Travessia de mil migrantes expõe crise que exaure instalações na fronteira dos EUA

Número de pessoas que atravessam fronteira na região de El Paso aumentou fortemente nos últimos meses

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Dezenas de migrantes cruzam fronteira do México com os EUA antes de solicitarem asilo em El Paso, no Texas

Dezenas de migrantes cruzam fronteira do México com os EUA antes de solicitarem asilo em El Paso, no Texas Paul Ratje - 11.dez.2022/The New York Times

Simon Romero J. David Goodman Eileen Sullivan
El Paso (Texas) | The New York Times

Centenas de migrantes atravessaram o rio Grande e entraram em El Paso após o anoitecer do domingo (11), numa caravana de pessoas vindas principalmente da Nicarágua. Foi a maior travessia em massa da fronteira no oeste do Texas nos últimos anos.

A chegada surpreendeu a cidade, que nos últimos meses tem ficado sobrecarregada com um fluxo constante de migrantes da América Central e do Sul –mais de 50 mil pessoas apenas em outubro.

Como os venezuelanos que inundaram a cidade neste ano, os que chegam da Nicarágua não podem ser expulsos sumariamente sob os termos de uma política de saúde pública da era da pandemia conhecida como Título 42, que as autoridades aplicam a migrantes de outros países, como o México.

Assim, as cenas vistas em El Paso ofereceram uma prévia dos desafios que as autoridades podem encarar em toda a fronteira sul depois que a Título 42 chegar ao fim. Tirando uma intervenção dos tribunais, isso deve ocorrer na semana que vem.

A maioria dos que chegaram no domingo se entregaram às autoridades federais. Em breve eles se juntarão a milhares de outros, muitos dos quais foram soltos para buscar assistência e comida. Alguns se reuniram na estação rodoviária central e à noite, quando a temperatura caiu para quase 0°C, se deitaram para dormir sobre folhas de papelão.

"Eu vou para Nashville", diz Gabriel Moreno, 21. Ele deixou um emprego mal pago numa fábrica têxtil na Nicarágua, foi assaltado durante a travessia do México e, na segunda-feira (12), era um dos reunidos na rodoviária de El Paso procurando maneiras de seguir viagem nos EUA.

Devido ao desgaste das relações diplomáticas com a ditadura nicaraguense, os EUA têm chances limitadas de expulsar cidadãos dessa país sob o Título 42 e não podem repatriá-los. O México até agora não concordou em aceitar nicaraguenses expulsos do vizinho ao norte.

Em consequência disso, a maioria dos apreendidos é solta em liberdade condicional de curto prazo, equipada com um dispositivo de rastreamento ou detida provisoriamente pela agência de imigração (ICE). Mais adiante, todos serão convocados para um tribunal de imigração para receber ordens de deportação.

Um número enorme de pessoas chegou a El Paso no último fim de semana –mais ou menos 2.000 por dia, segundo autoridades. O grupo de entre 800 e mil pessoas que fez a travessia na noite do domingo parece ter sido o maior.

Blake Barrow, diretor da Missão de Resgate de El Paso, conta que seu abrigo está superlotado. "O número de pessoas chegando não parece nada que eu tenha visto nos últimos 25 anos."

Ainda em agosto, segundo ele, quase todas as pessoas que recebiam assistência ali eram cidadãos americanos em situação de rua. "Hoje os americanos sem-teto são cerca de 30% das pessoas que ajudamos", diz. "A dinâmica toda mudou com o fluxo chegando de países como a Nicarágua."

Ele conta que está colocando pessoas para dormir em qualquer lugar que consegue encontrar. "Francamente, não sei como resolver esse problema. Estamos totalmente sobrecarregados."

Rosalio Sosa, que administra uma rede de abrigos, inclusive em Ciudad Juárez, do outro lado da fronteira em relação a El Paso, diz que ainda havia migrantes atravessando a fronteira na tarde de segunda, com "uma fila interminável" do outro lado do rio.

Foi a segunda vez nos últimos meses que a chegada de grande número de migrantes de uma vez ameaça sobrecarregar os recursos da cidade de fronteira e das autoridades migratórias federais, já sob pressão devido ao fluxo constante deste ano. Mais de 5.000 migrantes estavam na unidade central de processamento da Patrulha de Fronteira na segunda, segundo autoridades de El Paso.

O senador estadual César J. Blanco, que representa a área, pediu ajuda humanitária aos governos estadual e federal. Segundo ele, El Paso se tornou o ponto de entrada de migrantes em situação de desespero.

