enxergar os humanos como a mais destrutiva das espécies invasivas, como superpredadores.

"Surgimos no mundo e depois começamos a aumentar de modo descontrolado. E, como temos inteligência suficiente para isso, deveríamos ter consciência de que precisamos acabar com isso."

O número de nascimentos nos EUA subiu durante a pandemia, revertendo a queda no índice nacional de natalidade, mas uma pesquisa de 2020 descobriu que um em cada quatro americanos que não tinham tido filhos citaram a mudança climática como uma das razões disso.

Pesquisas indicam que ter um filho a menos talvez seja a maneira mais importante de reduzir nossa pegada de carbono, e, embora Knight não goste de impor suas ideias às pessoas, ele gosta de pensar que alguns humanos não existem graças a seus esforços.

Tradução de Clara Allain

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