Descrição de chapéu BBC News Brasil Governo Biden imigrantes

'Estamos desesperados': A cidade na fronteira dos EUA abarrotada de imigrantes a espera de mudanças na lei

Autoridades locais e ONGs afirmam enfrentar dificuldades para lidar com a situação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Bernd Debusmann Jr
El Paso (EUA) | BBC NEWS

Dylan Torres Reyes, 21, passou três noites na calçada em frente ao principal terminal de ônibus da cidade de El Paso, tremendo de frio no congelante inverno do Texas, nos Estados Unidos.

"Tem feito muito, muito frio aqui, e isso é tudo o que tenho para vestir", contou ele à BBC, apontando para o casaco azul fino com capuz que está usando. "Tem sido difícil dormir assim."

Reyes é venezuelano e está longe de ser o único.

Autoridades afirmam que El Paso, no Texas, está no seu limite
Autoridades afirmam que El Paso, no Texas, está no seu limite - Getty Images/BBC News Brasil

À sua volta, dezenas de outros imigrantes se reúnem em pequenos grupos, a duas quadras do centro de El Paso. Entre eles, há mulheres e crianças dormindo a céu aberto, em temperaturas que caem abaixo de zero grau à noite. Eles são uma pequena parte de um número crescente de imigrantes na cidade.

As autoridades e organizações humanitárias afirmam enfrentar dificuldades para lidar com a situação. Muitos são da Nicarágua e da Venezuela, mas muitos vêm de outros países, de toda a América Latina.

A maioria dos imigrantes, como Reyes, espera uma oportunidade para viajar a outras partes dos EUA, para encontrar suas famílias depois de uma viagem longa, difícil e extremamente perigosa até a fronteira.

"Quero ir para Chicago... Não tenho ideia de como vou chegar lá", afirma Reyes. "Estou tentando conseguir passagens de ônibus, mas não sei como vou fazer." Ele acrescenta que as noites frias e a incerteza são dificuldades pequenas em comparação com o que enfrentou nos últimos meses —incluindo uma travessia pela selva na qual companheiros morreram, além de abuso e tentativas de extorsão por policiais corruptos. "Estou feliz por estar aqui. O tratamento tem sido excelente", conta ele. "Só tem feito muito frio."

O que aconteceu com o Título 42?

Enquanto El Paso enfrenta uma crise humanitária cada vez maior, o provável fim da política de imigração da era Trump deixou as autoridades e as ONGs preocupadas por talvez não conseguirem lidar com o aumento do fluxo de imigrantes e pessoas em busca de asilo.

Conhecida como Título 42, a política concede ao governo o poder de expulsar automaticamente imigrantes sem documentos. Ela impediu milhares de cruzar a fronteira entre o México e os EUA.

Essa política deveria ter sido extinta em 21 de dezembro, mas a Suprema Corte americana a prorrogou temporariamente. No dia 19, o juiz-chefe da Suprema Corte, John Roberts, proibiu temporariamente o fim do Título 42, aguardando a decisão sobre um recurso emergencial apresentado por estados governados por republicanos. Eles pediram a manutenção da política em vigor.

No dia seguinte, o governo Biden pediu ao tribunal que ignorasse o pedido para manter vigente o Título 42, defendendo que não há mais justificativa para a manutenção. Mas também pediu à corte que postergasse o fim da política ao menos até 27 de dezembro, para se preparar para o fluxo de entrada de imigrantes.

Se o governo for atendido, a política terminará em 27 de dezembro. Mas a intervenção da Suprema Corte trouxe pouco significado às ruas de El Paso, onde abrigos e serviços humanitários estão sobrecarregados.

As autoridades municipais afirmam que estão fazendo o melhor que podem para ajudar diariamente a abrigar e a transportar imigrantes liberados pelo Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos (CBP, na sigla em inglês), mas os números crescentes vêm esgotando os recursos.

Só de 12 a 18 de dezembro, mais de 10,3 mil imigrantes entraram na cidade, contra 8.000 na semana anterior. As autoridades locais e federais estimam que, se o Título 42 perdesse a vigência, o número diário de detenções de imigrantes em El Paso subiria de 1.500 para 4.000 a 6.000 —e a cidade seria incapaz de atendê-los com os recursos existentes.