"Tenho cinco pessoas hospedadas na minha casa e deixei outras três dormirem no meu caminhão", conta Almaraz Saucedo Isidro, que mora num apartamento em frente à rodoviária. "Está frio, eles não têm comida nem agasalhos, foram largados aqui."

O número de pessoas que atravessam do México aumentou fortemente na região de El Paso nos últimos meses. Em outubro, 53 mil encontros foram registrados por agentes de fronteira na área, mais que em qualquer outro setor da divisa EUA-México. Nos últimos 12 meses, agentes federais registraram um número recorde de encontros em toda a fronteira sul: quase 2,4 milhões.

As imagens de migrantes atravessando a pé seções rasas do rio Grande em El Paso lembraram momentos anteriores de crise —na pequena Del Rio, Texas, no ano passado, mais de 9.000 migrantes, sobretudo haitianos, se espremeram em condições de precariedade absoluta num acampamento temporário sob uma ponte.

Quase 7.000 pessoas foram libertadas da custódia da imigração federal na semana passada em El Paso –total que superou mesmo os números vistos durante a grande onda de chegada de venezuelanos neste ano. A maioria acaba saindo da cidade, mas antes disso muitas vezes procura comida, abrigo e ajuda.

John Martin, vice-diretor do Centro de Oportunidades para os Sem-Teto em El Paso, diz que foi informado na segunda-feira que outros 2.500 migrantes seriam soltos nesta semana. O local, que trabalha principalmente com a população local em situação de rua, opera vários abrigos, a maioria dos quais já superlotada.

As cenas atuais oferecem um vislumbre potencial da situação que as autoridades vêm se preparando para encarar quando terminar a vigência do Título 42. Adotada pela administração Donald Trump e continuada sob Joe Biden graças a uma ordem judicial, a política tem permitido a Washington expulsar migrantes sumariamente para impedir o alastramento do coronavírus.

O grupo que chegou no sábado incluía migrantes de vários países centro e sul-americanos, além do Haiti, e que haviam recebido status legal temporário no México que lhes permitia deslocar-se no país por 180 dias, segundo Santiago González Reyes, diretor do escritório de direitos humanos em Ciudad Juárez.

Segundo Marcos Chavez Torres, prefeito de Jiménez, no estado mexicano de Chihuahua, alguns dos migrantes faziam parte de um grupo grande que foi sequestrado ao longo do caminho e extorquido, até que as autoridades mexicanas conseguiram sua libertação.

Na tarde do domingo, segundo González, Chihuahua enviou uma caravana de 1.100 migrantes de ônibus para Juárez. Os 19 ônibus foram pagos pelo governo mexicano, que argumentou que as pessoas iriam para o norte de qualquer maneira e providenciou uma escolta policial para garantir sua segurança.

O grupo não ficou muito tempo em Juárez. Por volta das 16h os migrantes decidiram atravessar a fronteira em massa. Centenas de outros se juntaram a eles.

O centro de processamento em El Paso funciona acima de sua capacidade no momento, algo que as autoridades de fronteira conseguiram controlar em ocasiões anteriores.

Felix Acuña, 41, chegou à fronteira no domingo, vindo da Nicarágua, depois de 25 dias de viagem. Ele passou sete horas detido e foi orientado a telefonar em duas semanas para saber a data em que deve comparecer a um tribunal. Acuña diz que estava tentando entrar em contato com familiares em Miami e conseguir uma passagem de ônibus para lá.

"Está muito difícil na Nicarágua no momento –não há trabalho", afirma. "Tenho quatro filhas em casa."

Até recentemente a prefeitura de El Paso pagava as passagens de ônibus de migrantes para destinos a norte e leste. Em setembro o número de pessoas que faziam a travessia na cidade chegava a 2.000 em alguns dias, em sua maioria venezuelanos.

As autoridades locais suspenderam o programa de envio por ônibus –que havia tirado quase 14 mil pessoas da cidade, das quais 10 mil foram a Nova York— em outubro, quando Biden mudou sua política e começou a aplicar o Título 42 a grande número de venezuelanos que chegava à fronteira.

"Só o que eu quero é uma vida melhor para minhas filhas", diz Carmen Tercero, 37, ao lado das crianças, de 8 e 17 anos. Ela trabalhava num salão de beleza em Manágua. Na segunda, aguardava um ônibus para Houston, onde vive sua irmã. "Atravessarei a fronteira outras cem vezes se for preciso para ajudá-las."

Tradução de Clara Allain

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