"Não é possível administrar. Abrigos e esforços da comunidade estão sobrecarregados", diz Fernando García, diretor-executivo da ONG Border Network for Human Rights. "Temos um problema imediato."

"Não podemos esperar para ver se o Título 42 perderá a vigência ou não", acrescenta ele. "Aqui e agora, temos pessoas em El Paso, nas ruas. Crianças, mulheres, sem roupas de frio, sem comida, sem água e sem dinheiro para serem transportadas até seus parentes."

Estado de emergência

No dia 18, o prefeito de El Paso, o democrata Oscar Leeser, decretou estado de emergência por sete dias. Ele afirma que a decisão oferece às autoridades locais os recursos para lidar com o fluxo de entrada de imigrantes dormindo nas ruas da cidade. "Queremos garantir que as pessoas sejam tratadas com dignidade", disse ele aos repórteres. "Queremos fazer com que todos fiquem em segurança."

Leeser alertou que os abrigos da cidade já estavam com capacidade máxima ocupada e estimou que havia outros 20 mil migrantes na fronteira, preparados para cruzar para os EUA.

Prometendo "preparar-se para o que vier", Leeser afirmou que as autoridades municipais ainda estavam elaborando planos de emergência, incluindo a conversão de grandes edifícios em abrigos improvisados e o fretamento de ônibus para ajudar no transporte dos imigrantes para outras cidades do Texas.

Mas grande parte do trabalho diário de ajuda aos imigrantes recaiu sobre um grupo de ONGs e grupos ativistas. Uma dessas organizações é o banco de alimentos El Pasoans Fighting Hunger Food Bank, que vem alimentando dezenas de imigrantes por vez em locais espalhados pela cidade.

"Essa é certamente uma crise humanitária", afirma a executiva-chefe da organização, Susan Goodell. "O número de imigrantes na nossa comunidade é enorme. Nunca vi números como esses." Ela afirma que sua organização, até agora, conseguiu lidar com o número de imigrantes, mas está tendo dificuldades para acompanhar a crise e precisou pedir auxílio a outras organizações, em outras partes dos EUA.

Ajuda dos vizinhos

Moradores de El Paso e de áreas vizinhas contaram à BBC que o aumento do fluxo de imigrantes tem sido visível nos últimos dias. Alguns descreveram ruídos constantes à noite, estações de ônibus lotadas ou que encontram pessoas dormindo ao lado das suas casas ou veículos quando saem de casa pela manhã.

Cerca de um quarto da população da região é composto de estrangeiros, e muitos moradores se compadecem das condições dos imigrantes. "Eles estão apenas tentando melhorar de vida. Se você estivesse no lugar deles, iria querer vir para os EUA para ter liberdade ou um emprego", afirma Mark Casavantes, morador de El Paso por toda a vida, a poucos quarteirões da fronteira com o México.

"São pessoas muito pacíficas e respeitosas. Eles realmente não causaram problemas."

Sue Dickson é voluntária da Annunciation House, organização que oferece abrigo para os imigrantes em El Paso. Ela conta que "as mentes de mais pessoas se abririam" se vissem a realidade diária da situação dos imigrantes na sua cidade. "São pessoas que estão desesperadas, que precisam de asilo, que precisam fugir da violência e da opressão política", afirma ela. "Elas estão vindo para cá em busca de segurança."

Autoridades federais afirmaram repetidamente que o governo —particularmente, o Departamento de Segurança Doméstica— está se preparando para o possível cancelamento do Título 42.

Já os trabalhadores humanitários de El Paso questionam se o fim dessa política levará ao pico súbito de imigração previsto por alguns políticos. Muitos observam que eventuais cruzamentos em massa da fronteira não seriam algo normal. Mas o potencial de outros picos deixou muitos ansiosos. "Os números previstos nos deixam nervosos", afirma Goodell. "Estamos nos preparando da melhor forma possível."

Este texto foi publicado originalmente aqui.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.